Vida Ciência

A Matéria Escura: uma parte do universo

A matéria escura é o problema mais duradouro sem resposta na astrofísica e também pode ser o vislumbre da física que vá além do Modelo Padrão das partículas

Antonio José Silva Oliveira, físico, doutor em Física Atômica e Molecular, pós-doutor em Jornalismo Científico. Professor da UFMA

Atualizada em 11/10/2022 às 12h31

Na presente edição da página Vida Ciência, vamos discorrer sobre um tema que recentemente foi assunto nos principais veículos de comunicação. Trata-se do enigma da Matéria Escura, cujo referencial teórico para fundamentar nossas reflexões, é o artigo “Em busca da escuridão”, da Scientific American, edição 181, março de 2018, e suas referências.

Uma pergunta que nos acompanha desde os primórdios da humanidade e não silencia é como o Universo é composto. Em busca desta resposta, dois aspectos se confrontam no âmbito de nossa percepção: um é o que vemos e outro é o que sentimos. Por um lado, nós olhamos matéria luminosa, ou melhor, espectro de radiação eletromagnética no comprimento da luz visível. Por outro, o que medimos e sentimos, que são ondas eletromagnéticas advindas de fenômenos que ocorreram no universo na forma de onda de rádio, raios-X, gama, partículas subatômicas e uma parcela insignificante de campo que exerce a função gravitacional.

Na verdade, o que procuramos são corpos celestes, medimos suas distâncias atribuindo-lhes uma massa e retirando suas propriedades pelas maravilhosas leis da Física, em especial a da Gravitação Universal, mas o que nos desafia como um dos enigmas do Universo é uma matéria que distorce o espaço por meio de um forte campo gravitacional denominada de Matéria Escura. É uma parte do Universo que os Físicos sabem que existe, mas ainda não sabem exatamente o que seja.
É considerada matéria, porque se consegue medir sua existência por meio do forte campo gravitacional que ela exerce. É escura, porque não emite nenhuma luz, ou seja, é conhecida fenomenologicamente pelas causas e efeitos fisicamente detectados, mas é algo cuja natureza é desconhecida e de difícil detecção.

[e-s001]Matéria Escura
Da mesma forma que os buracos negros, a Matéria Escura escapa às nossas observações diretas. Sabemos com certeza que existe somente porque vemos os seus efeitos sobre a matéria luminosa. A luz penetra e não reflete para um meio exterior à sua vizinhança. A pergunta é como medir a quantidade desta matéria em uma galáxia?

Uma das formas é medindo sua luminosidade: galáxias mais luminosas contêm mais estrelas e, portanto, são mais maciças. Tem-se assim uma medida direta da massa luminosa das galáxias. Existem, porém, outros métodos mais gerais para avaliar a massa total de uma galáxia: eles exploram o movimento de rotação que se estende a todas as suas estrelas, típico das "galáxias em espiral".

Podemos usar como exemplo os planetas do sistema solar, as estrelas e as nuvens de gás que compõem essas galáxias que são orientadas por um movimento de rotação e descrevem órbitas mais ou menos circulares em torno do centro. Nesse movimento, a velocidade de cada estrela depende, além da distância do seu centro, da parcela de massa galáctica presente no interior da sua órbita. Portanto, o estudo sistemático desses movimentos nos permite medir a massa total das galáxias em espiral.

O gráfico das velocidades medidas em função da distância do centro é chamado de curva de rotação galáctica. Como exemplo citamos a velocidade do Sol em torno do seu eixo que é de aproximadamente 160 km/s levando em conta a matéria visível (luminosa), mas a observada (medida) é de 220 km/s. A diferença é devido à matéria escura.

[e-s001]Galáxia em Rotação
A existência de Matéria Escura nos conjuntos de galáxias é conhecida desde 1933, quando Fritz Zwicky estudou os movimentos no conjunto de galáxias que leva o nome de Cabeleira de Berenice. Esta galáxia tem 55 mil anos-luz de diâmetro e está aproximadamente 60 milhões de anos-luz da Terra. Ele se baseou que em um sistema auto gravitante isolado (como um conjunto) denominado teorema do virial, segundo o qual a energia potencial gravitacional do sistema (proporcional à sua massa total) deve ser igual ao dobro da energia cinética total dos constituintes (as galáxias, no caso dos conjuntos).

Virial vem do latim viris, que quer dizer “energia”, ou seja, o teorema diz que a energia cinética média de um sistema de partículas é igual à metade de sua energia potencial. Isso pode ser entendido de modo intuitivo: se a energia cinética dominasse, o sistema se expandiria, ao passo que - no caso contrário - tenderia a colapsar; uma condição de equilíbrio só é possível se a energia cinética for equivalente à metade da energia potencial.

A velocidade das galáxias que compõem esse conjunto é calculável sobre a base do deslocamento Doppler das linhas presentes nos espectros galácticos; motivo pelo qual a estimativa da massa total é imediata. No caso da Cabeleira de Berenice, foi encontrado uma massa total de 9,6 x 1014 massas solares, contra uma massa luminosa de 1,4 x 1013. Portanto, a quantidade de Matéria Escura é 60 vezes maior do que a da matéria luminosa.

[e-s001]Galáxia NGC 4414
Foi noticiado recentemente que astrofísicos de universidades norte-americanas e canadenses descobriram uma galáxia com níveis irrelevantes de Matéria Escura. Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores mediram a velocidade de 10 aglomerados globulares — conjuntos cintilantes de milhões de estrelas — e verificaram que eles se movem lentamente. A galáxia pesquisada foi a NGC1052-DF2 e está localizada a 65 milhões de anos-luz. Como a quantidade de matéria está relacionada diretamente à velocidade de uma galáxia, concluíram a existência de pouca presença de matéria escura no sistema.

Segundo o modelo cosmológico padrão, o Universo é um espaço com curvatura constante, que pode se expandir ou contrair durante a sua evolução. Mas como o espaço é homogêneo e isotrópico, não pode existir nenhum "Centro do Universo" em relação ao qual ocorra a expansão ou contração. Esse aparente paradoxo pode ser compreendido se imaginarmos que o Universo é semelhante à superfície de um balão que pode ser inflado ou esvaziado. A superfície externa do balão é o análogo bidimensional de um espaço com curvatura constante positiva, enquanto a do seu interior corresponde a um espaço de curvatura negativa (http://universitario.net/especiais/o-enigma-da-materia-escura/4/).

O Universo expandiu-se desde a sua origem com o Big Bang, ocorrido por volta de 15 bilhões de anos atrás; e essa expansão se manifesta no movimento de distanciamento recíproco das galáxias, descoberto por Edwin Hubble, em 1929. No âmbito do modelo cosmológico padrão, a expansão cósmica é sempre desacelerada, em virtude da atração gravitacional entre os objetos que o compõem. Desta forma, tanto a geometria do Universo, quanto a sua evolução dependem da quantidade de matéria que ele contém.

Podemos então concluir que desde o menor ser vivo da Terra quanto a maior estrela é composto de matéria. A matéria escura, substância misteriosa percebida através de sua atração gravitacional em outros objetos, compõe pouco menos que 30% do Cosmos. Não se sabe a sua composição, mas acredita-se que ela é formada em parte por neutrinos, que são partículas subatômicas de massa infinitesimal e carga elétrica nula. Depois dos fótons, eles são o tipo de partícula mais abundante no universo. Apesar de sua massa ser muito pequena, acredita-se que a quantidade de neutrinos existente em uma galáxia seja grande o suficiente para explicar parte da matéria escura.

A matéria escura é o problema mais duradouro sem resposta na astrofísica e também pode ser o vislumbre da física que vá além do Modelo Padrão das partículas. Embora seus efeitos gravitacionais sejam medidos de forma consistente, ninguém sabe o que é ou de que ela é feita.

Portanto, muitas ainda são as perguntas sobre o Universo, mas por enquanto ainda não se conseguiu determinar por completo a composição dessa misteriosa e enigmática matéria.

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