Artigo

Que Ilha bela!

Atualizada em 11/10/2022 às 12h29

“Todo mundo canta sua terra / Eu também vou cantar a minha / Modéstia à parte seu moço / Minha terra é uma belezinha.”


Inicia setembro, mês festivo para todos nós, ludovicenses de coração. São Luís comemorará, no próximo dia 8, seus 406 anos. Agora mesmo, esta estrofe inicial de “Todos cantam sua terra”, de João do Vale, ecoa em minha mente na voz inconfundível e marcante da cantora maranhense Alcione. Neste momento da música, ela canta à capela, o que dá um colorido impactante à canção.

A letra segue descrevendo um cotidiano que já não existe mais. Os vendedores de frutas e os jornaleiros ficaram num passado nem tão longínquo, mas carregado de nostalgia para nós que o vivemos. No final da letra, o compositor então quase se espanta com o próprio esquecimento. A terra descrita não havia sido nomeada para os ouvintes. “Tinha tanta coisa pra falar/ Quando estava fazendo este baião/ que quase me esqueço de dizer/ Que essa terra tão linda é o Maranhão”, ainda que a descrição seja claramente de São Luís.

Nossos telhados tantas vezes resgatados em lindas fotos, que revelam ângulos e cores da cidade, coroados de mirantes, são uma forma de ver São Luís. De seu mirante pessoal, o poeta José Chagas os via e descrevia assim: “Aqui os telhados/ brotam como roças.// São vales plantados/ de saudades nossas.”

Chagas, paraibano, mas ludovicense e maranhense por generosa adoção - ele que nos adotou - tinha um olhar muito especial sobre esta velha e cansada cidade. Num de seu poemas, ele quase criou um slogan pra cidade: “Todas as manhãs o mirante/ me lança pela janela/ uma amostra grátis/ de São Luís.” Então o poema se torna uma ode rica e sinfônica da cidade: “São Luís sabe de manhã/ antes que qualquer outro lugar do mundo/ porque há um galo no quintal do tempo/ ferindo sua crista no sonho/ e seu canto chega em pedra ao mirante/ que sabe adivinhar o dia/ por trás dos muros.”

São Luís, pelo privilégio de ser naturalmente bela, sempre foi uma fonte inspiradora fácil para os poetas, músicos, pintores e principalmente para pessoas comuns que se encantam com seu mar e praias, as revoadas de garças e guarás nos fins das tardes com um pôr de sol único e inconfundível, daqueles que, gravados na retina, com seu feixe de luzes marcam as meninas dos olhos para sempre.

Para cura de nossos dissabores cotidianos, por conta de uma população que se despoetiza por razões insondáveis, não nos custa nada voltarmos os olhos à leitura de poemas de poetas como Tribuzi, que no Hino Louvação a São Luís invoca: “Ó minha cidade/ deixa-me viver/ que eu quero aprender/ tua poesia.” Talvez assim tenhamos como consolo “o azul dos teus dias. ”Ou, quem sabe, contra as labutas incansáveis, precisemos descansar no “horizonte belo” e deixarmo-nos refletir nele. Afinal, canta a canção: “o amor nasceu aqui.” São Luís é ilha magnética, já disse César Nascimento. Tão atraente, que se recusa a dormir no esquecimento, ainda que, como cantam Carol e Ana Teresa, mesmo longe deste chão, as marcas na memória farão lembrar de São Luís.

Subo ladeiras. Piso as cantarias. Rezo nas igrejas antigas e majestosas. Sinto os cheiros de muito tempo de maresia e frutas que perambulavam na cabeça dos vendedores embaladas por seus gritos a acordar os telhados molhados, em noites mal iluminadas e cheias de segredos. A ilha bela, título deste artigo, remonta aos versos da canção homônima de Carlinhos Veloz. Que continuem a brilhar sobrados e telhados. Quem não amaria ser espelho para essa Ilha bela?


Natalino Salgado Filho

Médico, doutor em Nefrologia, ex-reitor da UFMA, membro da ANM, da AML, da AMM, Sobrames e do IHGMA

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