Literatura

A poemática de Daniel Blume sob o ponto de vista de advogado e escritor

Fernando Braga analisa duas obras do poeta maranhense

Fernando Braga

Atualizada em 11/10/2022 às 12h28
Obras do poeta Daniel Blume analisadas
Obras do poeta Daniel Blume analisadas (Obras de Daniel Blume)

I – Penal.

Num espaço de poucos dias me chegaram às mãos ‘Penal’ e ‘Reposta ao terno’, dois livros de Daniel Blume, vindos de São Luís do Maranhão, minha terra e dele, aonde o poeta é procurador do Estado, de cujo labor jurídico remanejou para seu intimismo poético, as nuances práticas e imagísticas, a nos revelar, como se num tríptico, a misteriosa ciência plena e pânica do conde de Beccaria.

Há de entender-se que “seca até a pena, /os olhos não./ Molhados percebem / que pena apenas pune”.

O poeta, em seus quefazeres trabalha com o uso da pena, como um amplo substantivo, a usá-la, ainda, na mesma classe gramatical como sinônimo de castigo, comiseração, condenação, lástima, etc., e até às vezes, como advérbio, se é que a pena vale a pena; já no direito, Blume se vê às voltas com o ‘Penal’, que tanto pode ser instrumentos substantivo ou adjetivo, a depender da sua finalidade, se reguladora ou se aplicativa da pena... E por aí o poeta segue a penar, apenando uns e apiedando-se d’outros.

Os poemas deste livro são curtos, como se fossem ‘hai-kais’, mas extensos pelo foco semântico que irradiam, a guardarem em seus núcleos uma força explosiva muito forte como esse “que se viva /sem mera união /em consciente unidade”, ou ainda “que se abra / no tórax / a porta do criador”.

Há quem diga lá pelas páginas tantas, que “Daniel é poeta que provoca o sossego das palavras e sai com elas com o olhar alimentado pelo espaço em que transita [...] como desassossegar palavras é dado a quem vive a espreitar o mundo tendo como lente a poesia, Daniel provoca aqui o signo ’Penal’ ao mesmo tempo em que é provocado por ele...” E quem assim o diz, com todos os símbolos eugênicos que dispõe, nada mais é que Sônia Almeida, poetisa, escritora, professora da Universidade Federal do Maranhão, membro da Academia Maranhense de Letras ... e mãe do poeta!

Enquanto isso, Blume transmuda-se para a ‘Infância’ e “de lá, o menino partiu, partiu-se. / De onde, a cada dia, afasta-se./ Cada dor, luta transpor. / Mas Ônix é uma pedra na gaveta”.

E o poeta como se visse o rosto em frente a um espelho trincado por uma bordoada ocasional, na carroceria daquele caminhão de mudança, do qual dos fala André Breton, em que transportavam em certa madrugada anônimos rostos que em coros cantavam e sofriam a poesia, abstrai-nos em dizendo que “Ágora agora, diz e esconde, revela e cala. / Frio divã coletivo da diva. / A vida via internet: / a proximidade distante./ Da curiosidade instigada / à palavra corrida, / intriga-se com a própria língua”.

E o mais prudente, como paráfrase e sugestão, é de que o poeta desfaça-se do nó da gravata mais uma vez, na incessante busca de soltar também o da garganta, através da poesia...

II – ‘Resposta ao terno’

“[...] O advogado veste-se de um terno olhar sobre a vida, suas memórias e as pessoas que fazem parte delas”, e passa a responder ao terno [não ao terno da ternura aos verdes campos, mas ao terno em si, como conjunto de calças, colete e paletó].

Na profissão, Blume tem procuração de ofício do Estado para exercê-la, mas como poeta “o procurador [aquele que procura alguma coisa] de terno [aqui o facto feito de lustro] é este poeta que vive a dor de procurar o terno [o aprazível].”

Bem haja, diriam meus amigos de Portugal, a saber, que o poeta está lá a cumprir atividades como aluno ‘bolseiro’ de mestrado em Direito, na Universidade Autônoma de Lisboa, e com esses méritos, pois, seria de bom siso imprimir a esse seu questionamento com o terno [lê-se fatiota], a evocar aqui excertos de um poema antigo, mas de um recorte extremamente moderno, chamado ‘Algibebe’ [o que significa vendedor de roupas de tecido barato], do poeta português [de Ílhavo], romancista, médico e gravador Celestino Gomes, como se dissesse a Daniel Blume:

“[...] pobre terno sem pessoa, / o que ele queria / era braços / a encher-lhe as mangas vazias/ armadas só a enchumaços / que mo vestissem de gente, / de espasmos e de agonias / ser eu apenas diferente / de mim de todos os dias...”

para concluir, em seguida

“mas veio o minuto exato, / e o facto feito de luto, / gasto a lustro e desbarato, / cansou-se de devoluto, / cabido de guarda-fato... / Afagos que afogam sangas, / quantos abraços perdidos, / por braços que eram só mangas, / meus braços, cinco sentidos!”

Alvíssaras são de que a ‘Poesia’ de Daniel Blume produzida entre 2014 e 2018, receberá o ‘Prêmio Talentos Helvéticos’, no dia 30 de abril de 2019, em Genebra, na Suíça, oportunidade em que será lançado o seu ‘Resposta ao Terno’ em italiano e francês, cujos eventos, o poeta, num gesto de gratidão dedicou-os à sua mãe, professora Sonia Almeida. Se Deus agracia-me de estar em Portugal nessa data, irei abraçá-lo nalgum ‘bistrot’ de Genebra.

Diante disso, só me resta clamar loas a esse belo poeta, a essa notável figura humana, autor ainda do livro de poemas ‘Inicial’ e de ‘Natureza Jurídica das Decisões dos Tribunais de Contas’, membro da Academia Ludovicense de Letras, onde ocupa a cadeira nº 15 patroneada pelo iluminado Raimundo Corrêa, de quem, talvez, tenha herdado, por atavismo anímico, o condão mágico de tão bem trabalhar as letras jurídicas e literárias.

É este o poeta Daniel Blume que com terno ou sem terno, com nó na gravata ou sem nó na garganta, é sempre terno...

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*Advogado e escritor.

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