Direito

Portaria que restringe rituais afro é revogada pelo Governo

Pais e filhos de santo e demais seguidores das religiões afros demonstram insatisfação e alegaram estarem sendo marginalizados com a interferência do governo em seus cultos

Esaú Clêmer /Especial para O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h28

Foi revogada na manhã desta sexta-feira, 26, a Portaria de Nº 620/2018 - GAB/SSPMA, ratificada em 6 de setembro deste ano pela Secretaria de Estado da Segurança Pública (SSP) que regulamenta o dispositivo constitucional, permitindo o exercício de cultos de matrizes africanas no Maranhão, desde que não contrariem a ordem pública e os bons costumes. A portaria foi ratificada e divulgada no Diário Oficial, no mês de setembro deste ano, pelo Governo do Maranhão, e só foi revogada a pedido da Federação de Umbanda e Cultos Afro-Brasileiros do estado, após o atentado contra um terreiro de umbanda, ocorrido no início de setembro, no bairro Sá Viana. Outro ponto considerado pela federação é a violação de suas liberdades religiosas com a execução da portaria.

A revogação foi feita pelo secretário de Segurança Pública do Maranhão, Jefferson Portela, outrora também aprovada por ele. O secretário frisou que as normas já existiam desde a gestão do ex-governador do estado, Epitácio Cafeteria, e que foram readaptadas para dar mais proteção aos templos e aos seus frequentadores: “Quando assumimos o governo, não reeditamos essa portaria. Ela não viola a prática religiosa. Contudo, estamos aqui para fazer a vontade de uma sociedade, não de uma gestão”, frisou Portela. Antes da revogação, o secretário acreditava que houvesse a necessidade de uma atualização, não de uma modificação, pois “questões como a do horário dos cultos das referidas religiões abrange um entendimento sobre o convívio social, já que o tambor gera barulhos na madrugada e pode incomodar outras pessoas, principalmente as que vão contra o credo”.

Na reunião, estiveram presentes representantes de vários agrupamentos religiosos como o Candomblé, Jeje-nagô, Mina, Terecó e Pajelança, além de membros de secretarias do Governo do Estado. Segundo a federação, há atualmente em São Luís cerca de quatro mil casas de cultos afros.

Paulo de Aruanda, 49 anos, representante do Fórum de Homens de Axé, reforça que a portaria os constrange, discrimina e os marginaliza, quando os aponta como causadores da poluição ao meio ambiente. “Quem bem conhece nossas práticas, sabe que somos defensores da natureza. Qualquer tipo de lei que possa ser feita no âmbito religioso só faz sentido se for para defender o direito à liberdade de credo”, pontuou.

A portaria em questão, leva a ordem de que cultos realizados em praias e margens de rios, não poderão ocasionar qualquer dificuldade ou incômodo aos banhistas e poluição dos locais. Nas florestas e demais formas de vegetação, deverá ser preservado o meio ambiente, sendo vedado o emprego de produtos ou dispositivos suscetíveis de provocar incêndios, respeitando ainda o direito de propriedade.

Mãe Nonata, 54 anos, e representante do Fórum de Mulheres de Axé, lembra que eles não necessitam de uma portaria que decida a forma e horário para realizar seus cultos. “Seria desrespeitoso o Governo do Estado permitir a continuação de uma portaria que fere a uma comunidade religiosa que tanto o apoiou nessa última campanha, ou seja, essa revogação é o mínimo a ser feito”, relatou, após a confirmação da revogação.

Na reunião, o secretário de Igualdade Racial, Gerson Pinheiro, anunciou a construção de uma delegacia voltada ao combate a essas minorias, principalmente no cunho religioso. “Teremos um efetivo policial preparado educacionalmente para tratar com essa comunidade. Não queremos ver cenas de pais ou mães de terreiros sendo confundidos com traficantes, por terem um pé de maconha no fundo do seu quintal, sendo o mesmo usado apenas para as práticas religiosas”, afirmou.

No fim da reunião, Jefferson Portela sugeriu a elaboração de um instrumento que vise melhorias aos grupos religiosos de matrizes africanas. “Nossa assessoria jurídica fica à disposição, para a execução desse plano, ou não. Não é necessário terem pressa e muito menos é obrigatório, fiquem à vontade. Em caso de qualquer conflito, procurem sempre nossa comunidade de segurança pública”, finalizou.

O QUE DIZ A PORTARIA

As restrições atingem as práticas de cultos religiosos de matrizes africanas e principalmente umbandísticos cujos rituais ocorrem em logradouros públicos, florestas e demais formas de vegetação, praias, rios, etc. O texto da portaria faz referência à necessidade de garantir e disciplinar os rituais típicos das religiões de matriz africana e estabelecer critérios para a sua realização em todo o estado.
De acordo com as normas, estão liberados os rituais em cemitérios, encruzilhadas, praias, margens de rios e florestas. Mas todos terão que cumprir algumas condições. Nas encruzilhadas, não deverão provocar interrupção ou obstrução do tráfego de veículos ou causar dificuldades de acesso aos pedestres. Nos cemitérios, estarão sujeitos à autorização prévia da administração desses locais e/ou da prefeitura local.
Em relação à queima de fogos de artifício, esta ficará sujeita a horário, considerando a comodidade e segurança dos moradores das imediações e o toque de tambor somente seria permitido até as 2h da madrugada, desde que não perturbe o sossego público. A portaria previa, ainda, que o controle dos rituais será feito pela Federação de Umbanda e Cultos Afro-Brasileiros.

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