O maior movimento popular do Maranhão

Balaiada: 180 anos do ‘grito’ por justiça social após a independência

Movimento, considerado o maior de cunho popular do estado do Maranhão, teve o seu estopim registrado no dia 13 de dezembro de 1838

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h27
Tropas federais reprimem a revolta e cercam balaios, em Caxias
Tropas federais reprimem a revolta e cercam balaios, em Caxias (Balaiada)

Considerado o maior movimento popular da história do Maranhão e que durou três anos, a Balaiada - em referência ao ofício de um dos líderes do movimento (Manuel Francisco dos Anjos) - registrava há 180 anos o estopim da crise que levou às elites a apelarem para forças do Exército para inibir os revoltosos. Em 13 de dezembro de 1838, de acordo com a historiografia oficial, o insuflador da revolta, Raimundo Gomes, lidera a busca por seu irmão, que estava preso, à época, em uma unidade de encarceramento na chamada Vila da Manga - situada onde é atualmente o município de Nina Rodrigues, distante 180 quilômetros da capital maranhense. A partir daí, grupos insatisfeitos com a classe dominante se juntam ao grupo de Gomes e, em várias cidades do estado, lideraram saques e gritos de fim ao sufocamento social representado pela classe dos conservadores.

Para os historiadores, a Balaiada foi um movimento de várias características e que foi registrado anos após a Independência do Brasil, em que o estado viveu clima de instabilidade. O movimento não somente ocorreu no Maranhão, como também em parte do Ceará e do Piauí. Basicamente, o fato foi motivado pelas condições sociais desfavoráveis da população do estado à época, que sofria com maus-tratos e outros tipos de abuso cometidos por uma estrutura governamental atrelada aos interesses dos mais abastados, em especial os cabanos (ou conservadores). “A Balaiada foi um dos movimentos de caráter eminentemente popular mais importantes do país. Trata-se de um marco para a história do estado, pela participação de setores sociais, como escravos, que estavam sufocados pela estrutura social da época”, disse o vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico (IHGM) do Maranhão e historiador, Euges Lima.

Contextualização
Antes de entender os aspectos da Balaiada, é preciso contextualizar o cenário social e econômico do país imperial. Dividido politicamente, o Brasil estava no chamado período regencial. Por isso, o Império determinou que regentes administrariam os recursos e pautariam os rumos políticos de uma sociedade prioritariamente pobre e dependente dos investimentos lusos.
Inspirados em outros territórios, pequenos grupos sociais encabeçados por líderes ideológicos começam a incentivar revoltas no estado do Maranhão. Em “Apontamento para a História da Revolução da Balaiada na Província do Maranhão”, José Ribeiro do Amaral exemplifica dois fatores que terminaram por acirrar os ânimos dos revoltosos nas terras maranhenses. Um deles era o chamado recrutamento forçado, ou seja, quando homens eram obrigados a prestar serviços para a corte.

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Esse recrutamento tinha como subsídio legal a chamada “Lei dos Prefeitos”. Instituída no Maranhão em meados da primeira metade do século XIX pelo então regente, Araújo Lima, o conjunto de regras dava poderes incalculáveis para pessoas indicadas pela regência no território maranhense, a ponto de ter o controle, por exemplo, nas esferas judicial e policial.

Ainda de acordo com documentos da época, a “Lei dos Prefeitos” autorizava os presidentes das províncias a nomearem os prefeitos dos municípios, dando proteção para que os detentores do poder indicassem para as cidades - mesmo aquelas consideradas menores e de pouca expressão - os seus “nomes de confiança”.

O estopim do movimento
É neste contexto social da regência, ou seja, de indefinição política e divisão social (com claro controle das camadas mais populares) que se deu o fato mais importante e que desencadeou todo o movimento da Balaiada. Foi neste dia que Raimundo Gomes Vieira - vulgo “Cara Preta” -, nascido no Piauí, criado no campo e considerado o homem de confiança do padre Inácio Mendes de Morais e Silva - um dos homens mais influentes da época imperial e bem quisto pela sociedade -, liderou, juntamente com outros nove homens de confiança, uma operação para retirar da prisão, localizada na Vila da Manga, seu irmão, que havia sido preso supostamente por se negar ao recrutamento promovido pela liderança imperial vigente no estado.

O fato, de acordo com os estudos de Euges Lima, aconteceu em um 13 de dezembro, há 180 anos. “Foi neste dia que Raimundo Gomes, sufocado por considerar a presença de várias injustiças sociais, que ele sabendo da prisão do irmão, liderou um levante jamais visto e que contou com o resgate deste preso querido para ele”, explicou.

O controle do movimento era tal que, no resgate, outros presos (cerca de 20, no total) que também foram soltos pelos revoltosos e até mesmo militares que faziam a “escolta” dos detentos se somaram ao grupo. No dia 18 de dezembro de 1838, segundo pesquisadores, o movimento “Balaiada”, que começou com nove homens, já havia agrupado pelo menos 100 pessoas. “Ou seja, rapidamente o movimento aglutinou forças e ganhou um caráter importante”, disse.

Mesmo com a aglutinação rápida e eficaz, por ora, as elites dominantes - os cabanos - não se incomodavam com o levante e o consideravam ser “mais um movimento”, que em seguida se dissolveria por si só. O sentimento ignorante encabeçado pelo Governo em relação ao movimento, começaria a ruir pelo contexto social do período. Estima-se que a sociedade maranhense era composta por aproximadamente 200 mil homens. Destes, quase 50%, 90 mil, eram escravos. “Você tem uma sociedade basicamente composta por pessoas que se sujeitavam aos interesses de uma minoria dominante que detinha as forças do poder e financeiras”, frisou Euges Lima.

Além de escravos, a sociedade também era formada por grande parcela de sertanejos, ligados à lavoura e à pecuária. Dos 90 mil escravos, pelo menos três mil se juntaram a Cosme Bento das Chagas, o “Negro Cosme”, um dos personagens mais marcantes da Balaiada no estado. Foi ele quem recrutou homens de grande porte e resistentes às condições adversas naturais, que, em seguida, se uniram a Raimundo Gomes.

Os bem-te-vis: acusados de estarem por trás dos revoltosos
Se as elites dominantes à época eram denominadas cabanos, o partido considerado liberal e de cunho de oposição a eles eram os chamados bem-te-vis. Vários registros históricos creditam a eles a liderança do movimento conhecido como “Balaiada”. Muitos dos defensores desta tese adjetivavam Raimundo Gomes, o “vaqueiro”, como um assassino e chefe dos bem-te-vis.

O Estado teve acesso a cópias de manuscritos que citavam a suspeita de que os bem-te-vis estavam por trás da Balaiada. Em um deles, escrito por um dos informantes do governo imperial, faz menção ao movimento como algo similar ao registrado anos antes, em 1832. De acordo com o texto, “parecerá talvez a V.Ex. que tenho dado maior importância do que devera a semelhante acontecimento, o que não duvido; mas é porque ainda tenho em fresca memória as desgraças e penosos sacrifícios que custaram à Província as desordens de Antônio João Damasceno [considerado o chefe da revolta de 1832]”.

Sabendo deste conteúdo, Raimundo Gomes e os seus protegidos – conforme cita “Memória Histórica e documentada da revolução na Província do Maranhão” de Domingos José Gonçalves de Magalhães – evadem-se do começo do movimento nos arredores da Vila da Manga e partem para outras regiões, como Chapadinha.

Incorporação do “balaio” ao movimento
As principais lideranças e a motivação do movimento tiveram caráter social. Mas um dos líderes e responsável direto pelo nome da revolta, Manuel Francisco dos Anjos Pereira, participou por razão distinta. O “balaio”, por se dedicar à fabricação do produto (cesto) em sua fazenda, teve uma motivação pessoal: de acordo com historiadores, o homem natural da localidade Pau de Estopa, em Caxias, viu suas duas filhas e esposa serem abusadas sexualmente por um oficial da força pública maranhense, ligado aos cabanos.

O autor - que não teve o nome revelado -, ao seduzir as moças, acendeu a chama da vingança no balaio Francisco dos Anjos. “Foi a partir daí que ele [Francisco dos Anjos] se encheu de coragem e, insatisfeito com o contexto da época , se juntou ao grupo. Foi neste período que a Balaiada passou a contar com suas três principais lideranças: Negro Cosme, Raimundo Gomes e Manuel Francisco dos Anjos”.

Apesar da versão, de acordo com a professora da Universidade Estadual do Maranhão (Uema) e doutora em História Elizabeth Abrantes, não há documentos que comprovem a versão. “Essa versão é aceita, porém não há comprovação oficial sobre o tema”, disse.

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