Destaque cultural

Arte moderna em murais de Antônio Almeida: do auge e ao ostracismo

Além do gigantesco mural no prédio do antigo BEM, restos de sua arte e alguns rabiscos ainda existentes em imóveis públicos e particulares; o trabalho e o talento de um dos nomes mais importantes para a arte no estado do Maranhão

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h27

[e-s001]Entre murais perdidos e rabiscos ainda existentes em prédios públicos e particulares, é possível ver o trabalho e o talento de um dos nomes mais importantes para a arte no estado do Maranhão. Nascido em Barra do Corda em 27 de maio de 1922, Antônio Alves Almeida - praticamente um autodidata - era desses homens que, se fosse europeu, seria conhecido em todo o mundo. Com trabalhos reconhecidamente únicos, Almeida - cuja morte completará 10 anos no próximo mês de janeiro - é o destaque no trabalho de elaboração de murais na capital. Outros nomes como Rosilan Garrido, Airton Marinho e Edson Mondego também não podem ser esquecidos.

Com inspiração em nomes como Cézanne, Van Gogh e Matisse, Almeida - filho de um casal de agricultores e que estudou somente até o segundo ano primário - é o responsável por murais que, até hoje, podem ser vistos. O principal deles está em uma das laterais do antigo prédio do Banco do Estado do Maranhão (BEM), na esquina da Rua do Egito com a Rua dos Afogados. Outros trabalhos são o obelisco visto, sem as cores originais, ao lado do antigo terminal rodoviário da cidade, no bairro Alemanha, além dos rabiscos ao lado da concessionária de uma importante empresa alemã, fabricante de veículos pesados (também no bairro Alemanha) e dos três painéis encomendados por O Estado e que foram preservados na parte interna da empresa.

[e-s001]O melhor no “sentido essencial”
Um dos painéis mais belos de Antônio Almeida e que, por insistência da própria arte, ainda está parcialmente preservado é o “Trabalho, Crença e Festa”, na lateral do antigo BEM. Trata-se do auge do talento de Almeida, como ele mesmo descreveu em artigo de janeiro de 1986, sobre o trabalho, ao qual O Estado teve acesso. Para o artista, “o visual leve e dinâmico do mural foi o melhor no sentido do essencial, ou seja, sóbrio no colorido e no assunto”.

Ocupando uma área de aproximadamente 340 metros quadrados, configura-se em uma fachada de azulejos com predominância da figuração humana e presença de ornamentos em rosáceas remanescentes da paisagem colonial ludovicense. Também é possível ver elementos da economia pastoril - expressa pela figura do vaqueiro com cuidados às suas crias - e extrativa, com a representação da figura da quebradeira de coco que, ao mesmo tempo, é mãe e amamentadora.

Não poderia faltar ainda a figura do chamado boia-fria - representado pela figura de um homem que satisfaz a sua sede na fonte de uma cabaça, enquanto a mulher amamenta. Em artigo, Almeida cita que o mural faz parte da representação dos costumes da sua querida São Luís, cidade que aprendeu a amar ao longo dos anos. “No plano da cultura e dos costumes, podemos vê-lo como expressão de desenvolvimento a partir do primado dos começos, por isto, o vemos nascer de uma semente que um jovem semeia no chão da terra. Esta semente germinará maranhensamente”, escreveu.

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Como surgiu o painel do BEM
Foi em janeiro de 1986 que o governador do Maranhão, Luiz Rocha, decidiu promover um concurso para a elaboração de um painel que marcaria um dos prédios administrativos mais representativos do Poder Executivo, ou seja, o prédio do Banco do Estado. O julgamento dos trabalhos foi realizado em 27 de janeiro de 1986, tendo como comissão julgadora o então secretário de Cultura do Estado do Maranhão, Jomar Moraes, o jornalista José Chagas, o artista plástico Manoel Maia Ramos e o arquiteto Cléo Furtado.

Antônio Almeida, homem discreto, de hábitos simples e atento aos detalhes, decidiu deixar a timidez de lado e apresentou o projeto para a concepção do mural. Em fevereiro do mesmo ano, ele recebeu o prêmio das mãos do então presidente do BEM, Baltazar de Miranda, e teve o trabalho encaminhado para uma empresa da cidade de São Paulo que produziu - a partir do decalque de Almeida - os azulejos que formam o mural até hoje. Um dos rabiscos do mural do BEM está fixado na residência da família, em São Luís.

O detalhe do mural que mais orgulhava Almeida talvez fosse a representação de si na figura do “romeiro de muletas”. A figura é uma verdadeira crença renovada do artista. “Sim, porque em tempo de fé, a nossa mesma é para São José de Ribamar. Em plenitude de fé, de promessas e de premissas marinhas, mostra-se pagando a promessa de cura milagrosa com a oferenda do ex-voto de suas muletas, enquanto exibe, na sua - (nossa) religiosidade a medalha-efígie do nosso santo”, descreveu Almeida.

[e-s001]O homem do peão de Almeida, o aeroporto e o logo da Caema
Na estrutura que atualmente é usada pelo Grupo de Dança Afro Malungos (GDAM) - projeto do Criança Esperança - ainda sobrevive um dos murais mais famosos de Almeida na cidade de São Luís. Ele fez representações de hábitos simples, como a jovem que pula corda, as crianças que pulam amarelinha e o garoto que joga peão sozinho.
O painel compõe o anfiteatro ocupado pelo GDAM e fixado na parte interna do Parque do Bom Menino, região Central de São Luís. Uma das partes do mural está descaracterizada e sem o reforço original das cores. Jovens que por ali passam diariamente não sabem do que se trata o mural. “Eu não sei quem desenhou isso”, disse Lucas Silva, de 7 anos, que jogava bola bem ao lado dos desenhos de Almeida em uma das tardes nubladas ludovicenses.

Outro mural famoso de Almeida está no antigo prédio do aeroporto Hugo da Cunha Machado, em São Luís. A representação serviu para valorizar os visitantes e mostrar as belezas da nossa Ilha. Mas a figura que talvez seja o clímax da inspiração de Almeida foi o logotipo antigo da Companhia de Saneamento Ambiental (CAema). A figura foi inspirada em um sapo e resgata uma das histórias mais marcantes da infância e adolescência de Almeida. “Meu pai jantava com sua família quando um sapo caiu em seu prato. Inicialmente, ele se assustou, mas a mãe dele disse que sapo era vida e significava pureza das coisas. Meu pai nunca se esqueceu disso e buscou a inspiração para representar o sapo e gotas d´água para ganhar o concurso da Caema”, disse Holândia Almeida.

Devido a um câncer, Antônio Almeida faleceu no dia 2 de janeiro de 2009 aos 86 anos, deixando 10 filhos e um grande trabalho para contemplação de todos. Ele faleceu sem saber, ainda, onde foi parar o tal monumento de ferro fixado nos arreadores da avenida dos Portugueses, na entrada do Bacanga e, retirado durante a então gestão do governador Cafeteira, caiu no esquecimento.

[e-s001]Passagem de Jesus por São Luís
Como fonte de inspiração, Antônio Almeida foi mestre para que “pupilos” dele pudessem desenvolver trabalhos semelhantes pela cidade. Um deles é o artista Airton Marinho, cujo orgulho é representado pelo trabalho de representação das principais passagens bíblicas de Jesus Cristo, chamado de “A Saga do Homem”, cuja entrega foi feita em março de 1999. Ao lado de “A Saga do Homem”, há o trabalho de Edson Mondego.

Nas cenas bíblicas, há o batismo de Jesus nas águas da Fonte do Ribeirão. Ou ainda o Sermão da Montanha por trechos do Centro Histórico. O nascimento de Jesus foi retratado embaixo da ponte do São Francisco, em São Luís. Todas estas figuras, confeccionadas há pouco mais de uma década, estão – ou deveriam ser vistas – no Viva do Anjo da Guarda. As representações estão até lá, porém, pichadas e sem qualquer cuidado com a preservação. O descaso com a arte de Marinho foi publicado por O Estado em sua edição do dia 1º de novembro de 2017.

A O Estado, o artista relembrou o período de confecção do mural. “Tivemos que produzir cada ladrilho. Um a um e depois juntá-los como um quebra-cabeça. Foi sofrido, mas valeu a pena”, disse. Ele ressaltou ainda a técnica usada no trabalho, com tinta fixada em azulejos, que dá mais firmeza à composição. “Atualmente, a turma mais jovem usa apenas tintas para grafitagem. É uma arte bonita, com ótimo valor, mas a técnica dá menos resistência à composição”, afirmou.

SAIBA MAIS

O obelisco e os rabiscos da concessionária
Quem passa na Avenida dos Franceses, ao lado da Quarto Centenário, já teve a oportunidade de ver uma espécie de obelisco ao lado do que já foi o antigo terminal rodoviário de São Luís e que atualmente abriga um posto de combustíveis. Os desenhos encontrados nesta estrutura são também de Antônio Almeida e representam costumes como o bumba-boi e o homem do campo.

A família de Almeida lamenta a falta de zelo com o trabalho do artista. A O Estado, a filha de Almeida, Holândia Almeida, disse que várias tentativas foram feitas para a valorização do trabalho do pai. Enquanto isso, resta a ela - que ainda vive na casa de Almeida, um sobrado simples no bairro Monte Castelo demarcado por um lindo girassol na parede do terraço produzido ainda por Almeida - folhear os antigos registros de um dos grandes nomes da arte moderna e que dominava técnicas de pintura, escultura, xilogravura e outras. “Meu pai serviu de inspiração para outros artistas. Uma pena que seu trabalho esteja escondido e que os jovens não tenham a exata noção de quem foi Antônio Almeida para a sociedade”, disse.

Os rabiscos ao lado da antiga concessionária são nada mais do que lembranças distantes. Do painel colorido e registrado, com orgulho, pelo próprio Almeida, resta atualmente apenas parte do muro com registros de um dos veículos produzidos pela marca alemã. Outras partes do mural foram simplesmente retiradas sem qualquer cuidado com a preservação da história

A arte moderna dos murais de Antônio Almeida: auge e ostracismo

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