Lava-Jato argentina

Juiz Claudio Bonadio vira algoz da ex-presidente Cristina Kirchner

Integrante da direita peronista, magistrado que ascendeu com Menem comanda maior investigação sobre a corrupção no país

Atualizada em 11/10/2022 às 12h29

BUENOS AIRES - Nos Tribunais de Comodoro Py, quartel-general dos principais juízes federais da Argentina, ele é chamado de “O Áspero”. O apelido se encaixa perfeitamente neste homem robusto, de estilo curto e grosso, que nas últimas semanas colocou as principais figuras dos governos Kirchner, incluídos os empresários que mais enriqueceram durante a era K, contra a parede.

Por incrível que possa parecer, ele é peronista, como Cristina e Néstor, e chegou ao auge de sua carreira no Judiciário graças a um governo peronista, o do ex-presidente e atual senador Carlos Menem (1989-1999). Mas o peronismo é um movimento heterogêneo, conflituado e fragmentado. E coube a este peronista, o juiz Claudio Bonadio, assumir o comando da maior investigação já realizada sobre corrupção no país entre 2003 e 2015, para muitos uma Lava-Jato local.

Quando era presidente e não imaginava que algum dia este homem teria em mãos provas sobre a construção de uma estrutura montada para corromper empresas relacionadas a concessões de obras públicas, a senadora Cristina Kirchner dedicou-lhe alguns minutos de um discurso transmitido em rede nacional. Bonadio adotara alguma medida que incomodara o governo, e a então chefe de Estado decidiu alfinetá-lo publicamente chamando-o de “juiz pistoleiro”. O ataque não incomodou Bonadio que, de fato, costuma andar armado e em 2001 matou dois homens que tentaram assaltá-lo.

Diferenças ideológicas

O juiz que virou pesadelo de Cristina é uma figura polêmica. Não tem muitos amigos no Judiciário, fala com poucos jornalistas e não parece abalar-se facilmente. Em sua sala no gigantesco prédio de Comodoro Py, no bairro de Retiro, muitas frases decoram o ambiente, uma delas diz “pense, logo fale”. Bonadio não fala muito. Ultimamente, menos ainda.

O juiz, que foi funcionário do governo Menem, considerado um dos mais corruptos das últimas décadas no país, comanda três processos importantes contra Cristina e outros kirchneristas. Ele já ordenou até mesmo a detenção da ex-presidente, no caso sobre suposto acobertamento de ex-funcionários iranianos relacionados ao atentado à Associação Mutual Israelense Argentina (Amia), em 1994.

Durante o governo de Cristina, os dois países selaram um entendimento que nunca foi ratificado pelo Parlamento iraniano (mas sim pelo argentino) e que é considerado pela Justiça uma manobra para proteger supostos participantes no ataque à Amia, que matou 85 pessoas. Essa era a teoria do promotor Alberto Nisman, que poucos dias após denunciar Cristina, em janeiro de 2015, apareceu morto no banheiro de seu apartamento. O caso, agora, está com Bonadio.

A presidente não está presa por ter imunidade parlamentar e porque o peronismo não parece disposto a conceder a suspensão do foro privilegiado, como solicitou Bonadio. Esta semana, o peronismo conseguiu adiar uma decisão sobre buscas em residências de Cristina, outro pedido do juiz. O medo está se espalhando. Afinal, se Bonadio está disposto a prender a ex-presidente, tudo é possível e todos os que integram o sistema político argentino estão em risco.

O juiz também investiga supostas operações de lavagem de dinheiro nos hotéis de luxo da família Kirchner na Patagônia e já processou Cristina e outros kirchneristas por manobras fraudulentas no Banco Central.

"Ele vai fundo, e agora mais ainda. Parece estar buscando um lugar de destaque nos livros de História", comentou uma fonte judicial.

As tensões entre Bonadio e os Kirchner começaram cedo, quando Néstor ainda era presidente. O juiz, que sempre esteve alinhado com um peronismo de direita (como foi Menem), tem verdadeiro horror à esquerda peronista, aliada ao kirchnerismo. Esta diferença ideológica explicaria, segundo jornalistas que cobrem o Judiciário, sua rixa com a ex-família presidencial.

" A investigação de Bonadio é séria, embora ele seja um juiz um pouco atropelado. Mas não podemos ignorar que existe uma rivalidade com os Kirchner que já é antiga", comentou Adrián Ventura, do canal de TV Todo Notícias.

Para sorte de Bonadio e desgraça de Cristina, os já famosos “cadernos de Centeno”, escritos durante dez anos pelo ex-motorista de um ex-alto funcionário do Ministério do Planejamento, foram parar nas mãos do homem que não hesitou um segundo em ordenar a maior onda de prisões contra o kirchnerismo.

Respaldo

O juiz áspero e pistoleiro acaba de obter total respaldo do presidente da Corte Suprema de Justiça, Ricardo Lorenzetti, que liberou mais recursos econômicos para Bonadio e sua equipe. Com mais de 40 indiciados (dos quais cerca de 20 foram presos), 10 em delação premiada e muitas buscas ainda a serem feitas, o magistrado solicitou reforços e seu pedido foi atendido.

"O trabalho do juiz está sendo bem visto pelas altas autoridades do Judiciário, porque existe uma consciência de que é exatamente isso o que a sociedade espera de nós", assegurou uma fonte dos tribunais portenhos.

Encontro com Moro

Em abril de 2017, Bonadio encontrou-se em Buenos Aires com o juiz Sergio Moro. Foi uma conversa rápida, mas comenta-se na capital argentina que o juiz peronista admira o trabalho do colega brasileiro e incentiva a colaboração entre promotores dos dois países. Um dos mais ativos nessa matéria é Federico Delgado, que estabeleceu um contato fluido com promotores envolvidos na operação Lava-Jato e provavelmente terminará trocando informações com Bonadio, já que os casos, como admitiu o próprio Delgado recentemente, estão todos, em algum ponto, relacionados.

"O que Bonadio tem feito é muito importante. Alguns arrependidos estão admitindo fatos que antes tinham negado. Os promotores brasileiros nos disseram algo que está acontecendo: quando um empresário falar, muitos falarão depois", afirmou o promotor.

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