O maior movimento popular do Maranhão

Auge do movimento em Caxias e o desfecho com o duque

Levante do grupo revoltoso aconteceu no território que já foi considerado a segunda cidade mais importante do estado; após cerco, o duque de Caxias exige a rendição dos balaios

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h27

[e-s001]Foram três anos de mobilização e lutas por avanços sociais. De 1838 a 1841, a Balaiada ganhou adeptos e, apesar de desentendimentos entre as lideranças, o movimento seguiu no período agregando apoiadores e atrapalhando os interesses dos mais fortes politicamente. Em 1841, conforme relatos da história oficial, o maior levante popular do Maranhão teve o seu desfecho a partir da intervenção federal, com a ação do Exército e cerco dos grupos de protesto na cidade de Caxias.

Historiadores oficiais apontam que, em quase três anos de movimento, a Balaiada arregimentou aproximadamente 8 mil homens, entre escravos, em sua maioria, sertanejos, caboclos e outros membros de classes sociais. Neste momento, a corte começou a se preocupar com a repercussão do protesto, que a cada dia reunia novos apoiadores.

Em julho de 1839, conforme citado por Maria Januária Vilela em “A Balaiada e a Insurreição de Escravos no Maranhão”, houve a maior tensão do movimento. De acordo com a historiadora, este foi o período em que grupos rebeldes surgiram por várias regiões e mantinham sob seu poder cidades como Brejo, Miritiua, Itapicuru (Itapecuru), Pastos Bons, Passagem Franca e Caxias. Em documentos governamentais - como no ofício do então presidente do Maranhão, Manuel Felizardo de Sousa e Melo -, é possível mensurar a passagem das forças de oposição.

Segundo o gestor, “...más em certa emboscada acommetterão huma escolta de 40 praças de linha que exaurido o
cartaxume teve de retirar-se com a perda de 2 mortos e 10 feridos”. Neste momento do movimento, as tropas de rebeldes buscavam confundir as forças governamentais, escondendo-se nas matas e, na medida do possível, tentando se dividir em pequenos grupos.

LEIA TAMBÉM:

Balaiada: 180 anos do ‘grito’ por justiça social após a independência


Conforme relata Benedito Buzar, “após terríveis refregas” - que expressaram certa incompetência dos governantes na debelação da insurreição -, o governo imperial nomeia o coronel Luiz Alves de Lima e Silva como presidente da Província e comandante das Armas no Maranhão. De acordo com a historiografia oficial, ele assumiu os cargos em fevereiro de 1840 e começa a traçar estratégias para sufocar os “amotinados” e preparar os planos para cumprir a missão à qual foi designado, ou seja, “restaurar a paz e a tranquilidade na província”.

Assim que assumiu as novas funções, Lima e Silva dividiu as tropas em três grupos: um deles foi para Caxias e Pastos Bons, o segundo para Vargem Grande e Brejo e o terceiro grupo estabeleceu missão em Icatu. “O Luiz Alves [de Lima e Silva] não somente estabeleceu a força na sua presença no Maranhão. Ele também buscou entender a realidade local e a partir daí montou estratégias de aproximação das lideranças do movimento da Balaiada para, em seguida, poder atacar”, disse Euges Lima.

Após o cerco, o duque de Caxias, ao perceber que os balaios estavam praticamente sem forças, exige-lhes a rendição. Desta maneira, conforme relata Buzar, os balaios seriam beneficiados com a anistia concedida pelo imperador Dom Pedro II. Alguns documentos informam que cerca de 7 mil homens foram recrutados para conter os revoltosos.

Ainda conforme Buzar no artigo, o único que não se entregou foi Negro Cosme, por sua origem escravocrata e étnica de “nunca se esquivar diante das dificuldades”. Ele fugiu. No entanto, semanas depois foi encontrado nos arredores da cidade maranhense de Itapecuru, onde foi preso (acusado de crimes comuns e não políticos) e condenado à morte. “Ou seja, o movimento [Balaiada] somente termina com a prisão de Negro Cosme. Em contrapartida, ele [Negro Cosme], em vez de ser julgado como preso político e ter a possibilidade de receber a anistia, é condenado por crime comum”, descreve a historiadora Elizabeth Abrantes.

[e-s001]Desfecho da Balaiada
Com o fim do movimento, fez-se a tranquilidade social objetivada pelo governo imperial. As insatisfações sociais permaneceram, porém com um controle ainda maior do poder público para evitar novas revoltas. Segundo Buzar, com o fim da Balaiada, o coronel Luiz Alves de Lima e Silva, antes de novamente passar o governo do Maranhão para o seu sucessor, retorna à vila de Itapecuru-Mirim para cumprir uma promessa. O fato é relatado por Domingos José Gonçalves de Magalhães, em “Memória história e documentada da Revolução da Província do Maranhão”.

De acordo com o exemplar, “no dia 2 de abril de 1841, em que reza a igreja pelas seis dores da Mãe do Redentor, fomos à vila de Itapecuru, e ali lançou ele a primeira pedra da igreja matriz de Nossa Senhora das Dores, e fez-se a solenidade segundo o ritual romano”. Pelo ‘trabalho” bem-sucedido na terra maranhense, Luiz Alves - ao retornar ao Rio de Janeiro (RJ) - foi promovido a general em 18 de julho de 1841. Na mesma data, foi conferido a ele o título de “Barão de Caxias”. Ele retornou à cidade onde ocorreu a rendição dos balaios. Anos mais tarde, após a Guerra do Paraguai, recebe o título de “Duque”.

PRINCIPAIS PERSONAGENS DA BALAIADA

[e-s001]Raimundo Gomes
Vulgo “Cara Preta” - Nascido no Piauí, criado no campo e considerado o homem de confiança do padre Inácio Mendes de Morais e Silva (um dos homens mais influentes da época imperial e benquisto pela sociedade), liderou (juntamente com outros nove homens de confiança) uma operação para retirar da prisão localizada na Vila da Manga o seu irmão, que havia sido preso supostamente por se negar ao recrutamento promovido pela liderança imperial vigente no estado. Durante a organização do movimento, Gomes conseguiu apoio da Guarda Nacional (unidade militar local composta de cidadãos comuns, isto é, soldados não profissionais) e das autoridades locais, todos descontentes com o governo da província. De acordo com a historiografia oficial, Raimundo Gomes foi preso e, em seguida, encaminhado para São Paulo. Ele morreu durante a viagem, em circunstâncias até hoje não esclarecidas.

[e-s001]Cosme Bento das Chagas
Nascido em Sobral (CE) no início do século XIX (em ano não-confirmado), Cosme Bento das Chagas faleceu no dia 20 de setembro de 1842. Em 1830, já alforriado, foi preso em São Luís, no Maranhão, por ter assassinado Francisco Raimundo Ribeiro. Fugiu da prisão e, após um período, torna-se líder de quilombos e passa a ser conhecido em 1839.
Cosme Bento lidera um grupo de aproximadamente 3 mil homens que fogem de seus antigos locais de sobrevivência e onde eram mantidos como escravos. Entre idas e vindas, o grupo de Negro Cosme consegue fugir das tropas de Luís Alves de Lima e Silva. A partir do início do segundo semestre de 1840, o grupo liderado por Negro Cosme é um dos poucos no estado que não é capturado pelo Exército enviado pelas forças federais.
Segundo a história oficial, Negro Cosme é preso e seu processo, aberto em março de 1841, arrastando-se por mais de um ano. Somente em 5 de abril de 1842 houve o seu julgamento. Negro Cosme foi condenado à forca por liderar no Maranhão uma das mais temidas insurreições do povo negro já ocorridas no Brasil.

[e-s001]Manuel Francisco dos Anjos Ferreira
Nasceu em meados de 1784, na localidade de Pau de Estopa, Maranhão, e morreu em dia e mês incertos do ano de 1840, na localidade de Caxias. Foi um dos líderes e responsável direto pelo nome da revolta. Teve uma razão distinta para se juntar aos homens de Negro Cosme e Raimundo Gomes. O “balaio”, por se dedicar à fabricação do produto (cesto) em sua fazenda, teve uma motivação pessoal: de acordo com historiadores, ele viu suas duas filhas e esposa serem abusadas sexualmente por um oficial da força pública maranhense e ligado aos cabanos.

O papel de João Lisboa, o Timon Maranhense, no movimento

Foi a partir da divulgação feita pelo “Timon Maranhense”, João Lisboa - integrante do grupo bem-te-vi e um dos profissionais de imprensa mais respeitados do século XIX da sociedade maranhense -, que a Balaiada ganha repercussão e começa a preocupar os detentores do poder. Responsável pela “Crônica Maranhense”, veículo importante de grande visibilidade no período imperial, João Lisboa defendia os princípios da liberdade e os interesses populares. Ele foi injustamente acusado de participação direta na Balaiada. “Ele apenas foi responsável pela divulgação, mas não foi para a linha de frente, ou seja, não participou dos confrontos diretamente”, disse Euges Lima. De acordo com Antônio Henriques Leal, o jornal liderado por Lisboa era considerado de combate, espaço preferencial para as divulgações de pautas contrárias ao poder vigente, como a Balaiada. Segundo a Academia Brasileira de Letras (ABL), da qual João Lisboa é membro e patrono da Cadeira nº 18, o veículo de Lisboa deixou de circular em dezembro de 1840, durante a Balaiada. Em uma das edições, o também deputado expressou sua indignação com o contexto social da regência. Segundo ele, “...nós somos os primeiros a reconhecer que nunca, em época alguma da nossa história constitucional, se viu tanta corrupção e tanta indignidade. Honra seja feita aos que atualmente empunham o cetro de dominação” (João Lisboa). Além de Lisboa, outros intelectuais citados por Benedito Buzar, presidente da Academia Maranhense de Letras (AML), em artigo divulgado por O Estado, em agosto de 2012 e intitulado “24º BC, Balaiada e Itapecuru”, foram importantes para a Balaiada, como José Cândido de Moraes e Silva e Estevão Rafael de Carvalho. Este último, representante da categoria “bem-te-vi”, foi fundamental para a difusão dos valores liberais que estavam despontando à época e pautaram ações de revolta contra o governo.

Principais fatos da Balaiada
13 de dezembro de 1838 – Retirada da prisão do irmão do “Cara Preta”, Raimundo Gomes
18 de dezembro de 1838 – Grupo que iniciará o motim da Balaiada conta com 100 homens;
Início de 1839 – Incorporam-se ao grupo organizador de Raimundo Gomes pouco mais de 3 mil homens liderados por Negro Cosme e Manuel Francisco dos Anjos
Julho de 1839 – Maior tensão do movimento, quando grupos rebeldes mantinham sob seu poder as cidades de Brejo, Miritiua, Itapicuru (Itapecuru), Pastos Bons, Passagem Franca e Caxias;
1839 – Intelectuais como João Francisco Lisboa e Estevão Rafael de Carvalho registram textos favoráveis aos “balaios”
Dezembro de 1840 – Deixa de circular “A Crônica Maranhense”, um dos jornais de defesa dos bem-te-vis e dos “balaios”.
1841 - Com farto armamento e um grupo de 8 mil homens, Lima e Silva derrota os revoltosos

Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais Twitter, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.