Incêndio

Pedaços do Maranhão nas cinzas do Museu Nacional

Acervo que contava parte importante da história do estado sucumbiu no incêndio ocorrido na noite de domingo, 2; coleções de material arqueológico e etnográfico que estavam guardados na instituição foram queimados e perdas são irreparáveis

Carla Melo / Da equipe de O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h29
Adorno indígena dos índios Urubus, da Região do Gurupi
Adorno indígena dos índios Urubus, da Região do Gurupi

SÃO LUÍS- O fogo que consumiu o Museu Nacional, na noite do último domingo (2), no Rio de Janeiro, levou consigo capítulos importantes da história mundial, nacional e também maranhense. Estavam sob a guarda daquela instituição bicentenária importantes acervos do estado, como a coleção Raimundo Lopes de material arqueológico das Estearias da Baixada Maranhense; a coleção Raimundo Lopes de material arqueológico dos Sambaquis da Ilha de São Luís; e a coleção etnográfica dos povos indígenas do Maranhão, coletada ao longo de décadas. As perdas são imensuráveis.

As coleções de Raimundo Lopes passaram a integrar o acervo do Museu Nacional ainda nas décadas de 1920 e 1930, quando o maranhense levou o material para a instituição, da qual foi pesquisador e entusiasta. As três coleções do Maranhão eram formadas por objetos, como adornos, plumares e matéria em fibras vegetais, a exemplo de cofos, cestas e outros objetos indígenas de povos que já foram extintos ou de nações que ainda resistem, a exemplo dos Urubu Ka’apor, mas que já não produzem mais aqueles objetos por diversos motivos como a diminuição de animais, proibição de caça e outros fatores.

O arqueólogo, pesquisador e professor da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Arkley Marques Bandeira explica que o Museu Nacional abrigava objetos usados em rituais indígenas, como a Festa do Caju, a exemplo de tiaras feitas com penas de araras. “Eram materiais muito perecíveis, alguns em exposição e outros nas reservas técnicas que mesmo que sejam resgatados de alguma forma, perdem suas referências, a identificação, e assim, o valor científico”, pontuou o pesquisador que em 2016 participou como palestrante de um evento no Museu Nacional e, já naquela ocasião, observou a má conservação no local.

Das coleções de Raimundo Lopes também constavam cerâmicas, líticos e materiais orgânicos como conchas e ossos que contavam a história do Maranhão. O Museu Nacional abrigava ainda material paleontológico levado ao Rio de Janeiro após uma expedição que descobriu fósseis de dinossauros na Ilha do Cajual, nas proximidades de Alcântara, no início dos anos 2000.

Para o arqueólogo, não há como mensurar a quantidade de peças do Maranhão no Museu Nacional. “Infelizmente, não havia inventário atualizado das coleções, as de Raimundo Lopes recentemente haviam passado por uma limpeza e começaram a ser estudadas, mas ainda careciam de mais estudos. Era um material riquíssimo que não conseguimos preservar e que está perdido. Acredito que este momento seja de reflexão, pois não podemos mais usar o argumento recorrente de que a tragédia no Museu Nacional vai servir de exemplo, pois já vimos queimar Butantã, Museu da Língua Portuguesa, museus menores....”, lamentou o arqueólogo.

Cerâmica estearias da Baixada Maranhense
Cerâmica estearias da Baixada Maranhense

Perda repercutiu

Pesquisadores, estudiosos e artistas maranhenses lamentaram o fato e externaram suas indignações nas redes sociais. O ex-presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão (IHGM-MA), Euges Lima, lamentou o ocorrido e alertou para que problemas semelhantes não ocorram mais. “Trata-se de perda incalculável não só para história do Brasil, mas para a história mundial, porém, infelizmente anunciada. Fica o exemplo para o Maranhão”, destacou.

O fotógrafo Márcio Vasconcelos frisou sua tristeza pela perda, em especial, de uma das peças do Museu Nacional. “O Trono de Ghezo, Rei do Daomé entre 1818 e 1858, está entre as peças queimadas no Museu Nacional do Rio. Ghezo era filho de Nâ Agotimé, fundadora da Casa das Minas em São Luís”, escreveu o fotógrafo que registra a cultura afrobrasileira há anos.

“O Brasil de escandalosas tragédias, arde a pior delas: a perda da memória. De luto pelo Museu Nacional”, sentenciou o ator Domingos Tourinho.

O professor da UFMA e arqueólogo Alexandre Guida Navarro contou que esteve no Museu Nacional há menos de um mês. “Nele estava depositada uma grande e bela coleção de material arqueológico das estearias do Maranhão, levadas para lá por Raimundo Lopes na década de 1930. Que todos os responsáveis por esse crime paguem severamente por umas das maiores tragédias nacionais! Inconformado, indignado, revoltado!”, postou o professor.

A também professora da UFMA, a bióloga Flávia Mochel, lamentou não ter o que comemorar no Dia do Biólogo (3 de setembro). “Nossos corações estão sangrando. Amanhecemos com a tragédia que marca o Dia do Biólogo mais triste de todos os tempos. Os valiosíssimos registros históricos e pré-históricos de nossa fauna, flora e cultura foram reduzidos a cinzas. Que Deus tenha piedade do futuro de nosso país!”.

Saiba Mais

- Raimundo Lopes é autor do livro “O Torrão Maranhense”, considerado o primeiro livro sobre geografia regional com base nos métodos da geografia moderna. Quando foi publicado, em 1916, no Rio de Janeiro, foi muito elogiado e bem recebido pela crítica especializada. No livro, o autor aborda a geografia física, a geografia humana, além da formação histórica de São Luís e do Maranhão. É rico em gravuras, mapas, gráficos e dados.

- Raimundo Lopes foi catedrático do Museu Nacional, foi precursor nos estudos e pesquisas de campo da arqueologia maranhense, com trabalhos sobre os sambaquis e os achados das habitações lacustres pré-históricas da baixada maranhense, as chamadas esteiarias, ramo da arqueologia inaugurado por ele. Foi o fundador da cadeira de número 1 do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão (IHGM), patroneada pelo Frei Capuchinho do século XVII, Yves D’Evreux e é patrono da cadeira de número 27 desta sociedade.

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