Especial ruas de São Luís

Rua do Passeio: lembranças e história de uma via importante

Via, que ligava o antigo bairro dos Remédios à Madre Deus, é berço de curiosidades; acesso recebeu os conhecidos bondes, teve cemitérios e registrou um dos crimes mais emblemáticos da década de 1910, na capital maranhense

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h28

[e-s001]Uma via que, acima de tudo, seria o último “passeio” a caminho da morada eterna (com menção ao Cemitério do Gavião). A Rua do Passeio – ou Rodrigues Fernandes (nome que faz referência ao político e médico José Rodrigues Fernandes, considerado um grande humanista maranhense) - é, acima de tudo, espaço de histórias que marcaram a cidade em diferentes épocas. Berço de clube de futebol e endereço de cemitério, o acesso também sediou carnavais inesquecíveis, viu nascer um dos blocos mais antigos da cidade (Fuzileiros da Fuzarca), registrou a presença de cinemas, de um dos crimes mais brutais da capital maranhense e atualmente é o retrato de uma região central ludovicense que tenta se repaginar e voltar a ser referência.

O nascedouro da Rua do Passeio se deu no fim do século XVIII, quando a via ligava o bairro dos Remédios (nos arredores da atual Igreja dos Remédios, em frente à Praça Gonçalves Dias) à Madre Deus. Com pouco mais de dois quilômetros de extensão, a rua tem início oficial na esquina das ruas Rio Branco e da Paz e limite final nos muros do cemitério do Gavião (no Largo do Cemitério), o mais antigo em funcionamento da cidade. Ao longo do tempo, sofreu diversas intervenções que modificaram a sua configuração e recebeu melhorias na pavimentação e na drenagem, como os serviços do então prefeito Antônio Bayma, em 1935, de acordo com “Breve História das Ruas e Praças de São Luís”, de Domingos Vieira Filho.

LEIA TAMBÉM

Lar do sossego e reduto de gerações inteiras de famílias

Se em meados do século XVIII era conhecida por ligar Remédios à Madre Divina, a partir do século XX a rua passou a receber importantes nomes da sociedade local nos imóveis situados por lá até os dias de hoje, como o cônsul da Dinamarca, Martinus Hoyer (que morava na residência de número 24) – conforme cita Antônio Guimarães em “Becos & Telhados” – e Amaranto Bessa. Este último, de acordo com Guimarães, foi servidor do Estado, trabalhou por vários anos como tesoureiro e doou, em seguida, o imóvel na Rua do Passeio para a União Maranhense dos Estudantes Secundaristas (Umes), entidade que usou a moradia para receber alunos de ensino médio, vindos do interior. Foi denominada de Casa do Estudante e, após anos de uso, foi desativada.

O campo do Luso Brasileiro
A Rua do Passeio também viu nascer clubes que marcaram a sociedade no início do século XX. Um deles foi o Sport Club Luso Brasileiro – fundado em 24 de fevereiro de 1917, pelo comerciante de origem portuguesa Edgar Filgueiras, conforme cita “Esporte, um mergulho no tempo”, de Dejard Martins (1989). Tratava-se de um clube que, além do futebol, também tinha representatividade em outros esportes, como o críquete. Tinha como rival o Fabril Athletic Club, de Nhozinho Santos.

Com as cores azul e branca – em referência ao Futebol Clube do Porto (time do coração de Edgar Filgueiras) –, o Luso era o time mais temido à época do então recém-implantado futebol maranhense (esporte ligado às elites no começo). O campo do Luso era na Quinta do Monteiro, na Rua do Passeio, onde se encontram atualmente vários imóveis, dentre eles a sede do Senac. “Era um campo que fica próximo ao da Fabril, que já existia e ligado a Nhozinho Santos”, afirmou o pesquisador Ramssés de Souza Silva.

Um dos jogos mais inesquecíveis realizados no campo do Luso foi quando o mandante recebeu um então iniciante no esporte, um certo Sampaio Corrêa (time que nasceu em 1923 a partir da iniciativa de parte da população menos privilegiada socialmente). O jogo, de acordo com Ramssés, aconteceu em 1925 e terminou – para a surpresa da população – um a zero para o time boliviano. “Como o Luso era o time da aristocracia, não se esperava este resultado. Ou seja, a Rua do Passeio teve um campo que sediou uma das grandes surpresas históricas do futebol maranhense”, afirmou Ramssés.

De acordo com Domingos Vieira Filho, em “Breve História das Ruas e Praças de São Luís”, o campo – após ficar em desuso – teve parte de “sua área utilizada na construção de bangalôs e parte transformada em horta e pomar para serventia do hospital”, em referência ao Hospital Português.

Cemitério da Câmara
Quem passa pela rua não imagina que ali, em determinada esquina, já funcionou um cemitério. De acordo com pesquisa feita por Ramssés de Souza, o cemitério era conhecido como o da Câmara Municipal e funcionava – em meados da primeira metade do século XIX – onde hoje existe o Palacete Gentil Braga.

Segundo Ramssés de Souza, o cemitério era ligado ao Legislativo Municipal até 1840, quando a responsabilidade do local passou a ser da Irmandade da Misericórdia, ligada à Santa Casa de Misericórdia. “Era um dos cemitérios mais antigos da cidade”, disse. Referência a este cemitério também é feita por outros autores, como Antônio Guimarães. Ele referenda também o cemitério, que recebeu os corpos de aproximadamente 40 mil pessoas na área atualmente ocupada pelo Hospital Djalma Marques, o Socorrão I (cuja estrutura física também faz parte da Rua do Passeio).

O caso Bazano: crime brutal que chocou a sociedade da época

[e-s001]Um caso emblemático e que chocou a sociedade maranhense aconteceu em estabelecimento situado na Rua do Passeio. O crime ficou conhecido como o “caso Bazano”, em referência ao sobrenome de um dos criminosos, e foi motivado de acordo com os investigadores da época do crime (datado de 1919) por dívidas. O Estado teve acesso à reportagem intitulada “O monstruoso crime de 10 de novembro”, com relatos minuciosos do acontecido.

De acordo com a matéria, havia na Rua do Passeio um estabelecimento comercial chamado Café São José (que ficava na esquina da Rua do Passeio com a Rua Grande). O empreendimento era de Thomaz de Aquino Silva, um português benquisto na sociedade à época. Entre bons e maus clientes, havia um espanhol (Henrique Gomez, de 22 anos) e dois argentinos. Um era Antônio Lugo, de 23 anos, e o outro, Antônio Bazano, de 24 anos. Segundo pesquisas, o trio trabalhava em uma das primeiras oficinas mecânicas montadas na cidade, usadas para dar assistência à recente malha de veículos trazida inicialmente por Nhozinho Santos.

O trio, ainda de acordo com historiadores, era assíduo frequentador do Café São José e se caracterizava por ser péssimo pagador das dívidas, o que causou a ira de Thomaz de Aquino Silva. Ele começou a cobrar os estrangeiros, que se recusavam a pagar as contas acumuladas no estabelecimento.

Após provocações e ameaças de lado a lado, Bazano e seus colegas foram até a cafeteria para matar Thomaz, que, especificamente neste dia, não havia ido ao trabalho por um problema de saúde. No local e no lugar de Thomaz estavam José Diniz e Silva (irmão de Thomaz) de 23 anos, e Jorge Ribeiro, um jovem de apenas 12 anos de idade, cuidando da loja.

Ao chegarem ao local, o trio procurou por Thomaz. Sem resposta, Bazano em especial desferiu inicialmente várias facadas no irmão do dono do café. Em seguida, ma­tou o garoto de 12 anos com 14 facadas. Ao saírem, levaram um “revólver e um pedaço de queijo”, além de 22 mil réis.

O crime, pela brutalidade, causou enorme comoção. Tanto que o carro que conduziu os corpos das vítimas para o cemitério foi seguido por uma multidão, que acompanhou o cortejo pelas ruas da Paz e do Norte. Os três responsáveis pelo crime foram presos. Bazano, o mais conhecido deles, recebeu progressão de pena anos mais tarde e, após cumprir o tempo de reclusão, viveu no Maranhão até o fim da vida. Não há informações acerca do fim da vida de Antônio Lugo e Henrique Gomez.

Rua do Passeio: lembranças e história de uma via importante

Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais Twitter, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.