Artigo

O que fazemos com a comida que sobra?

Atualizada em 11/10/2022 às 12h29

O título deste artigo remete a uma instigante pergunta do papa Francisco, proferida recentemente para uma multidão, na Praça São Pedro, quando comentava o célebre milagre da multiplicação dos pães, narrado nos Evangelhos.

No episódio relembrado pelo Santo Padre, Jesus multiplica cinco pães e dois peixes para uma multidão composta de mais de 5 mil pessoas. Ao final, todos se alimentaram com fartura e a recomendação do Mestre foi a de que devesse ser recolhida toda a sobra, para que nada se perdesse.

Porque Jesus se preocuparia em dar essa ordem, logo Ele que tem o poder de transformar o pouco em muito? Justamente para que pudéssemos ser cuidadosos com o que recebemos como dádiva e para que possamos exercer a generosidade com os demais e com esta terra que graciosamente nos fornece o pão.

O desperdício de alimentos é uma grave questão. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, FAO, um terço de toda a comida do mundo é desperdiçado, enquanto quase 800 milhões de pessoas passam fome em diversas regiões do planeta.

Em números, o desperdício ocasiona a perda de 1,3 bilhão de toneladas de comida todos os anos e causa um prejuízo econômico na ordem de US$ 940 bilhões por ano, o que corresponde, aproximadamente, a cerca de R$ 3 trilhões. O Brasil, embora tenha milhões de pessoas que vivem em situação de miséria, figura entre os dez países que mais desperdiçam alimentos no mundo.

A FAO Brasil revela que cerca de 28% dos alimentos são perdidos ainda no processo de produção agrícola e, ao chegar na casa dos consumidores, há ainda um desperdício na ordem de mais 28%. Pesquisa publicada recentemente, feita pela Edelman, a pedido da Unilever e tema de reportagem da Época Negócios, traz dados assustadores. De acordo com o estudo, aproximadamente 50% dos brasileiros jogam comida fora todo dia. As razões para um comportamento tão perdulário são variadas, mas todas têm um fundo em comum: a ideia de que não vai faltar comida, pois o alimento no Brasil é farto, barato e disponível. Uma falsa premissa, sem dúvida.

Felizmente, algumas iniciativas vêm sendo adotadas, para que esses graves números sejam reduzidos. Em 2013, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) lançaram a Rede Save Food, que visa combater e prevenir o desperdício de alimentos, através da conscientização do reaproveitamento e de outras práticas sustentáveis. A meta da Rede é fazer com que até 2030 os números do desperdício sejam reduzidos à metade. No Congresso Nacional, tramitam quase 30 projetos que trazem propostas semelhantes e ações da sociedade civil organizada também despontam para mudar radicalmente esse cenário.

Voltando à fala do papa, este também elogiou a iniciativa e o caráter do jovem que ofereceu o pouco que tinha, para que Jesus pudesse ter a matéria prima daquele estrondoso milagre. Compartilhamento, solidariedade e disposição. Essas são algumas das virtudes eternas que não saem de voga e que nos impelem a lembrar de nossos irmãos que não possuem o cotidiano de uma mesa farta. Quando o Filho de Deus alerta para que nada se perca, podemos inferir que o exemplo do partilhar do pão multiplicado para saciar a fome de tantos é para ser ecoado diariamente em nossas vidas.


Natalino Salgado Filho

Médico, doutor em Nefrologia, ex-reitor da UFMA, membro da ANM, da AML, da AMM, Sobrames e do IHGMA


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