Luta contra o EI

Aliados criticam decisão dos EUA de retirar tropas da Síria

Forças curdas alertam que saída de soldados americanos ressuscitará o Estado Islâmico; ''É hora de os outros lutarem'', rebate Trump; Putin considera presença americana ''ilegítima''

- Atualizada em 11/10/2022 às 12h27

MOSCOU - A ordem do presidente americano, Donald Trump, de retirada total das tropas do país na Síria surpreendeu aliados, preocupou forças locais apoiadas por Washington contra extremistas da região, mas não convenceu o presidente da Rússia, Vladimir Putin, principal aliado do regime de Bashar al-Assad em Damasco. Parte dos 2 mil soldados dos Estados Unidos já começaram a voltar para casa depois de Trump destacar que o Estado Islâmico já foi derrotado, sua "única razão" para ficar no território. No entanto, forças curdas alertaram que a medida pode levar o grupo extremista a reconstruir sua força na região.

Durante a entrevista coletiva anual, Vladimir Putin classificou a presença militar dos EUA na Síria como "ilegítima". Ainda assim, o presidente russo minimizou o anúncio de Trump e ponderou não saber o que a ordem de retirada dos soldados "realmente significa". Segundo Putin, Washington destacou várias vezes a decisão de tirar as tropas do Afeganistão, que ainda estão no país. O chefe do Kremlin concordou com o líder da Casa Branca de que o Estado Islâmico foi derrotado, mas ressaltou o risco de os extremistas se reorganizarem. Putin ainda disse esperar que o trabalho de formação de um comitê constitucional para a Síria esteja em sua fase final.

Ontem, Trump voltou a defender a retirada das tropas americanas da Síria e negou que tenha sido uma surpresa. O republicano destacou que, há seis meses, demonstrou intenção semelhante, mas concordou em estender a permanência no território. Na visão do presidente americano, porém, os EUA estavam "fazendo o trabalho" que era dos governos de Rússia, Irã e Síria.

"Os EUA querem ser a polícia do Oriente Médio, recebendo nada e gastando vidas preciosas e trilhões de dólares protegendo outros que, em quase todos os casos, não são gratos pelo que estamos fazendo? Queremos ficar lá para sempre? É hora de os outros finalmente lutarem...", ressaltou Trump, no Twitter.

Retirada de tropas

De acordo com fontes no governo americano, a saída das tropas americanas seria acompanhada pela suspensão dos bombardeios contra o Estado Islâmico, informou a agência Reuters. A campanha antiaérea americana já despejou mais de cem mil bombas e misséis sobre alvos no Iraque e na Síria desde 2015.

Em reação ao anúncio de Trump de retirada, as forças curdas alertaram que eventual saída dos Estados Unidos permitiria ao Estado Islâmico se reconstruir no território. Em comunicado, as Forças Democráticas Sírias (FDS), principais aliadas da coalizão internacional até então liderada por Washington, destacaram que a retirada das tropas americanas terá "impacto negativo na campanha antiterrorista". Dominada pelos curdos, as FDS analisam que a cisão dos EUA dará aos extremistas "oportunidade de lançar nova investida na região".

Junto à coalizão internacional, as FDS ainda combatem os jihadistas nos últimos bastiões de resistência do grupo, que autoproclamou um califado na Síria e no Iraque em 2014. Os dois mil soldados americanos na Síria integram essencialmente forças de apoio nos combates e de treinamento dos curdos, que também sofrem a ameaça de nova ofensiva militar da Turquia. Na segunda-feira, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, disse estar decidido a "se desfazer" das Unidades de Proteção Popular (IPG), a força militar curda central das FDS.

Memórias do Iraque

Autoridades e ex-funcionários da inteligência dos EUA manifestaram temor afirmando que o combate ao Estado Islâmico ainda não foi concluído. Segundo o jornal Washington Post, a decisão do governo Trump fez ecoar, na visão de vários especialistas em segurança, a situação deixada no Iraque em 2011. Na ocasião, as tropas americanas saíram do país após acordo controverso com autoridades xiitas. Em 2008, os EUA celebraram uma "derrota operacional" do grupo antecessor do Estado Islâmico no território. Com a retirada das tropas americanas, os extremistas tomaram o controle de um terço do solo iraquiano em três anos.

O Washington Post pondera que o cenário na Síria é diferente, já que os EUA só têm no território dois mil soldados. Ainda assim, a saída americana do Iraque é vista como um fator importante para a insurgência extremista local.

"Embora eles estejam definitivamente enfraquecidos, (a palavra) derrota sugere uma condição irreversível ou alguma em que o EI não coloca mais uma série ameaça aos EUA. Nenhuma dessas (opções) é verdadeira", frisou ao Post o ex-diretor do Centro Antiterrorismo Nacional Nicholas Rasmussen, que deixou o cargo em 2017.

Desde o desmonte de redutos extremistas na Síria e no Iraque, a partir do ano passado, o Estado Islâmico tem concentrado suas forças em vilarejos locais e promovido menos ataques a grandes cidades. Análise do Instituto Knights, de Washington, mostra, porém, que o grupo tem priorizado alvos específicos, em recentes investidas nas áreas da província de Nineveh, da região de Mossul e nos arredores de Kirkuk.

EI ainda não foi derrotado

Preocupado com a retirada unilateral das tropas americanas, o Ministério das Relações Exteriores do Reino Unido considerou que o Estado Islâmico ainda não foi vencido na Síria.

"A coalizão internacional contra o Daesh (o EI, no acrônimo árabe) fez enormes progressos. Mas resta muito a ser feito e não podemos perder de vista a ameaça que representam. Inclusive sem território, o Daesh continua sendo uma ameaça", afirmou a chancelaria, em comunicado, horas depois do anúncio de Trump.

O Reino Unido, que participa dos bombardeios aéreos realizados pela coalizão, permanece "comprometido com a coalizão internacional e sua campanha para privar o Daesh de todo território e garantir uma derrota duradoura", diz a nota. O jornal britânico The Times afirma nesta quinta-feira que Londres não foi informado previamente da decisão de Trump.

Já a França anunciou que vai manter suas tropas, ao menos por enquanto, em solo sírio. A ministra francesa de Assuntos Europeus, Nathalie Loiseau, reconheceu no Twitter que o Estado Islâmico "está mais fraco do que nunca" após "perder mais de 90% de seu território", mas defendeu a conclusão do trabalho antijihadista.

"O Daesh não foi varrido do mapa, tampouco as suas raízes", disse a ministra francesa. "Temos que vencer militarmente e de forma definitiva os últimos bolsões desta organização terrorista".

A França também integra coalizão internacional, com caças americanos majoritariamente na Jordânia e artilharia na fronteira iraquiana com a Síria em apoio às FDS. Segundo Nathalie Loiseau, o anúncio dos Estados Unidos fez o país europe "refletir ainda mais sobre a necessidade de ter uma autonomia de decisão, uma autonomia de estratégia na Europa", já que o cenário da Síria aponta haver "prioridades diferentes" de Washington.

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