A história da velha cidade

Os monumentos que ninguém vê e os retirados sem explicação

Peças históricas que estão espalhadas em pontos conhecidos e de grande fluxo de pessoas, em São Luís, são precariamente conhecidas; outras não receberam o cuidado na preservação e acabaram se perdendo ou sendo retiradas

Thiago Bastos / O Estado

- Atualizada em 11/10/2022 às 12h28

[e-s001]Em um simples passeio por pontos conhecidos da Ilha de São Luís, como o Centro Histórico e a Praia Grande, é possível ter contato com a rica história de uma cidade marcada por lendas, mistérios e influência dos colonizadores. Mas a memória ludovicense não é apenas representada por casarões ou acervos de peças de museus, igrejas ou descobertas arqueológicas. Em vários locais, há um legado deixado por ex-gestores e, principalmente, por artistas e representantes de grupos religiosos que são pouco explorados. O Estado percorreu ruas e avenidas e se deparou com monumentos fixados - em sua maioria - há três décadas e ainda são objetos desconhecidos da grande maioria das pessoas. Outros, como o popular “Roque Santeiro” e a “sereia da Ponta d’Areia”, não resistiram à falta de preocupação das autoridades com a história e foram destruídas.

Todas as peças - as que ainda são vistas na cidade ou as retiradas - carregam um legado de quem as moldou. Em São Luís, os monumentos identificados registram influência direta da corrente italiana de artistas. Um deles, Luigi Dovera, foi responsável pela maior parte dessas construções, que, apesar de suas importâncias, sofrem com o desleixo e, principalmente, a ausência de políticas públicas de conservação. Outras peças - como a alusiva ao pastor da Igreja Evangélica Brasileira Miguel Ferreira, vista na rotatória que dá acesso às Cajazeiras - foram feitas sob preocupação religiosa.

Um dos que causa maior curiosidade é o monumento intitulado “Pirâmide de Beckman”, em referência a Manuel Beckman, um dos líderes da famosa Revolta de Beckman (1684), encabeçada, de acordo com a versão oficial mais aceita, contra os abusos do governo português em relação à taxação produtiva da época. Instalada na Praça 15 de Novembro, ao lado da atual sede da Superintendência de Homicídios (ex-Delegacia da Mulher), na Beira-Mar, a pirâmide é considerada por historiadores, como o vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão (IHGM), Euges Lima, a mais antiga do acervo urbano. Segundo ele, a base desse monumento foi apoiada em um pedestal do antigo pelourinho, de 1815.

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Para corroborar o argumento, Euges Lima se baseou em referências bibliográficas, como “O Cativeiro” (1841), de Dunshee de Abranches. Segundo o historiador, na obra, é divulgado o desenho de um pelourinho que, para Euges, seria o mesmo usado na base que compõe a Pirâmide de Beckman (1910). O fato foi comprovado em 2014 e no exemplar “O Cativeiro” é possível ver uma foto do que seria o pelourinho. “Trata-se de uma descoberta ímpar e que, sem dúvida, contribuiu para se saber que aquele monumento, na verdade, é a junção de dois e de uma importância extrema para a história da cidade”, afirmou.

Sobre a pirâmide, acadêmicos como o professor de História das Artes da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e membro do IHGM, José Marcelo Espírito Santo, afirmam que há registros de que, após a Proclamação da República - ou seja, após 1889 -, a gestão municipal decidiu recolher a pedra considerada a base do pelourinho, que teria servido de apoio para a pirâmide. Foi então que o governador do Estado, Luís Domingues, em 1910, teria determinado a construção de uma estrutura em homenagem a Beckman. “Daí, iniciaram a construção da pirâmide”, disse.

Para Espírito Santo, os registros da Pirâmide de Beckman são vistos na bibliografia de Antônio Soares - um dos fundadores do IHGM - e serviram de base para a reedição elaborada por Jomar Moraes do “Dicionário Histórico e Geográfico da Província do Maranhão”, de César Augusto Marques. Ele contesta a tese de que o monumento teria sido o primeiro da cidade. Para ele, a Pedra da Memória - em São Luís -, nos arredores do Palácio dos Leões, é anterior à pirâmide.
Espírito Santo também aponta em seu inventário, em fase final de produção, a relação entre a comunidade e os monumentos. “Em São Luís, há uma relação em alguns casos muito forte entre a população e os monumentos históricos. Outros foram retirados por motivos que extrapolaram as razões da relação entre o povo e estas esculturas”, disse.

Composição
Feita de cimento e com base de mármore, a Pirâmide de Beckman sofreu vários danos em sua estrutura, desde a sua colocação. Registros de 1979 apontam que, nas laterais do monumento, era possível ver placas fixadas com dizeres em referência ao herói da revolta colonial maranhense. “Pelo povo do Maranhão, eu morro contente”, “A Manuel Beckman” e “Aqui foi enforcado o Bequimão” são alguns dos dizeres que constavam no monumento. Atualmente, não há nenhuma placa que faça menção a Beckman, no local.

[e-s001]O Trabalhador
Segundo pesquisas feitas por O Estado e com base em depoimentos de historiadores, outros monumentos ainda vistos na cidade e outros retirados fizeram parte de um projeto de reorganização urbana da capital, liderada pelo então prefeito Mauro Fecury. Com uma política que incluiu a construção de praças e novos logradouros, Fecury também fez questão de oferecer novos elementos visuais a uma cidade que, na visão dele, carecia de elementos que fizessem menção à sua própria história.

Para isso, o então prefeito contratou o desenhista, teólogo, filósofo e escultor italiano Luigi Dovera, que fez nascer parte de acervo de monumentos, como o “Trabalhador Urbano”, ainda visto na Praça do Trabalhador - ao lado do terminal da Fonte do Bispo. A figura - uma homenagem às pessoas que conduziam o desenvolvimento da cidade - foi feita de mistura de cimento e ferro e colocada em meados da década de 1980.

Atualmente, a construção está deteriorada e necessitando de reparos urgentes. De acordo com pessoas que transitam no local diariamente, o monumento corre o risco de desabar. “Isso aqui pode causar uma tragédia, se nada for feito o quanto antes”, disse Reinaldo de Jesus, taxista e que trabalha na área. No monumento, não há nenhuma placa que faça referência ao nome.

Outra peça, que é vista por cidadãos e pouco conhecida, é a estátua do maranhense e fundador da Igreja Evangélica Brasileira (IEB) Miguel Ferreira, na rotatória que dá acesso às Cajazeiras. Em bom estado de conservação e feita de bronze, material considerado resistente, a estrutura foi encomendada e fixada por integrantes da própria igreja do homenageado. A estátua não faz parte do plano de reorganização urbanística do ex-prefeito Mauro Fecury.

O milagre de Guaxenbuba
Quem passa diariamente pela Avenida Jerônimo de Albuquerque, na entrada do bairro Vinhais, nem sempre percebe a presença do monumento que simboliza o “Milagre de Guaxenduba”. Trata-se de uma passagem que retrata a aparição de Nossa Senhora da Vitória no campo da batalha travada por portugueses e franceses, em 1615. De acordo com a versão - aceita especialmente pela comunidade católica -, a santa teria aparecido no meio da batalha para socorrer os portugueses, em minoria e com munição escassa.

Ao transformar areia em pólvora, Nossa Senhora teria revertido a lógica do conflito, até então mais favorável para os franceses. Sob as orientações de Jerônimo de Albuquerque, os portugueses expulsaram os franceses das terras ludovicenses.

Séculos mais tarde, Luigi Dovera - ao receber ordens do poder público vigente - decidiu produzir uma peça especificamente sobre a passagem histórica. Retratando Jerônimo de Albuquerque e a Nossa Senhora ao lado de um canhão de batalha, o artista montou a peça fixada na rotatória da via do mesmo nome do herói português.

A passagem de tempo e a ausência de manutenção fizeram com que o monumento também sofresse, com os sinais de desgaste. As peças - fixadas sob uma estrutura de pedra - estão danificadas e as mãos da santa não se encontram mais fixadas ao corpo da homenageada.

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