Tensão

Putin e Xi Jinping acompanham juntos os jogos de guerra russos

Especialistas dizem que exercícios são uma mensagem para os EUA, com quem Moscou e Pequim têm relações estremecidas

Atualizada em 11/10/2022 às 12h29
Tanques T-80 russos que participam do megaexercício militar até o dia 17 de setembro
Tanques T-80 russos que participam do megaexercício militar até o dia 17 de setembro (Tanques russos)

MOSCOU E VLADIVOSTOK — O presidente da Rússia, Vladimir Putin, e seu colega chinês, Xi Jinping, assistiram juntos, ontem, ao início das maiores manobras das forças militares russas já feitas desde a era soviética, com participação da China e da Mongólia.

Ambos acompanharam os jogos de guerra direto do Fórum Econômico do Extremo Oriente, em Vladivostok, onde conversaram sobre diversos temas políticos e prometeram reforçar sua parceria contra o protecionismo e o que chamaram de "posições unilaterais diante dos problemas globais", numa referência implícita ao governo do americano Donald Trump.

Os exercícios militares contam com quase 300 mil soldados de todos os setores das Forças Armadas russas e o apoio dos militares chineses e mongóis. A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), aliança militar liderada pelos Estados Unidos, denunciou os colossais exercícios como um ensaio para um "conflito em larga escala".

O evento foi batizado como Vostok-2018 (Leste-2018) e prosseguirá até 17 de setembro na Sibéria Oriental e no Extremo Oriente russo. Segundo analistas, os chineses e mongóis foram convidados a participar porque, dada a proximidade das manobras de suas fronteiras, os países poderiam considerá-las uma ameaça caso ficassem de fora.

"O Vostok-2018 começou", afirmou o Ministério da Defesa da Rússia num comunicado, acompanhado de um vídeo mostrando veículos blindados, helicópteros e aviões em movimento.

Esta terça-feira será dedicada ao deslocamento de tropas, e na quarta-feira haverá manobras de guerra antiaérea. O "principal evento" está programado para quinta-feira, segundo o Ministério da Defesa, que não revelou mais detalhes.

Tensão com o Ocidente

O exercício das tropas russas foi organizado num contexto de tensão com o Ocidente, em meio à crise ucraniana (após a reanexação da Crimeia), à guerra na Síria (em que Putin é um aliado do presidente Bashar al-Assad) e às várias acusações de interferência de Moscou na política de países ocidentais, em especial os Estados Unidos, onde uma investigação é conduzida pelo procurador especial Robert Mueller.

No fórum em Vladivostok, Xi Jinping afirmou que Rússia e China devem trabalhar juntas para enfrentar o protecionismo de outros países, e o que chamou de "abordagens unilaterais para problemas internacionais". Xi não mencionou os Estados Unidos, que declararam uma guerra comercial à China, mas afirmou que o clima geopolítico internacional cada vez mais imprevisível torna ainda mais importante a parceria Pequim-Moscou.

"Em uma situação internacional que muda rapidamente, com crescente instabilidade e imprevisibilidade, a cooperação entre China e Rússia adquire ainda mais importância", disse Xi em entrevista coletiva. "Junto com a comunidade internacional, promoveremos soluções políticas para os problemas e conflitos atuais, defenderemos de maneira resoluta os princípios da Carta da ONU, nos oporemos ao unilateralismo e ao protecionismo comercial e promoveremos um novo tipo de relações internacionais".

Por sua vez, Vladimir Putin disse a Xi que o relacionamento entre seus países é hoje baseado na confiança em diversas áreas, que vão desde a política até a segurança e a defesa.

As relações sino-russas foram marcadas historicamente por extrema cautela mútua e períodos de animosidade. Ainda antes da Revolução Comunista de 1949, o líder do PC chinês, Mao Tsé-tung, demonstrava insubordinação à tutela pretendida pela então União Soviética. Moscou apoiou a revolução em Pequim, mas os dois países romperam em 1962, com os chineses se insurgindo com a política da coexistência pacífica com o Ocidente que passara a ser preconizada pela União Soviética. A cisão no bloco comunista abriu espaço para a ação dos Estados Unidos, que se aproximaram de Pequim no governo de Richard Nixon, nos anos 1970.

No pós-Guerra Fria, as duas potências voltaram a se aproximar. Mais recentemente, a Rússia, insatisfeita com a expansão da Otan para perto de suas fronteiras e isolada pelo Ocidente depois dos conflitos na Ucrânia, estreitou os laços com a China. As duas nações compartilham uma fronteira terrestre de 4.200 quilômetros de extensão.

Mensagem para Washington

De acordo com especialistas, os jogos de guerra são uma mensagem para Washington, com quem Moscou e Pequim têm relações estremecidas.

" A Rússia envia uma mensagem de que considera os EUA um inimigo em potencial, e a China um aliado em potencial", diz Dmitri Trenin, ex-coronel do Exército russo e diretor do Centro Carnegie em Moscou, um centro de estudos políticos. "A China, ao enviar um contingente do Exército Popular de Libertação para treinar com os russos, sinaliza que a pressão americana a está empurrando para uma cooperação militar mais íntima com Moscou".

Maiores manobras

Para o Exército russo, a demonstração de força é similar ao Zapad-81 (Oeste-81), exercício da então União Soviética que há quase 40 anos mobilizou entre 100 mil e 150 mil soldados do Pacto de Varsóvia no Leste europeu. Foram as maiores manobras militares organizadas no período soviético.

"Haverá um ar de Zapad-81, porém mais imponente de certa maneira", declarou no final de agosto o ministro da Defesa russo, Serguei Shoigu, detalhando o contingente esperado: além dos 300 mil soldados, 36 mil veículos militares, mil aviões e 80 navios. "Imagine os milhares de veículos militares se movendo ao mesmo tempo: tanques, blindados de transporte de tropas, veículos de combate de infantaria. E tudo isso, é claro, em condições semelhantes à de uma situação de combate".

Segundo o governo russo, a China participa do exercício com 24 helicópteros e seis jatos militares que foram transferidos para bases russas. O governo chinês disse que 3.200 soldados de seu Exército Popular de Libertação também participarão.

Arsenal

Todo o repertório moderno do Exército russo será exibido nos exercícios: mísseis Iskander, capazes de transportar ogivas nucleares; tanques T-80 e T-90; e os recentes caças de combate Su-34 e Su-35. No mar, a frota russa vai exercitar várias fragatas equipadas com mísseis Kalibr, que provaram seu valor na Síria.

Mas, no ano passado, as manobras Zapad-2017 (Oeste-2017), organizadas nas fronteiras da União Europeia, mobilizaram apenas 12.700 homens, segundo Moscou, enquanto a Ucrânia e os Países Bálticos citaram um contingente muito maior.

Como era esperado, a Otan denunciou as manobras, ao afirmar que a "Rússia se concentra em preparar um conflito militar de grande escala".

"As manobras combinam com uma tendência que se observa há muito tempo, a de uma Rússia mais assertiva, que aumenta drasticamente seu orçamento de Defesa e sua presença militar", declarou o porta-voz da entidade, Dylan White.

Desde 2014, com a deterioração das relações entre Moscou e o Ocidente, a Rússia aumentou seus exercícios militares - do Cáucaso ao Báltico e até no Ártico - enquanto denunciava a expansão da Otan em suas fronteiras, uma ameaça fundamental à sua segurança, de acordo com a nova doutrina militar russa adotada ano passado.

As manobras russas no Extremo Oriente foram precedidas de exercícios no Mediterrâneo, de 1º a 8 de setembro, dos quais participaram mais de 25 navios e 30 aviões, sinalizando o fortalecimento da presença russa na Síria, onde o país atua militarmente desde 2015.

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