Especial 100 anos de Liberdade

Liberdade: bairro secular que nasceu de um matadouro

Localidade completou 100 anos de fundação nesta sexta-feira, 25; bairro carrega tradições e lembranças de moradores que ajudaram em sua formação e é compostoo por um povo guerreiro, que carrega vitalidade e bom humor

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h31

[e-s001]Se antes era área de um imenso matadouro, cujas ruas serviam de travessia para várias manadas vindas da Baixada Maranhense, atualmente o bairro da Liberdade - considerado o maior conglomerado urbano de população negra da capital, São Luís - mantém tradições de forma fidedigna e problemas que ainda são comuns em boa parte dos bairros da cidade.

Quem imagina um bairro permeado apenas por histórias marcadas por violência perde a oportunidade de conhecer um lugar - que completou nesta sexta-feira, 25, 100 anos de fundação - essencialmente ocupado por pessoas que vivem a luta diária por melhores condições de vida e constituído, em sua maioria, por um povo guerreiro, que carrega vitalidade e bom humor.

Atualmente, não existem dados oficiais acerca da população oficial do bairro Liberdade. Apesar de não haver pesquisas, presume-se ser uma das localidades mais populosas da cidade, não somente por seus moradores em si, mas pelas chamadas “invasões”, que surgiram ao longo dos anos, no entorno do bairro, e que ajudam a explicar parte da violência registrada na Liberdade.

Para entender o que é hoje a Liberdade, é necessário voltar no tempo. Mais especificamente ao início do século XX, em 1918. Foi nesse ano que se estabeleceu no bairro, ainda conhecido como Campina do Matadouro, os primeiros moradores. Muitos deles oriundos do interior do Maranhão, em busca de uma vida melhor na capital maranhense. Até a década de 1930, começaram a ser construídas as primeiras casas, feitas por pessoas que migraram do interior e por trabalhadores do próprio matadouro, que recebiam à época uma espécie de “ajuda de custo” para residir próximo ao empreendimento.

Historiadores apontam ainda que a Liberdade começou a surgir no antigo Sítio Itamacaca, de propriedade de Ana Joaquina Jansen Pereira. Em meados da segunda metade da década de 1930, o então prefeito, Otacylio Saboya Ribeiro, rescindiu o contrato com a chamada Companhia Matadouro Modelo pelas “péssimas condições de higiene no local”. O empreendimento foi reaberto nos anos 1940 e fechado novamente 10 anos depois.

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Oficialização
Por intermédio de Lei Municipal nº 1.749, de 1967, o bairro ganhou oficialmente o nome atual de Liberdade. Há várias versões para a origem do nome. No entanto, a mais próxima da realidade faz menção às ocupações ilegais construídas no entorno do então Matadouro Modelo e que, até hoje, são pertencentes à Marinha.

Está em andamento, inclusive, uma negociação para a concessão de áreas ocupadas por comunidades na Liberdade e que integram a demarcação da Marinha.

Produção da baixada
De acordo com os moradores mais antigos da Liberdade, a produção bovina usada pelo Matadouro Modelo chegava até o bairro por duas vias: pelo rio Anil e pela linha férrea São Luís/Teresina, cujos trilhos passavam pela Avenida Luiz Rocha.

Por via aquática, a produção (oriunda da Baixada Maranhense, de cidades como Guimarães e Anajatuba) saía das embarcações e se dirigia até o Matadouro por “mangas”, espécie de corredor improvisado. Por via férrea, os bois eram levados por trabalhadores do próprio Matadouro.

[e-s001]Festa para a manada passava
De 15 em 15 dias, era recorrente a população da Liberdade se deparar com a chamada do trabalhador do Matadouro dizendo: “Olha o boi! Tá chegando o boi!”. Quando essa mensagem era propagada, os moradores somente tinham duas coisas a fazer: os mais “medrosos” se trancavam em suas residências, para evitar que os bois, no caminho até o Matadouro, entrassem nas casas, e os mais corajosos, neste caso, os adolescentes da época, iam atrás deles, como se fosse uma brincadeira. “Eu acompanhava os bois até o Matadouro. Para a gente, que era criança, há 40, 50 anos atrás, isso era uma festa!” disse Francisco Benedito das Chagas, de 67 anos, nascido e criado na Liberdade.

Há quem diga que algumas pessoas recorriam às mandingas para evitar que os bois entrassem nas casas. Conforme cita o professor da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) Alcimar Pinheiro, filho de “Seu Doca”, um dos moradores mais antigos da Liberdade, algumas pessoas colocavam sal grosso no fogareiro. “Quando fazia aquele barulho, muita gente acreditava que isso espantava a manada. Na verdade, era uma crendice, mas muito seguida pelas pessoas”, contou.

Seu Olegário de Carvalho Gama, outro morador antigo do bairro, contou a O Estado uma história curiosa sobre as manadas
que passavam da linha férrea até o Matadouro. “Quando os bois estavam vindo, algumas pessoas aguardavam lá no São Cristóvão, onde o trem costumava fazer uma parada para tirar a venda dos bois mais brabos. Ou seja, quando eles desciam na Liberdade, ninguém sabia qual era o boi manso e qual era o boi brabo”, disse.

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