Decisão

Disputa entre Itália e França devido a barco com imigrantes se acirra

Roma chama embaixador francês para dar explicações e cancela encontro entre ministros da Economia

Atualizada em 11/10/2022 às 12h30

ROMA - A Itália reiterou sua decisão de fechar seus portos para barcos de ONGs que resgatam imigrantes em perigo no Mediterrâneo, ao mesmo tempo em que o impasse com a França se aprofundou. O ministro do Exterior italiano, Enzo Moavero, disse que Paris comprometeu os laços com os italianos por uma condenação "injustificável" da decisão italiana de rejeitar a entrada do navio Aquarius, fretado pelas ONGs Médicos Sem Fronteiras e SOS Mediterranée, com 629 imigrantes a bordo.

O Ministério das Relações Exteriores da Itália anunciou que convocou o embaixador da França em Roma, Christian Masset, para comparecer à Farnesina, sede da pasta, a fim de explicar as críticas do seu governo à decisão italiana. Além disso, o ministro italiano da Economia, Giovanni Tria, cancelou uma viagem a Paris prevista para esta quarta-feira.

Na terça-feira, o presidente francês, Emmanuel Macron, atacou o governo italiano, destacando o "cinismo e irresponsabilidade" da decisão de não permitir que o barco atracasse em portos do país. Um porta-voz de Macron disse: "A posição italiana me faz querer vomitar". Em resposta, o premier italiano, Giuseppe Conte, disse que "não pode aceitar lições hipócritas de países que sempre preferiram dar as costas quando se trata de imigração".

Após a recusa italiana, a Espanha aceitou acolher os imigrantes, que foram resgatados na costa da Líbia. A decisão italiana se alinha à política conservadora adotada pelo novo governo a respeito da imigração, que foi uma bandeira do partido xenófobo de extrema-direita Liga, uma das forças que compõe a coalizão governista.

"Não vamos mudar (nossa posição) sobre barcos que pertencem a organizações não governamentais", sustentou o ministro do Interior, Matteo Salvini, que também está à frente da Liga, em entrevista ao jornal "Corriere della Sera". "Barcos que pertencem a organizações estrangeiras e com bandeiras estrangeiras não podem ditar a política migratória da Itália".

De acordo com ele, "se os franceses têm a humildade de pedir desculpas, podemos deixar isso para trás e sermos amigos como antes".

Os 629 migrantes, que vêm principalmente da região da África subsaariana, foram distribuídos em mais dois barcos da Marinha italiana para irem em direção ao porto de Valência, na Espanha. Entre os estrangeiros, que ficaram retidos no Mediterrâneo por dois dias até um destino surgir, há 11 crianças e sete mulheres grávidas.

Na manhã de ontem-feira, um navio da guarda costeira italiana com 937 migrantes atracou no porto de Catânia, na Sicília. Com isso, o ministro do Transporte da Itália disse que o episódio mostra que o governo não é "desumano ou xenófobo". Oitocentos desses imigrantes serão transferidos para outras regiões italianas, segundo a polícia local.

É o primeiro desembarque tão numeroso de imigrantes desde a chegada ao poder da nova maioria italiana, integrada pela Liga (extrema direita), cujo chefe Matteo Salvini também é ministro do Interior.

O direito marítimo afirma que é obrigação de embarcações socorrerem outras embarcações em risco de naufrágio. Os resgatados devem ser levados ao porto seguro mais próximo. A maior parte dos imigrantes resgatados no Mediterrâneo ao tentarem fazer a rota Líbia-Itália não é salva por navios de ONGs, mas pela própria Guarda Costeira italiana. Os resgates são supervisionados pelo Centro de Coordenação Marítima de Roma.

Eixo-antomigração

Em paralelo, o chanceler austríaco Sebastian Kurz anunciou ontem a criação de um "eixo" entre os ministros do Interior de Áustria, Alemanha e Itália para lutar contra a imigração ilegal.

"Alegra-me a boa cooperação que desejamos construir entre Roma, Viena e Berlim", declarou ele em entrevista coletiva em Berlim. Em nossa opinião, precisamos de um eixo de voluntários na luta contra a imigração ilegal. Há cada vez mais chegadas na Grécia, novos movimentos na rota albanesa. Acredito que é importante não esperar a catástrofe, como em 2015, mas sim agir a tempo.

Kurz fez da luta contra imigração a prioridade de sua presidência da União Europeia, que começa em 1º de julho. Ele assumiu o cargo de chanceler no fim de 2017 na Áustria, aliando-se à extrema-direita e apresentando um projeto particularmente anti-imigração.

Em uma entrevista ao canal de televisão ORF, Kurz confirmou que "há esforços para criar fora da Europa centros de proteção para abrigar refugiados, oferecer uma proteção, mas não uma vida melhor na Europa central". Ele não explicou para quem seriam destinados os centros, mas seu colega dinamarquês, Lars Lokke Rasmusen, indicou na semana passada que conversava com alguns países, entre eles a Áustria, sobre a criação de "centros comuns" destinados aos imigrantes que não se qualificam para obter asilo na UE ou cujas solicitações de refúgio foram rejeitadas.

"É um projeto no qual trabalhamos com poucos países de maneira muito confidencial", disse Kurz.

O governo deseja tornar a Áustria menos atrativa para os demandantes de asilo e pretende aumentar a expulsão das pessoas que tiveram os pedidos rejeitados, um objetivo contrariado pela ausência de acordos de readmissão com vários países de origem.

A criação do eixo Berlim-Roma-Viena enfraquece a posição de Merkel, que busca alcançar um acordo sobre um sistema de asilo europeu tendo em vista a cúpula da UE que acontecer no fim de junho.

Mais

A Itália já recebeu mais de 640 mil migrantes principalmente vindos da África nos últimos cinco anos. O país se queixa da falta de solidariedade da Europa. Vários outros Estados da UE ignoram pedidos de Roma para acolher os recém-chegados e compartilhar os custos de assistência.

Outros, no entanto, abrigaram grande quantidade de estrangeiros que chegam ao bloco através de vias alternativas, como a Alemanha, que acolheu mais de 1 milhão de pessoas nos últimos anos.

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