Entrevista - Felipe Mussalém

“A história da ACM se confunde com a história do nosso estado”

A Associação Comercial do Maranhão prepara uma grande festa, dia 29, para comemorar seus 164 anos, quando serão homenageados os empresários Carlos Gaspar, Maurício Feijó e Douglas Pinho

Ribamar Cunha/Subeditor de Economia

Atualizada em 11/10/2022 às 12h29
Presidente da Associação Comercial, Felipe Mussalém, destaca a importância da entidade de classe
Presidente da Associação Comercial, Felipe Mussalém, destaca a importância da entidade de classe (ACM)

A Associação Comercial do Maranhão (ACM), uma das entidades de classe mais antigas do Brasil, completou este mês 164 anos de fundação. Criada por um grupo de empresários notáveis em 1854, a entidade tem importante contribuição no desenvolvimento econômico do estado. Hoje, presidida pelo jovem empresário Felipe Mussalém, a ACM passa por um momento de inovação, mas sem perder de vista a tradição de uma Casa que teve entre um dos fatos marcantes de sua história a Campanha da Produção. Nesta entrevista exclusiva a O Estado, Felipe Mussalém fala da trajetória da entidade nesses 164 anos e dos desafios, como também o que espera das eleições e dos candidatos no pleito de outubro.

No dia 21 deste mês, a Associação Comercial do Maranhão completou 164 anos de fundação. Qual a importância histórica da entidade?
Sempre digo que a história da ACM se confunde com a história do nosso estado. Fora o fato de ela ser a primeira reunião de empresários do Maranhão, que em 1854 se uniram em prol do desenvolvimento dos negócios e, consequentemente, do estado, a ACM foi a grande responsável pela interiorização do estado, pelo que hoje conhecemos como ligação entre a capital e as principais zonas produtoras, através da Campanha da Produção. Cito também a grande contribuição da ACM para a fundação da Faculdade de Direito do Maranhão, em 1818. Dentre tantos fatos que marcam esta Casa como legítima representante não apenas dos empresários, mas, sobretudo, defensora das causas do Maranhão e da sociedade.

A entidade foi criada por uma Comissão de Notáveis, que representava as aspirações do comércio Como o senhor avalia o papel desempenhado por esses empresários àquela época?
Foram eles os grandes responsáveis pelo que vivemos hoje no associativismo empresarial no Maranhão. Além de precursores, nota-se nesse contexto histórico que eram grandes sonhadores, com impressionante conhecimento da realidade e visão de futuro. Sempre souberam que o crescimento só vem com união e que o comportamento associativista era o melhor caminho para combater desmandos dos governos instalados pós Independência e para fomentar o comércio na capital, que era a única atividade econômica da época. Desde a Comissão da Praça, esta casa nos legou conquistas e um lastro de respeito e independência, que temos procurado manter como traço diferencial da ACM.

Um marco sempre citado quando se fala da história da Associação Comercial é a Campanha da Produção. O que foi essa campanha e qual a sua contribuição para o fortalecimento da entidade e para o desenvolvimento do estado?
Isso mesmo. Foi a Campanha da Produção um movimento de união, responsável por conectar a capital e o porto ao interior do estado, através das estradas para escoamento da produção maranhense, à época bastante expressiva. A partir deste movimento, o ouro do sertão, como era conhecido o algodão, e o babaçu, nossa grande riqueza da época, puderam sair do estado e ganhar o mundo.

A Associação Comercial gozava do prestígio de ser uma entidade consultada pelo poder público nas suas decisões de governo. Por que não há mais essa identificação?
Esse é um traço da história da casa que muito nos orgulha, o fato de ser legalmente reconhecida como a única entidade do estado detentora dessa prerrogativa, de ser órgão consultivo dos poderes públicos. Acredito que isso ainda acontece, pois, sempre que solicitados ou provocados por uma circunstância, exercemos o direito de representar os interesses da nossa Classe. Ressalto, inclusive, que a ACM é a representante maior de todos os segmentos econômicos: Comércio, Indústria e Serviços. Contudo, nem sempre os governos estabelecidos enxergaram a classe empresarial como aliada do desenvolvimento. O pensamento difundido, principalmente nos últimos anos, é que o empresário só pensa no lucro e quer ganhar a todo custo em cima do trabalhador… E isso gerou uma espécie de luta de classes que chega a ser irreal. É o paradoxo do nosso país: valoriza-se o emprego e marginaliza-se quem o gera. Nossa luta, como no passado, continua sendo pelo diálogo amplo e por respeito a quem faz girar a roda econômica. Nos interessa ver crescer a economia e participar das definições sobre os rumos do desenvolvimento do nosso estado, da nossa cidade e do país.

Hoje, os tempos são outros, diferente daquela época “romântica” da Comissão da Praça. Na sua avaliação, a Associação Comercial tem acompanhado as transformações da sociedade?
Sempre. A ACM tem um dom fantástico de se remodelar com o passar dos anos. Primeiro de tudo, por ser uma entidade eclética, de todos os segmentos, a gestão acaba refletindo esse traço. Ora, a casa é presidida por um empresário do ramo da indústria, ora comércio, e atualmente, por um empresário de serviços, que é o meu caso. Segundo pela composição da sua diretoria, que possui 14 vices presidências temáticas, onde cada área de negócios tem um interlocutor técnico fazendo o elo entre a entidade e a sociedade. Como prova disso, cito três casos: a ACM elegeu em 2013 a primeira mulher da história, quebrando um monopólio masculino de 159 anos; atualmente presidida por um jovem empresário e em 2017 a ACM se tornou a entidade de classe em que maranhenses mais alternam o comando, excluindo do estatuto a possibilidade de reeleição. E, além disso, tem buscado orientar sua atuação às demandas de cada tempo, sem sacrificar a independência e seus traços vanguardistas. Quer pro­va melhor de transformação?

Na sua percepção, como o empresariado de hoje enxerga a Associação Comercial, levando em conta a atual realidade econômica, outras formas de gestão e as novas tecnologias?
O empresário enxerga a casa como um porto seguro. Uma segurança para quando ele precisar de auxílio, orientação, capacitação e relacionamento. Envolto com suas
obrigações no negócio e a autocobrança por resultados, ele pode nem frequentar a ACM assiduamente, contudo sabe que sempre que precisar a casa estará lá. Recentemente, fizemos uma ampla pesquisa com os nossos associados e pudemos, de fato, constatar isso que acabo de citar. Não falo apenas empiricamente, falo embasado na pesquisa. O empresário sabe que a ACM o representa e encampa suas lutas, seus interesses.

O senhor foi eleito presidente da ACM com a proposta de mesclar a tradição com a inovação. Esse desafio está sendo cumprido e de que forma?
Sim. Talvez esse seja o meu maior desafio e que julgo estarmos conseguindo. O pilar mais sólido dessa análise se chama Conselho Superior, composto pelos ex-presidentes e pelos associados que já participaram como diretores de cinco gestões, ou seja, a tradição está ali, representada pelo ex-presidente da Casa e atual presidente do Conselho Superior, o empresário Júlio Noronha. Júlio foi o presidente mais jovem da história da Casa e hoje me auxilia muito nessa condução, fazendo com que saibamos inovar respeitando a história. Já conseguimos, em parceria com o Conselho Superior, promover mudanças estatutárias importantes para essa modernização, como o fim da reeleição, cláusula anticorrupção e a vedação de concorrer ao cargo de presidente aqueles que tenham cargos públicos, eletivos ou não. Estas, dentre outros, se tornam bases fortes da inovação. Além disso, buscamos de forma determinada abrir caminhos para uma agenda voltada à inovação, que se traduza na modernização efetiva da gestão, até como exemplo para nossas empresas, ofertando serviços focados na inovação e úteis para os associados, porque é isso o que se espera das entidades hoje em dia.

O símbolo da Associação Comercial do Maranhão é o Palácio do Comércio. Há décadas o prédio está sem utilização de sua capacidade efetiva. O senhor tem algum projeto para revitalizá-lo?
Diariamente, me faço cobranças sobre esse tema. E são cobranças duras. Me pergunto: você vai deixar isso continuar? Vários dirigentes já tentaram, qual ideia eles não tiveram? Enfim, restaurar o Palácio do Comércio, que este ano faz 75 anos, é um presente que darei não à entidade, mas à cidade de São Luís. Devolver a beleza do nosso Centro Histórico é uma missão de todos nós cidadãos. Nós estamos em vias de assinar uma SPE (Sociedade de Propósito Específico) com um grupo de investidores do Sudeste do Brasil, para a reforma do palácio. O projeto irá atender à demanda específica de um locatário num projeto “built suit”, ou seja, o locatário poderá interferir na reforma, para que atenda às suas necessidades. O recurso para a reforma está garantido. Nosso desafio agora é encontrar o inquilino.

No dia 29, acontece a solenidade magna de comemoração aos 164 anos da Associação Comercial. Qual a programação para essa data?
O dia 29 está sendo planejado com muito carinho, pois não é todo dia que se faz 164 anos. Estamos muito felizes em poder reconhecer o trabalho realizado pelo empresário Carlos Gaspar, ex-presidente da ACM, não apenas na entidade, mas, sobretudo, pelo legado, pela trajetória empresarial em nosso estado. Ele receberá a mais alta honraria do empresariado maranhense, a Medalha João Gualberto, no grau de comendador. Outro momento que certamente será marcante será o reconhecimento ao empresário Maurício Feijó, pelos 50 anos de atividade empresarial. Por fim, porém não menos importante, a Casa presta uma homenagem ao conselheiro Douglas Pinho, uma lenda viva da história do empresariado. Sinto-me particularmente muito grato por presenciar esse momento.

O que o empresariado espera destas eleições e dos candidatos? Qual perfil de candidatos teria afinidade com a classe empresarial?
Não apenas o empresariado, mas o país como um todo clama por um ambiente político mais alinhado com o combate à corrupção e o fim dos privilégios. Com o surgimento de novas lideranças e, como empresários, entendemos a necessidade de buscarmos perfis alinhados com a retomada do crescimento, com a recuperação econômica. Para isso, faz-se necessária uma política de atração de investimentos, fortalecimento das empresas, incentivo às pequenas empresas, educação empreendedora e do respeito e diálogo com o setor produtivo. Esperamos perfis técnicos nos cargos públicos, capazes de entender as demandas de quem gera emprego e implantar no serviço público conceitos como meritocracia e gestão de desempenho, por exemplo.

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