Processo

UE vai punir Hungria por atentar contra a democracia

Por 448 votos a favor e 197 contra, Parlamento aprova moção contra o país; governo pode perder direito de voto no bloco

Atualizada em 11/10/2022 às 12h29

ESTRASBURGO - Em meio ao avanço eleitoral da extrema direita nos países da União Europeia, o Parlamento Europeu decidiu ontem, 12, iniciar um processo para punir a Hungria por atentar continuamente contra a democracia sob o governo do primeiro-ministro Viktor Orbán.

É a primeira vez que o Parlamento Europeu exerce o seu direito de iniciativa para solicitar ao Conselho Europeu, formado pelos líderes dos 28 países-membros, que se pronuncie sobre a situação do Estado de direito num país-membro.

A moção aprovada pode abrir caminho para sanções como a suspensão dos direitos de voto da Hungria na Comissão Europeia, o órgão executivo da UE. O placar a favor da abertura do processo punitivo foi de 448 votos a 197, com 48 abstenções.

Na moção aprovada, Orbán é acusado de tolher a independência do Judiciário e da imprensa; de violar os direitos da minoria cigana, de refugiados e de solicitantes de asilo; e de intimidar organizações não governamentais que assistem esses grupos. Além disso, é acusado de travar uma guerra de propaganda e jurídica contra a Universidade Centro-Americana, criada nos anos 1980 em Budapeste com subvenções do bilionário de origem húngara George Soros.

No poder há 10 anos, Orbán foi reeleito em abril, e adotou novas medidas que contrariam os princípios da UE, como tornar crime a ajuda a imigrantes sem documentos. Lideranças do bloco vinham protestando contra as medidas de Budapeste, mas esta é a primeira medida concreta adotada contra Orbán.

Vingança mesquinha

O governo húngaro afirmou que tentará anular por meios judiciais a votação, que descreveu como uma "vingança mesquinha" e uma fraude.

"A decisão de hoje [ontem] do Parlamento Europeu não passou de uma vingança mesquinha de políticos pró-imigração contra a Hungria", reagiu o ministro das Relações Exteriores do país, Peter Szijarto, numa entrevista coletiva. "Essa decisão foi tomada de modo fraudulento e contrário a regras importantes nos tratados da Europa".

A votação, que ultrapassou os dois terços necessários para a aprovação da moção, deixou claro que muitos dos aliados de Orbán na ala conservadora o abandonaram.

A deputada do bloco Verde do Parlamento, Judith Sargentini, que encaminhou a proposta de moção para votação, comemorou a vitória e afirmou que "o povo da Hungria merece um governo melhor".

"O governo de Viktor Orbán ataca de frente os valores europeus ao silenciar a mídia independente, substituir juízes críticos a sua administração e amordaçar a academia", disse Judith. "Indivíduos próximos ao governo enriquecem a si mesmos, bem como seus amigos e parentes, às custas dos contribuintes europeus".

A deputada elogiou o apoio dado à moção por boa parte do Partido Popular Europeu (PPE), o bloco que reúne as legendas conservadoras no Parlamento Europeu. O Fidesz, partido de Orbán, faz parte do PPE, embora esteja agora à direita de outros partidos integrantes, como a União Democrata Cristã da chanceler Angela Merkel.

Por sua vez, Geert Wilders, lider do Partido da Liberdade, organização holandesa anti-imigração, definiu a votação como "uma vergonha".

"Orbán é um herói e merece o Prêmio Nobel", disse Wilders. "Ele fechou as fronteiras para os muçulmanos caçadores de fortunas. Ele protege seus cidadãos contra o terrorismo e defende a identidade nacional de seu país".

O chefe da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, também um membro do PPE, afirmou que teria votado a favor da moção se fosse um parlamentar.

O premiê húngaro Orbán chamou de "chantagem" a moção da UE - FREDERICK FLORIN / AFP

Na terça-feira, em discurso ao Parlamento Europeu, Orbán já denunciara o que chamou de "chantagem" da UE e avisou que não pretende recuar.

"A Hungria não vai aderir a esta chantagem. Se for necessário, vamos enfrentar vocês (a União Europeia)", disse Orbán, cujo partido de extrema direita Fidesz venceu as eleições de abril passado com maioria esmagadora. "A Hungria será condenada (pelo Parlamento Europeu) porque o povo húngaro decidiu que seu país não será um país de imigrantes", completou, recebendo aplausos dos legisladores eurocéticos e de extrema direita.

A votação do Parlamento - a decisão final sobre a punição caberá ao Conselho Europeu - em tese pode até significar a perda do direito de voto da Hungria no bloco (seria a punição mais severa prevista no artigo 7 do Tratado de Lisboa), mas analistas dizem que isso é improvável, pois tal medida poderia ser bloqueada pelo principal aliado de Orbán no bloco, o governo também ultranacionalista da Polônia.

O artigo 7 já foi evocado uma vez, no ano passado, mas pela Comissão Europeia e justamente contra a Polônia. O processo ainda não foi concluído. Agora, a resolução aprovada pelo Parlamento "convida o Conselho a determinar se existe um risco claro de violação grave, por parte da Hungria, os valores constantes no Tratado da UE, e impor à Hungria as recomendações adequadas".

O debate deve marcar a campanha das próximas eleições para o Parlamento Europeu, em maio de 2019, que se mostram desde já como uma luta entre ultranacionalistas e pró-europeus, com o tema da imigração como pano de fundo.


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