Artigo

A Pátria sem chuteiras

Atualizada em 11/10/2022 às 12h30

Nada contra a seleção brasileira de futebol. Esportes fazem parte da educação física e mental. O problema é o fanatismo, a obsessão, a fuga, evidente mais uma vez na Copa de 2018. Lances remetiam às arenas romanas, onde os destaques eram gladiadores em enfrentamentos mortais, leões e cristãos que lhes serviam de pasto e o público que aplaudia a violência exibida. Torcia pelos leões. O Coliseu, imponente no centro de Roma, ecoa o registro desse passado.

Nas arenas de hoje não há gladiadores, leões ou cristãos como pasto. Os perseguidos agora são jogadores. E torcedores, vítimas de ataques covardes de turbas ensandecidas, dentro e fora dos estádios.

- Na Copa é diferente, dirão alguns.

Diferente em que se há quem tenta atingir o adversário de forma a incapacitá-lo para o jogo?

Futebol não é apenas esporte, mas arte, também.

- A violência é exceção, dirão. Convivamos com ela, como preço para ver a beleza das belas jogadas e bem disputadas partidas.

Para os protagonistas dessa beleza, porém, a violência não está só nos estádios. Está fora deles. Na mídia e nas redes sociais são impunemente agredidos os que têm a infelicidade de cometer erros, como perder um pênalti ou fazer um gol contra. Um jogador foi assassinado em Copa passada porque cometeu um desses infortúnios. Na de 2018 um jogador brasileiro foi atacado instantaneamente na web após fazer um gol contra. Sua família foi - e continua - ameaçada.

O mais impressionante é o sentimento coletivo de patriotismo que a Copa desperta, demonstrado na exibição da bandeira nacional em todos os lugares, tremulando em janelas de prédios, fixadas em automóveis, motos, carrinhos de bebês e até pintada na face das pessoas.

Enfim, parece que Nelson Rodrigues tinha mais razão do que ele mesmo supunha quando disse que a seleção brasileira de futebol era a Pátria de chuteiras. Mais que isso. O Brasil é só esse, o de chuteiras! Saiu da Copa, acabou-se. O choro de velório toma conta de todos e as bandeiras desaparecem. Quem as brandia gritando e incentivando os atletas deixa os braços arriarem e no gesto se esvai a energia que parecia estar naquele símbolo, deixado de lado, abandonado, esquecido.

Presenciei uma criança, após o jogo da desclassificação, entregar, embolada, a bandeira brasileira ao pai, num gesto emblemático de silêncio regado a lágrimas, como se dissesse: - Pai! Não temos mais pelo que lutar!

O Brasil é mais que isso. As bandeiras não deveriam ser desfraldadas apenas para as chuteiras. A grande disputa já existia antes da Copa e vai continuar depois dela.

Mais importante do que copas são eleições. Nestas, talvez você não queira insultar o técnico por causa da escalação. Se nas copas cada torcedor é um técnico, nas eleições o técnico é você. A diferença é que, na seleção, a escolha que você fizer não muda nada. Nas eleições, seu voto pode mudar o resultado da partida e seu próprio futuro. Mas pode ser um pênalti perdido ou um gol contra. Você decide.

O Brasil não precisa de penteados exóticos, penduricalhos de afetação, tatuagens, chuteiras. Já os tem demais. O que falta é educação, conhecimento, responsabilidade e decência.

É para isso que as bandeiras devem ser permanentemente desfraldadas.

Carlos Nina

Advogado

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