Artigo

O meu pai

Atualizada em 11/10/2022 às 12h29

O meu pai, Raimundo Nonato Costa da Silva, porém só o chamavam Alim Silva (o motivo não sei), faleceu no dia 26 de maio de 1999. Em 10 de dezembro daquele ano, completaria 89 anos. Era lavrador. Residia no povoado Pau D’Água, limite entre os Municípios de Santa Quitéria e São Bernardo, no Maranhão. Trabalhava demais na roça, numa área de apenas 23 hectares. Não tinha relógio e, por isso, às vezes, esquecia-se do tempo. Assim, a mamãe o chamava bem alto: “Está na hora do almoço”! Lá vinha ele com a enxada nas costas e muito suado.

Adorava plantar e colher. Plantava feijão, milho, arroz, cana, mandioca e banana. Fazia farinha, rapadura e cachaça. Vendia sua produção aos comerciantes que trafegavam nas canoas, lanchas e vapores, que faziam linha de Parnaíba à Teresina e ancoravam em Pau D’Água.

Em certo dia, convidou-me para ajudá-lo no plantio de milho e arroz. Fazia, com a enxada, duas covas, numa eu colocava o milho e na outra arroz, e a assim sucessivamente. Após algumas horas de trabalho, ele parou, encostou o rosto no cabo da enxada e virou-se para mim, já bastante suado e falou: “Está gostando desse trabalho?” Respondi-lhe: estou. A seguir, disse-me: “Eu não estou. Não quero que você seja o que sou. Quero que saia daqui e vá para a cidade estudar. O livro deverá ser o seu instrumento de trabalho e não uma enxada. Estou aqui porque errei o caminho. Fiquei órfão de mãe aos nove anos de idade. Ela queria que eu fosse estudar na cidade e que fosse um doutor e não lavrador.”

Essas palavras de meu pai ficaram dentro de mim até hoje. Guardo-as com muito amor e certo de que estão na minha memória e no meu coração como eternas lições.

Ele pensava mais do que falava. Sabia ouvir, sentir e dizer. Era muito correto, disciplinador. Passava-me civilidade, delicadeza, polidez e cortesia. Assim, sinto orgulho de ser seu filho. Ele está dentro de mim. Sinto saudade de sua voz ensinando-me.

A pobreza é uma realidade que dói, às vezes, na carne e dentro da alma, mas não é motivo para o desânimo, para desistir da luta permanente na busca de encontrar alternativa para uma vida melhor, com certo conforto, dentro dos limites da legalidade.

O meu pai é luz que até hoje ilumina o meu caminho. Indica-me por onde devo seguir sem perder de vista o meu passado, ultrapassando os obstáculos do presente e querendo sempre um futuro em que a paz pessoal seja merecedora da aceitação dos que sempre conviveram ao meu lado e, enfim, dos que me conhecem realmente.

O Pau D’Água é, sem dúvida, o povoado mais lindo que conheço. Fica à margem do rio Parnaíba. Oferece-nos uma paisagem lindíssima, que só a natureza nos oferece. A areia, as pedras, as árvores e a água do rio são belezas que expressam o seu natural. Além disso, ali estão as pessoas humildes, simples, pobres, que sabem viver dentro de sua própria natureza e nesse povoado perfumado pelo vento que sopra o seu chão.

Onde eu estiver, hoje, ou amanhã, vejo o meu pai dentro de mim e dentro dessa linda paisagem, transmitindo-me só bons exemplos de digno cidadão, de um lavrador que sempre soube plantar e colher. Assim, sigo o caminho que ele, inicialmente, indicou. Vou plantando e colhendo, sem, nenhum momento, desprezar a profundidade e o alcance de suas lições.

Ele só plantou o bem. Merece, portanto, essa simples homenagem do seu filho, nesse Dia dos Pais, já com a experiência de pai e avô.

José Carlos Sousa Silva

Advogado, jornalista e professor da UFMA e Universidade Ceuma, mestre em Direito pela UnB, membro da Academia Maranhense de Letras

E-mail: jcss@elo.com.br


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