Memórias douradas de Viana

Livro de Luiz Alexandre Raposo traz crônicas de uma vida no município da Baixada Maranhense

Ramiro Azevedo*/Especial para o Alternativo

Atualizada em 11/10/2022 às 12h28
Detalhe da capa do livro Anos Dourados em Viana
Detalhe da capa do livro Anos Dourados em Viana (livro viana)

SÃO LUÍS- A literatura ou a paraliteratura memorialista sempre tem (bem) conhecido seu público. De fato, evocar, lembrar, reviver, recordar etc. são verbos de profunda ênfase na psique humana. Dolorosos e/ou felizes, os fatos de nossa(s) vida(s) sempre vêm à tona.

É comum na ficção o escritor dar um mergulho no seu eu, no seu coulisse vivencial. Este é o caso do livro de Luiz Alexandre Raposo (Anos dourados em Viana. São Luís; Gráfica e Editora Sete Cores, 2018, 162p.). Em artigos e crônicas, o autor evoca eventos, locais, pessoas, costumes, fauna etc. de sua querida Viana, município situado na Baixada Maranhense.

A literatura memorialista é antiga. A voo de pássaro relembremos Marco Aurélio nas “Meditações”; Alphonse Daudet em “Lettres de mon Moulin”; Henry David Thoreau com “Walden”; Joaquim Nabuco com “Minha Formação”; Monteiro Lobato em “As Curvas do Tempo”, entre outros.

Nas obras retrocitadas avulta o tempo, o chronos heleno-latino, que se traduz pela resistência ao esquecimento, pois reviver é voltar ao eu, como sede do desvelar das emoções já passadas. Neste particular Luiz Alexandre Raposo confere uma poética aos seus textos.

Anos dourados em Viana já diz bem da cataforese titular num significante suntuoso: são anos (365 dias cada um) de emoções; são de ouro (metal preciosíssimo). Confere-se ao trabalho um valor extraordinário. O torrão natal é o berço de ouro da pertença (no caso aqui evocado).

O fluxo do desvelamento da prosa de Luiz Alexandre Raposo combina com objetividade, coesão, coerência e rapidez discursiva. O leitor é colocado imediatamente no mundo interiorano vianense, assistindo ao desfilar de personalidades (o promotor de Justiça José Pereira Gomes, a educadora Edith Nair Furtado Silva, a teatróloga Anica Ramos, a médica italiana Teresa Boria, o pároco da cidade Eider Furtado Silva, a presidente do escotismo local, Laura Mohana, as religiosas canadenses Pratt, Dallaire, Filiatrault e Labarre...) enfim, um desfilar notável para a sensibilidade heracliana de Luiz Alexandre Raposo.

Situada na autobiografia (afinal o autor se situa numa posição privilegiada para narrar o passado vivenciado em sua cidade natal), a memória jornalística e/ou literária se pauta nas próprias impressões discursivas do escritor. Seu ethos fá-lo desfilar a própria vida como um narrador flagrantemente presente ou um narrador em off. Enfim, Luiz Alexandre Raposo soube como ocupar seus espaços biográficos. E o fez, sem apelar para um evocar piegas e sentimental dessorado.

O trabalho articulador da memória é impar, pois sendo flutuante e líquida a memória impõe a lembrança plural. Essa lembrança plural o autor desvela em termos de:

Não poderia falar dos anos 60 em Viana sem me reportar ao teatro de Anica Ramos... (p. 55)

Até hoje minha irmã Conceição costuma se referir ao Sacoã como a Paquetá vianense... (p.54)

Desembarquei em Viana, no final daquela tarde de 21 de junho de 1970, consciente de que vivenciava um momento histórico... (p. 20)

Essa tradição vinha de muito longe. De acordo com o depoimento de Ibrahim Mohana (89 anos), as verônicas de sua época tinham que possuir uma extensão de voz... (p. 78).

Um detalhe do trabalho são as fotografias, por sinal precisas e objetivas. Instantâneos de desfiles estudantis, da praia do Sacoã, de Dom Hamleto de Angelis, da seleção vianense de futebol, do educador Antônio Lopes, das freiras canadenses, da lancha Estrela do Mar, da casa azulejada da Praça Duque de Caxias, de Josefina Cordeiro, do tamanduá-mirim e outras mais.

Como um gênero ímpar, o memorialismo parece decorrer da ânsia de imortalidade. Confrontando memória e historiografia, Luiz Alexandre Raposo exercita o sinfronismo tão perseguido pelos escritores. O leitor deve ser sensibilizado.

Alegra-nos constatar que vivemos um louvável renascimento intelectual maranhense em termos literários e científicos. Aqui realçam as teses de mestrados e doutorados dos pesquisadores ligados às nossas Universidades, além de romances, novelas, livro de poemas e outros mais.

Uma prova inconteste desse renascimento é o trabalho de Luiz Alexandre Raposo – um retrato lúcido e sentimental de um torrão brasileiro.


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