Artigo

Sigamos com Neymar

Atualizada em 11/10/2022 às 12h30

Cumpre a sensata advertência que este artigo pode ficar tão amarelado quanto o próprio envelhecer de uma folha de jornal. Ou seja, caso o Brasil ganhe a Copa do Mundo da Rússia, daqui a vinte dias, todo o propósito destes escritos perderá por completo a sua razão de ser. O nosso país se transformará numa apoteose coletiva e todos os palpiteiros de plantão (incluindo-me aqui entre eles) serão chamados de chatos e inoportunos. O mesmo destino será dado a esse artigo caso o Brasil fracasse no intento do hexacampeonato.

Refletindo sobre os riscos de escrever algo que pode logo entrar em desuso, lembrei-me de Renato Russo, falecido compositor brasileiro. Ele fez longas reflexões se lançava ou não a música “Que País é Esse?”, grande sucesso da banda Legião Urbana. Existia naquela época a real sensação que a redemocratização do país transformasse num produto obsoleto a sua revolta musical contra o estado de coisas nacional. Porém, esses prognósticos historicamente não se confirmaram. Com a volta da democracia participativa, o seu estado de indignação permaneceu e acabou sendo uma decisão artística acertada o lançamento da referida canção pelos idos de 1987.

Entre os riscos da obsolescência de uma ideia e a livre (e, acima de tudo, responsável) manifestação de pensamento, filio-me à segunda opção. Portanto, o medo do caráter perecível deste artigo fica um pouco de lado.

Venho aqui falar do que chamamos genericamente de redes sociais em tempos de Copa do Mundo. Essa grande massa disforme de opiniões (ou a completa falta delas) que inundam nossos celulares e computadores, confirma-se como uma terra de ninguém, onde todos os dias vemos no final das intermináveis mensagens palavras mágicas do tipo: “Repassem”, “os brasileiros precisam saber”, ou então “compartilhe com o maior número de pessoas possível”.

A bola da vez desses “repasses” chama-se Neymar, principal jogador da seleção brasileira. Cumpre o registro que todos os técnicos brasileiros em nível profissional caso tivessem oportunidade de dirigir a seleção, certamente elevariam Neymar à posição de titularidade. Seria uma exigência nacional, sob pena de ser forjado pelos torcedores brasileiros um grande abaixo assinado demissionário.

O que se percebe é que, com a bola em jogo na Copa, os cabelos exóticos e o estilo “cai-cai” de Neymar tomaram conta dos “posts” e dos “likes”. Ora, as madeixas capilares de Neymar e o seu jeito de ser e de viver o futebol não são nenhuma novidade para quem o acompanha minimamente há pelo menos dez anos.

Mesmo assim, durante a Copa (logo agora!) Neymar passa a ser uma espécie de inimigo íntimo dos repassadores plantonistas. Alguns o chamam de mal-educado e mimado, características que podem até ser pertinentes, porém, não o desabilitam para jogar uma Copa do Mundo.

Sendo realista, porém, sem querer ser pretensioso, não dá agora para querer se educar o Neymar, principalmente durante um evento esportivo que dura menos que um único mês. Aliás, pode até ter passado esse bonde educativo e poucos fizeram para neutralizar esse “enfant terrible”. Diante da escassez de tempo e de um torneio de tiro tão curto como é uma Copa, o momento agora é, quem sabe, de corrigir sua função tática e técnica. E restabelecer o foco um pouco mais para o coletivo, caso isso seja realmente possível, num time tão cheio de individualismos.

Comportamento é algo que se constrói durante toda a vida. E possivelmente não se tenha tanta vida para tanto.

Para a glória ou o fracasso, sigamos com Neymar.


Bruno Tomé Fonseca

Procurador do Estado do Maranhão, advogado, escritor, professor universitário e membro da Academia Ludovicense de Letras

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