O italiano e suas obras

Do Palácio ao Castelo: o legado de Luigi Dovera e seus monumentos

Ex-frade italiano desembarcou no Maranhão desejando fugir dos horrores da 2ª Guerra Mundial; grande parte do seu trabalho está espalhada na capital

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h28

[e-s001]Dos horrores da Segunda Guerra Mundial (e em consequência dos ideais fascistas de Mussolini) ao Maranhão. Esta foi a trajetória de vida do italiano, natural da região de Milano, Luigi Dovera. Ex-frade italiano, Dovera casou-se com uma maranhense desejando fugir dos horrores de sua terra natal. Aqui, estabeleceu-se com o trabalho de escultor, e grande parte de sua obra pode ser vista por ruas e avenidas de São Luís.

A história de vida começa nos monges. Com formação também em teologia, Dovera parte para a vida cristã. De lá, adquire boa parte dos ideais de vida dele. No fim da década de 1940, decide vir para o Brasil, onde se estabelece inicialmente em uma fazenda no Piauí. Lá, inicia sua atividade como escultor, produzindo peças para representantes das classes mais abastadas.

No país, casa-se com Maria Olga Duarte Dovera, jovem de Grajaú, no Maranhão, que Dovera conheceu durante sua vida no Nordeste brasileiro. Antes do casório, Dovera precisou de uma autorização papal. “Meu pai teve de ter uma procuração para se casar. Foi uma luta e tanto”, disse Francisco Ítalo Duarte Dovera, um dos seis filhos de Dovera com Olga.


LEIA TAMBÉM

Os monumentos que ninguém vê e os retirados sem explicação


Na década de 1960, segundo os familiares, Dovera recebe convite do então governador do Estado, José Sarney, para liderar o projeto de restauração do Palácio dos Leões. De acordo com Francisco Dovera, o convite foi feito em 1966, que seria o primeiro ano da gestão de Sarney, “Ele [Luigi Dovera] também foi responsável pela restauração do Teatro Arthur Azevedo e cuidou da ornamentação dessa obra palaciana”, afirmou.

Após estas obras, Dovera permaneceu estabelecendo raízes em várias cidades do interior do Maranhão, como Barra do Corda, onde participou da construção de igrejas e outras obras. No início da década de 1980, a convite do então prefeito de São Luís, Mauro Fecury, Luigi Dovera construiu uma série de monumentos até hoje presentes na cidade ou na memória dos ludovicenses. Entre os destaques, estão a estátua de Manuel Beckman, o popular “Roque Santeiro”, a “Sereia da Ponta d’Areia”, o monumento alusivo a Jerônimo de Albuquerque e outros.

Castelo para Gabriela
Luigi Dovera, além de apaixonado pelo que fazia, também tinha a família dele como prioridade. Um dia, decidiu atender a um desejo da única filha dele, Gabriela, e construiu para ela um castelo, até hoje visto no Araçagi, no ponto final dos ônibus da linha para o bairro. O imóvel chama a atenção pela suntuosidade e precisão nos detalhes, desde os jardins, passando pelos monumentos internos (como Netuno) até as torres.

Na entrada do castelo, é possível ver os dizeres “Castello Dovera”, alusivos à família. “Para o meu pai, foi um orgulho fazer esta construção. Até hoje, os filhos são apaixonados por ela”, disse Francisco Dovera, filho de Luigi.

Família Dovera em São Luís
Atualmente, os parentes de Luigi Dovera vivem na Cidade Operária. Francisco Ítalo Dovera mantém há 15 anos um estabelecimento que revende pipas para todo o país. Outros filhos seguiram carreiras como o comércio e advocacia. O neto de Luigi Dovera, Ítalo Dovera, também cita a história de vida do avô com orgulho. “Saber que a história do meu avô ainda está espalhada pela cidade, para mim, me emociona e chama a atenção”, afirmou.

[e-s001]São Luís Rei de França e o Pescador

Uma das primeiras visões da cidade de São Luís de quem chega por via terrestre é o monumento a Luís Rei da França, fixado na intersecção entre as avenidas dos Franceses e Guajajaras. A peça, com aproximadamente 15 metros de altura, faz referência a uma das lideranças do período de descoberta da cidade. Não há placas ou avisos que façam referência ao monumento, que também fez parte do projeto de readequação urbana da cidade da década de 1980.

[e-s001]Outro monumento, construído há mais de três décadas, é o que simboliza a função do pescador, situado na Praça do Pescador, em frente ao Mercado do Portinho (ao lado do Mercado do Peixe). A obra, também feita na gestão Mauro Fecury, foi entregue no dia 30 de julho de 1983, com solenidade e muita festa. Apesar do tempo em que permanece no local, a peça está em bom estado de conservação e retrata a função do pescador. De acordo com historiadores, o objetivo foi ressaltar a importância de um dos personagens mais importantes para a economia local.

Outros monumentos

O anjo de Dovera
No Anjo da Guarda, na entrada do conjunto, há atualmente a réplica do que já foi a escultura alusiva ao nome do bairro. Feito originalmente por Luigi Dovera, a estrutura esteve ausente do local por vários anos e foi posta novamente na entrada do bairro há alguns meses. Antes da atual versão, era comum ver a população se referir ao anjo como “o anjo de três pernas”, já que as asas do monumento eram próximos aos seus pés, o que passava a impressão de que tinha uma perna a mais.

Os monumentos destruídos e sem paradeiro
Historiadores em geral apontam, em geral, a capital maranhense caracterizada por não preservar seus monumentos. A tese é corroborada quando se listam algumas destas estruturas, que, por vários motivos, não estão presentes em seus locais de origem. Dois deles – o antigo “Roque Santeiro” e a “Sereia da Ponta d’Areia” - são lembrados até hoje. Outros elaborados no início do século XX também marcaram época na sociedade ludovicense. O monumento do “Roque Santeiro”, como era conhecido popularmente, retratava Manuel Beckman e estava fixado na avenida Jerônimo de Albuquerque, em uma rotatória que dava acesso ao bairro do Bequimão. Devido à reorganização urbana do trecho, em 19 de janeiro de 2004, a Prefeitura de São Luís decidiu retirar o monumento do local, o que trouxe – na avaliação de autoridades – benefícios para a malha viária do trecho. Em contrapartida, o monumento não contou com a sensibilidade dos gestores públicos. Fontes ouvidas por O Estado confirmaram que o “Roque Santeiro” foi destruído durante a retirada. Questionada acerca da origem dos restos da escultura, a Prefeitura não se manifestou. Ela era tão popular na região que estabelecimentos comerciais até hoje adotaram o nome “Roque Santeiro” para suas denominações jurídicas. “Era um monumento pintado com as cores do Brasil durante a Copa”, lembrou José Marcelo Espírito Santo.

[e-s001]Outro monumento popular em meados da década de 80 era a “Sereia da Ponta d’Areia”. Registros apontam a presença dela na praia de mesmo nome. Não há uma versão oficial para a instalação deste monumento na praia. No entanto, alguns historiadores apontam que era uma referência à lenda da sereia. Durante projeto de readequação dos bares no entorno da praia da Ponta d’Areia, a “Sereia” foi destruída. Até o momento, não há informações sobre os restos da escultura. Em 1912 – conforme cita Joaquim Vieira da Luz em “Dunshee de Abranches e outras figuras” -, foi colocada pela então gestão municipal (em referência ao tricentenário de fundação da capital) um monumento piramidal na entrada do atual Palácio La Ravardière – sede da Prefeitura de São Luís. Nos anos seguintes, a estrutura foi retirada. Cinquenta anos depois, em 1962, uma réplica da estrutura de 1912 foi colocada no mesmo lugar. Anos mais tarde, desapareceu sem deixar registros.

Pouco conhecido é o monumento a “Estela de Sotero dos Reis”. A estrutura, também citada por Vieira da Luz, desapareceu, assim como a “Águia Pousante”, em frente à sede da Capitania dos Portos do Maranhão.

Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais Twitter, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.