Tradições e lendas

Cemitérios: palco de revoltas e inspiração para escritores

Há quem não goste de passar perto de um cemitério, por medo de assombrações; outros se inspiram nesses espaços para a promoção de obras e de passeios públicos, concorridos

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h28

[e-s001]Algumas pessoas têm medo. Outras nutrem tanta admiração que usam esses espaços como fonte de inspiração para a confecção de obras e eventos culturais. Os cemitérios conseguem, ao mesmo tempo, extrair sentimentos de admiração e medo em quem possui algum tipo de relação com eles. São locais que registram histórias difíceis de acreditar, mas que caem no imaginário popular.

Uma das lendas urbanas, que muita gente acredita, é contada por Fernando Rodrigues, músico e filho de Leôncio Rodrigues, ex-servidor público e ex-administrador do Cemitério do Gavião. Ele conta, com carinho, da história da chamada “Caveira de estimação”. “Nos primeiros dias em que meu pai deu expediente aqui no Gavião, lá pela década de 1950, ele, que era muito organizado, chamou o seu braço direito [Seu Januário] e pediu para serem recolhidas algumas caveiras de uma sala. No fim da arrumação, faltou uma. Irritado pela não-retirada da caveira, meu pai deu um chute nela e foi embora. Ao chegar em casa, sentiu o corpo febril e sonhou com a pessoa em vida, que seria agora a caveira morta. No outro dia, meu pai não pensou duas vezes: pegou a caveira e levou para casa”, disse.

O músico também lembra de outra história, “com certo fundo de verdade”, contada pelo pai nos tempos de administrador do Gavião. “Ele [Leôncio], querendo pegar os vigias à noite dormindo, veio na calada, armado. Ao chegar aqui, pegou um tremendo susto com o gato que miou para ele. O medo foi tão grande que ele só parou de correr no Socorrão I, sem um dos sapatos no pé”, disse, aos risos.

Fonte de inspiração
Os pesquisadores Antônio Noberto e Ramssés de Souza, encantados com as histórias reais e “nebulosas” dos cemitérios, decidiram se juntar e lançar uma obra que falará do tema. O exemplar, ainda sem nome definido, deverá estar disponível ao público em meados de dezembro deste ano. “Fui buscar inspiração nos grandes cemitérios espalhados pelo mundo. Percorri vários deles e, em parceria com o Ramssés, decidi aperfeiçoar alguns escritos meus, acerca do tema, e lançar em forma de livro”, disse Antônio Noberto a O Estado.

[e-s001]Ramssés de Souza enfatizou a importância dos cemitérios para a organização urbana da cidade, ao longo dos séculos. “Além de serem berços de histórias, os cemitérios também serviram para a implantação de culturas que, até então, não existiam na cidade como a preocupação com a imunização das diferentes faixas etárias populacionais. Participar desta obra é também mostrar um lado da cidade que pouca gente conhece”, disse .

CEMITERADA

Na primeira metade do século XIX, houve um movimento popular registrado na Bahia que por pouco não ditou as normas de higiene e instalação de cemitérios em todo o Brasil. Foi a “cemiterada”, evento insuflado por camadas populares que não aceitavam as mudanças nas regras de enterros inspiradas em cuidados com a saúde e que afastaram certas tradições religiosas, como a de guardar corpos ao lado e/ou no interior de igrejas. O alvo das reclamações era o então
recém-inaugurado Cemitério Campo Santo, em Salvador, na Bahia. Segundo João José Reis, em “A Morte é uma Festa”, a população estava revoltada com as mudanças implantadas pela administração privada do cemitério. Em 25 de outubro de 1836, com gritos de “Morra, cemitério!”, um grupo de aproximadamente três mil pessoas, entre homens e mulheres dos mais variados tipos sociais, se aglomeraram em frente ao cemitério. Eles estavam, de acordo com relato registrado no Jornal do Commercio da época, que “todos se dirigiram ao cemitério com machados, alavancas e outros ferros”.
Houve uma destruição quase completa da estrutura do Campo Santo. Segundo pedreiros da época, portões e janelas, além de muros, foram derrubados. Dentre as pessoas ilustres que testemunharam o fato estavam Antônio José Alves, pai do poeta Castro Alves. Alguns historiadores acreditam que a “Cemiterada” foi organizada por padres e sacristãos, que convenceram o povo a organizar o evento.

SAIBA MAIS

Por ser o mais antigo em funcionamento da cidade, o Cemitério do Gavião carrega tradições e recebeu enterros de pessoas consideradas ilustres. Bandeira Tribuzi (um dos fundadores do jornal O Estado do Maranhão), Maria Aragão, Coxinho, Sousândrade e Aluísio Azevedo estão entre eles. Outros que ocuparam grandes cargos no estado também estão enterrados no Gavião, como Manoel Lopes da Cunha e João Gualberto Torreão da Cunha. Ambos foram governadores do Maranhão no fim do século XIX e início do século XX. Há ainda o registro do comerciante e membro da maçonaria do Maranhão, Luís Manoel Fernandes. O Estado teve acesso ao acervo fotográfico da família e comprovou que, ao longo dos anos, o jazigo em que o comerciante está enterrado sofreu poucas alterações. O médico sanitarista do século XIX, Almir Parga Nina – fundamental para a implantação de políticas públicas de saúde na cidade, ao lado de nomes como Aquiles Lisboa e Silva Maia –, também está enterrado no Gavião.

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