Artigo

Sombra e água fresca

Atualizada em 11/10/2022 às 12h28

Por algum tempo, trabalhei numa empresa multinacional inglesa com fábrica em Sao Paulo e as minhas idas frequentes à sede da companhia me fizeram ver que não seria lá o lugar escolhido para criar meus filhos. Em que pese toda a oferta de espetáculos de teatro, casas de shows, bons restaurantes e vida cultural ativa, eu não teria tempo, e muito menos grana, para usufruir o lado bom da metrópole. Só caberia a mim a outra banda: o trânsito caótico, as longas distâncias a serem percorridas diariamente, o elevado custo de vida e o stress da cidade grande.

Nos encontros promovidos pela empresa, sonhávamos, todos, em poder morar num lugar mais tranquilo e, quase sempre, a expectativa era de trabalhar, ganhar dinheiro suficiente para poder usufruir no futuro dos prazeres da pesca à beira de um rio tranquilo ou mesmo curtindo as delícias de morar em alguma praia isolada do Nordeste.

Por vezes, retornava à minha tera natal, para passar alguns dias de férias em casa dos meus pais e podia observar que aquele sonho idealizado por mim e pelos meus amigos era diariamente exercitado pelos humildes pescadores de Pinheiro. Deitados em uma rede, contemplando aquele mar de água doce, recoberto por um tapete de flores amarelas, aguardavam, entre um gole e outro de pinga ou de uma “loura” bem gelada, os peixes – no período da piracema – errarem o pulo e caírem dentro de uma meaçaba instalada ao lado das bocas da comporta da barragem da Justina. A fartura era tanto, que eles pescavam até descansando! Trabalhar duro para quê? Filosofavam alguns.

Conheci algumas pessoas que “largaram tudo” para trabalhar e morar em frente ao mar. No começo, empreendiam uma pequena pousada, um restaurante charmoso com uma comida refinada à base de frutos do mar frescos, verduras orgânicas e tratamento diferenciado voltado para o cliente. Depois de um certo tempo, começava a falar mais alto a necessidade de ampliar o negócio, ganhar escala de produção, contratar mais gente, surgiam os entraves com o abastecimento dos insumos, não havia como garantir aqueles produtos frescos e, é lógico, a satisfação dos clientes.

Aqueles que estão de férias ou apenas de passagem pensam que essas pessoas realizaram aquele sonho que você sempre teve...

Recentemente, pude desfrutar alguns dias de folga em uma praia paradisíaca, localizada em um pequeno recorte do litoral norte de Alagoas, chamado Porto de Pedras. Busquei uma pequena pousada, chamada Xuê, de apenas seis quartos, porém dotada de um charme sem igual. À primeira vista você é tomado por uma sensação de aconchego. À sua frente, uma praia de areias brancas com um mar de águas cálidas e cristalinas, onde as cores verde esmeralda e azul turqueza se fundem entre as espumas brancas formadas pelo choque das ondas com a barreira de corais em alto mar. Pelo caminho de areia entrecortado dentro daquele tapete verde da grama bem aparada, chega o proprietário e chefe de cozinha Guido, italiano, todo tatuado, a nos receber com sua simpatia e gestual típico dos nossos irmãos latinos.

Cozinha esplêndida, cardápio à base de frutos do mar. Muito frescos e cuidadosamente preparados! Davam a impressão que acabaram de ser retirados do mar. Dei a ele os meus cumprimentos pela excelente cozinha e comentamos que estar a beira mar já era uma garantia de nunca faltar o pescado fresco à mesa.

- Ledo engano, amigo! O grande problema aqui é garantir, dia a dia, os frutos do mar à mesa.

- Mas como assim? Indaguei com ar de espanto.

- Eu também pensava assim. Disse-me ele, gesticulando e falando com as mãos. − Cheguei a reclamar com meu fornecedor! O mar está aí em sua frente! É só sair, pescar e retornar! Ao que ele me perguntou:

- O Senhor tem dinheiro no Banco?

- Claro! Respondi de pronto.

- E o senhor vai todo dia ao Banco pegar seu dinheiro?...

É! Faz sentido! É a cabeça que faz toda a diferença.

José Jorge Leite Soares

Ex-deputado estadual, membro da Academia Pinheirense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão

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