Artigo

Saudações à balzaquiana academia

Atualizada em 11/10/2022 às 12h27

“A natureza parece quase incapaz de produzir doenças que não sejam curtas. Mas a medicina encarrega-se da arte de prolongá-las.” Esta frase do autor de “Em busca do tempo perdido”, Marcel Proust - ele que era filho de um médico famoso - não parece ser um começo promissor para este texto. A fala, entretanto, reflete um período - início do século XX - em que uma pessoa de saúde extremamente frágil, como era Proust, tinha poucas opções de tratamento, menos ainda de cura. Sua morte, em 1922, foi devido ao esgotamento e uma prosaica bronquite, depois de um esforço hercúleo na produção de sua obra mais famosa, em sete volumes, que durou quase dez anos. Desde então, a medicina fez um longo caminho de descobertas e avanços que nos coloca agora na iminência de projetar humanos, ainda que existam muitos desafios a serem superados. Certamente existem mais frases otimistas e esperançosas sobre medicina nos dias de hoje, que em tempos de antanho.

Fiz essa breve digressão para ressaltar o importante papel da Academia Maranhense de Medicina - que neste ano de 2018 completou 30 anos de existência e cuja solenidade comemorativa e de posse da nova diretoria, para o biênio 2018 - 2020, ocorreu na última sexta, dia 7. Uma balzaquiana - para lembrar a célebre expressão de Honoré de Balzac, em relação àquelas que completam 30 anos - cheia de vitalidade, prenhe de sonhos.

A Academia nasceu para congregar homens e mulheres que se fizeram praticante de medicina por um chamado que, em tantos casos, nasceu mesmo com a própria consciência da identidade de cada um. Recordo a frase do saudoso ator Robin Williams que fez um personagem médico em Patch Adams - o amor é contagioso - mas que no filme Sociedade dos Poetas Mortos, no papel de professor de poesia, recita uma daquelas frases que já nascem eternas: “Medicina, lei, negócios e engenharia são ocupações nobres para manter a vida. Mas poesia, beleza, romance e amor são razões para ficar vivo.”

Nossa Academia reúne estas duas realidades: a vida profissional, acadêmica, da labuta nos hospitais, mas também oferta seu espaço para estes aspectos da beleza e estética sem os quais a vida simplesmente perde grande parte de seu sentido. Assim, ao mesmo tempo em que a tecnologia se torna real, concretizando o que há tão pouco tempo se conhecia apenas como ficção científica, também é verdade que praticar a medicina é ver e ouvir o homem/mulher em toda sua plena e total condição. Talvez o escritor de Provérbios tivesse em mente esta dimensão transcendente da existência quando disse: “Palavras agradáveis são como favo de mel: doces para a alma e medicina para o corpo.”

Ultrapassamos há muito o dilema cartesiano da res cogitans versus res extensa. Por esta razão humanizamo-nos com as palavras também que infundem ao paciente a esperança e a confiança. Espiritualizamo-nos com a beleza da vida, das entranhas tão assombrosamente desenhadas, cada coisa em seu lugar, cada qual com sua precisa função, como encantadoramente nos descreve o médico escocês Gavin Francis em seu livro “Da cabeça aos pés: histórias do corpo humano.”

Três décadas se passaram desde aqueles dias em que tudo não passava de um desejo movido por uma ideia: criar a Academia Maranhense de Medicina, que hoje congrega dezenas de colegas em todas as áreas da especialização médica. Creio que em cada um de nós se abrigam dois amores, certamente um deles é a medicina, como tão bem se expressou o médico, dramaturgo e escritor russo, Anton Tchekhov: “A medicina é minha fiel esposa e a literatura é minha amante; quando me canso de uma, passo a noite com a outra.”

Vida longa a esses amores!

Natalino Salgado Filho

Médico, doutor em Nefrologia, ex-reitor da UFMA, membro da ANM, da AML, da AMM, Sobrames e do IHGMA


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