MOSCOU - O governo da Rússia reiterou ontem que considera os militares israelenses culpados pela derrubada de um avião de reconhecimento russo pela defesa antiaérea síria, na semana passada, e afirmou que o incidente prejudicará as relações russo-israelenses. Na última sexta-feira, 21, o governo de Israel havia afirmado que conseguira provar sua inocência no incidente, ocorrido na terça-feira,18, da semana passada.
"A destruição do avião causou a morte de 15 dos nossos soldados. Segundo as informações de nossos especialistas militares, houve atos premeditados dos pilotos israelenses, algo que só pode prejudicar nossas relações [com Israel]", disse o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, confirmando a avaliação inicial do Ministério da Defesa russo, de que um jato israelense usou a cobertura do avião russo para atacar alvos iranianos na Síria.
Em reação ao incidente, o Ministério da Defesa russo anunciou que vai reforçar a defesa antiaérea síria com baterias S-300 e bloqueará as comunicações no Mediterrâneo entre os aviões que bombardeiem a Síria.
O ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, informou que os militares sírios já foram treinados para usar esse sistema de defesa, que originalmente iria ser enviado à Síria em 2013. Segundo ele, a entrega havia sido suspensa a pedido de Israel. "No entanto, a situação mudou nos últimos dias", frisou Shoigu.
Nas regiões costeiras da Síria no Mediterrâneo, acrescentou ele, "a navegação por satélite, os radares de bordo e os sistemas de comunicação de aviões militares que estejam atacando alvos em território sírio serão bloqueados".
Para o Kremlin, a aeronave russa foi usada como "escudo" contra os mísseis sírios no incidente. "Estamos convencidos de que nossas medidas vão esfriar o ardor de alguns e impedirão ações irrefletidas que são uma ameaça para nossos soldados", avisou Shoigu.
Apesar das implicações diretas das palavras de Shoigu, o porta-voz do Kremlin disse que a decisão russa sobre os S-300 "não estava dirigida a nenhum terceiro país". "A Rússia precisa aumentar a segurança de suas forças e isso deve estar claro para todo mundo", afirmou.
No momento, há sistemas antiaéreos S-300 implantados em torno da base naval russa de Tartus, no território sírio. Há sistemas ainda mais modernos (S-400) na base aérea russa de Khmeimim, no Oeste da Síria. Nos dois casos, os sistemas são operados pelos russos, e não pelos sírios.
Putin avisou Assad
Shoigu, em pronunciamento na TV russa, disse que o presidente Vladimir Putin ordenou o reforço, o que foi confirmado por um comunicado da Presidência de Bashar al-Assad, na Síria. "O presidente Putin responsabilizou Israel pela queda do avião e informou ao presidente Assad que a Rússia vai aperfeiçoar os sistemas antiaéreos sírios", disse o comunicado.
O Kremlin informou ainda que Putin falou por telefone com o premier israelense Benjamin Netanyahu sobre a decisão de reforçar as defesas sírias, e lhe disse que a Rússia rechaçou a versão israelense para a derrubada da aeronave. Putin afirmou ainda a Netanyahu que a medida visa a proteger os militares russos atuando na região.
Netanyahu, por sua vez, advertiu Putin contra a entrega de armas sofisticadas à Síria, dizendo que isso aumentaria os riscos na região, e enfatizou a culpa do Exército sírio na queda do avião de reconhecimento. O primeiro-ministro israelense reiterou ao presidente russo sua confiança nas conclusões da investigação sobre o incidente e reiterou que a responsabilidade por abater a aeronave foi dos militares sírios.
Nos Estados Unidos, o secretário de Segurança John Bolton afirmou que os planos russos representariam uma "escalada significativa" por parte de Moscou e disse esperar que o país reconsidere.
O avião de reconhecimento russo, um Il-20, foi abatido no dia 18 de setembro por baterias antiaéreas sírias, num incidente de fogo amigo, pois a Síria é aliada da Rússia. O Ministério da Defesa russo afirmou então ter responsabilizado Israel pela queda da aeronave porque, na hora do incidente, jatos militares israelenses F-16 estavam fazendo ataques sobre alvos iranianos na Síria, e só haviam alertado Moscou um minuto antes da operação. Isso teria deixado o avião de reconhecimento com 15 tripulantes sob fogo cruzado.
"Nós adotamos as medidas de resposta adequadas para reforçar a segurança das tropas russas na Síria", afirmou Shoigu. "A Força Aérea síria receberá em duas semanas os modernos sistemas S-300, capazes de interceptar aparelhos a uma distância de mais de 250 quilômetros. Eles podem atacar ao mesmo tempo vários alvos no ar".
Acordo rompido
Até o incidente da semana passada, havia um acordo não escrito entre russos e israelenses sobre a atuação na Síria. Segundo esse acordo, Israel poderia continuar fazendo incursões de espionagem e atingindo alvos de seus inimigos na Síria, incluindo contingentes iranianos e do Hezbollah libanês, mas não poderia pôr os militares russos em risco nem atingi-los.
Para Amos Yadlin, ex-chefe da Inteligência militar israelense e diretor do Instituto de Estudos de Segurança Nacional da Universidade de Tel Aviv, a acusação de que Israel contribuiu para a queda do avião não passa de "fake news" e quer "dissipar pressões diplomáticas, botando uma cortina de fumaça sobre a responsabilidade russa e síria na queda da aeronave".
"Dar o S-300 a operadores amadores sírios aumenta o risco para a própria Força Aérea russa, para Israel, para a coalizão dos EUA e para a aviação civil", diz Yadlin. "Israel vem se preparando para essa ameaça há 20 anos e saberá como lidar com ela".
Já para Alexander Khramchikhin, do Instituto de Análise Política e Militar em Moscou, os novos sistemas antiaéreos podem "afetar seriamente" a capacidade israelense de fazer ataques na região. E Dmitri Trenin, do Centro Carnegie em Moscou, a presença dos S-300 vai tornar Israel "mais cuidadoso quando estiver perto de forças russas".
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