Artigo

Nem só de pão…

Atualizada em 11/10/2022 às 12h30

É batata. Em época de Copa do Mundo sempre aparecem uns chatos, daqueles que nunca deram um pontapé numa bola de futebol e pensam que escanteio é lateral com outro nome, brandindo veementes discursos contra o chamado esporte bretão. Ouvem-se então refrãos adaptados da famosa referência feita por Karl Marx à religião. Esta seria idolatria e superstição, constituindo, assim, uma espécie de “ópio do povo”, que deturpa a própria consciência dos cidadãos e a torna falsa, fenômeno capaz de impedir a classe trabalhadora de reconhecer seus próprios interesses, necessariamente opostos aos dos capitalistas, na arena da luta de classes.

Tal pensamento é predominante - no Brasil pelo menos -, nas hostes esquerdistas em todos os seus variados matizes, entre estes o gramscianismo, a corrente marxista mais influente no mundo cultural brasileiro, em especial nas universidades públicas. Ela diverge do marxismo tradicional na ênfase deste na base material (a infraestrutura) da sociedade, como criadora da superestrutura (todos os outros fenômenos sociopolíticos, inclusive as próprias manifestações culturais). No gramscianismo e inversamente, fatores culturais têm prioridade nas explicações da dinâmica da sociedade.

A paixão brasileira pelo futebol seria, dessa forma, pura alienação humana, criada pela incapacidade necessária do povo de reconhecer seus interesses. Segue-se daí que melhor seria ignorar o esporte, concentrando-se o país em melhorar principalmente as áreas de educação, saúde e segurança. Sem esta mudança de enfoque cairíamos nas trevas e na miséria. O resultado é o discurso chato, piegas e ingênuo.

A Copa do Mundo, do ponto de vista material, gera renda para milhares de pessoas em todas as faixas de remuneração, desde o vendedor de bandeirinhas do Brasil usadas em automóveis, aos donos de bares e restaurantes e seus empregados, às agências de viagem, etc. São inúmeras as atividades beneficiadas pelo jogo por toda parte. Sim, algumas atividades podem não obter ganhos diretos, mas indiretamente também se beneficiam.

Agora vejam isto. Empreendimento privado, a Copa do Mundo, honrando o “do mundo” de sua denominação, tem alcance mundial: Américas, Ásia, África, Oceania. Não é algo de países pobres (status que o Brasil já superou, faz tempo, apesar dos governos petistas) e culturalmente primitivos. Chamo a atenção do leitor para o fato de o fechamento do comércio e de muitas atividades econômicas nos dias de jogo ocorre em quase todos os países participantes. Conforme a televisão já mostrou exaustivamente, isso ocorre nas sociedades ricas e nas pobres, com a mesma paixão vista por aqui. Nem só de pão vive o homem. O entretenimento também alimenta, ou não teríamos shows de rock pelo mundo.

Atraso e preconceito culturais equivalem justamente a isto: achar, com fundamento em preconcepções desconectadas da realidade, platonicamente idealistas, que as pessoas não conhecem seus próprios interesses, necessitando, portanto, de um partido dito de vanguarda, para levar o povo ao paraíso. Naturalmente tal partido deverá ser conduzido por uma liderança, essa, naturalmente, dona de conhecimentos corretos e da verdade.

Quando essas ideias foram aplicadas na prática, resultaram em milhões de mortos.

Lino Raposo Moreira

PhD, Economista, membro da Academia Maranhense de Letras

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