Artigo

As portas de paparaúba

Atualizada em 11/10/2022 às 12h31

Estive em Brasília nesta semana que passou e enquanto percorria o trajeto do aeroporto até o hotel onde ficaria hospedado, chamou-me atenção o trânsito engarrafado, a quantidade de sinais e o tamanho da cidade. Muito diferente daquela Brasília do meu tempo de estudante.

Enquanto passava pelo Eixão, deixei-me levar absorto em meus pensamentos, pelo percurso que fazia, a pé, entre a SQS 405 e o colégio Elefante Branco onde estudava. Mais em seguida, cruzei a portaria em frente à UnB onde passei 5 anos de minha vida em busca de meu certificado. O primeiro filho de Pinheiro a ser graduado em engenharia mecânica!

De súbito, o pensamento me devolveu a minha terra natal.

Lembrei do churrasco na casa do Ozório Abreu em que resolvi comemorar a conquista na presença da família e dos meus amigos mais chegados.

O Jornal Cidade de Pinheiro noticiou em primeira página o feito e Seu Leite (meu tio avô Ernani) lamentou o dinheiro gasto pelo meu pai.

- Mas ora vejam o que o Orlico fez! Gastou o dinheiro todo pra mandar o filho estudar fora e agora o menino volta como mecânico! Fosse pra isso, melhor teria ficado aqui na oficina de Ataliba.

Ato contínuo, minha mente projetou a imagem da casa de Seu Leite, na esquina da ladeira em direção à beirada do campo, com suas portas de paparaúba que recebeu de presente de seu pai, capitão João Leite, pouco depois de ter casado com Julieta.

A paparaúba, árvore da família das simarubáceas, é considerada o mogno branco. Trata-se de uma madeira leve, sedosa, cujo sabor, acredito eu, não agrada muito aos cupins. Só não pode pegar água!

O velho capitão havia prometido ajudar seu filho Ernani dando a ele umas dúzias de tábuas de paparaúba que estavam há muito muito tempo gradeadas para secar, armazenadas na casinha coberta de palha, no fundo do quintal, local em que as galinhas faziam de poleiro.

Ernâni estava interessado em fazer umas portas para sua nova morada e contratou logo uns carregadores para ajudá-lo a pegar na casa do pai, o presente que acabara de ganhar.

Arreliado como poucos, o capitão João Leite não suportava quem se postava ao seu lado para se lastimar da sorte. Sentado em sua cadeira de embalo, passagem obrigatória dos carregadores que vinham do quintal em direção à porta de saída, observava atentamente aquele movimento de vai e vem dos trabalhadores com as tábuas na cabeça. Coçavam-se todos e reclamavam dos piolhos das galinhas.

O velho João Leite foi se impacientando e a certa altura perguntou:

- Vocês vieram aqui em casa para buscar tábua ou piolho? Ao que eles, em uníssono, responderam:

- Nós viemos buscar as tábuas, capitão.

- Pois então podem voltar e deixar meus piolhos! Retrucou o velho João Leite.

O certo é que as portas de paparaúba acompanharam Ernâni até os últimos dias de sua vida.

Já casado e estabelecido como bem-sucedido comerciante de Pinheiro, Seu Leite resolveu aprender a tocar saxofone. Mandou importar da Itália um autêntico Luigi Alziati, o melhor sax alto fabricado até então e com ele divertia-se sempre que encontrava um tempo disponível. Aos sábados, após o tradicional cochilo que se seguia ao almoço, tinha um compromisso inadiável: aula de música.

Teria de que passar obrigatoriamente em frente ao Obelisco (marco comemorativo do centenário de fundação da cidade de Pinheiro) onde se reunia um grupo de fofoqueiros comandamos por Godi, Zeca Guterres, João Ubaldo e Gereba, que faziam daquele ponto seu quartel general para atualizarem os acontecimentos da semana e falar mal da vida alheia.

Quando o sol começava a abrandar, seu Leite, vestia-se com esmero. Terno de linho branco e sapato bicolor e partia em direção à Escola de música do professor Edelson, empunhando aquele estojo de couro preto que acomodava o instrumento. Despontava na ladeira e passava pelo grupo com toda a sua elegância e picardia. Cumprimentava a todos e continuava rumo à casa de seu professor.

Nem bem se afastava do Obelisco e todos comentavam:

- Se tocasse tanto quanto gosta...

O casarão, com suas portas de paparaúba, continua de pé até os dias de hoje e Seu Leite se foi sem dominar todas aquelas teclas do seu saxofone.

José Jorge Leite Soares

Ex-deputado estadual, membro da Academia Pinheirense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão

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