Artigo

Ensaio de Franklin sobre Josué continua repercutindo fora do MA

Arlete Nogueira da Cruz

- Atualizada em 11/10/2022 às 12h31
O escritor maranhense Josué Montello com  Franklin de Oliveira, autor do ensaio, em registro
O escritor maranhense Josué Montello com Franklin de Oliveira, autor do ensaio, em registro (Josué Montello e Franklin de Oliveira)

Há poucos dias foi transcrito neste jornal um artigo do excelente ensaísta carioca Fernando Py, publicado na Tribuna de Petrópolis (RJ), destacando a importância do ensaio de Franklin de Oliveira “A saga romanesca de Josué Montello”. Junto com o artigo de Fernando Py, foram citadas manifestações de Alexei Bueno e Antonio Carlos Secchin, havendo outras, de Cláudio Murilo Leal e Ivo Barroso, todos elogiando o ensaio. Em São Luís, Adonay Moreira também escreveu um artigo sobre o livro.

O ensaio em questão, que organizei e prefaciei, assumindo inclusive sua despesa editorial junto à Contracapa (RJ) de Luís Eduardo Meira de Vasconcellos que o lançou no mercado, representa uma homenagem aos dois escritores pela passagem do centenário de nascimento de ambos. Sempre achei que o lançamento deste ensaio seria uma das mais necessárias e expressivas homenagens a Josué e Franklin, certa também do acolhimento que receberia por parte da crítica nacional.
Chegou-me há pouco outro artigo, agora de Mario Pontes (ficcionista, tradutor de obras de ensaio e ficção, ex-editor do Caderno Livro do Jornal do Brasil), escrito com admirável precisão cirúrgica, intitulado “Montello e seus personagens muito humanos”. Publicado na capital federal pela revista Brasília Capital (17/23-3-2018), é mais uma importante voz que se manifesta a favor de “A saga romanesca de Josué Montello”.
A repercussão nacional deste livro, através de idôneas inteligências, deixa-me feliz e compensada. A verdade é que este ensaio do autor de “Morte da memória nacional”, partindo como partiu de um tal poder de interpretação e erudição, coloca com justiça no devido lugar o valor do romancista Josué Montello.

Vejam um pouco do que diz Mario Pontes: “Em seus romances, que viajam séculos pela história maranhense, heróis e anti-heróis não se distinguem pela cor da camisa. Suas criaturas, como acontece a 99,99% dos humanos, estão sujeitos aos caprichos da existência, são fortes hoje e fracas amanhã ou vice-versa. Isso fazia dele [Josué] alvo dos que ingerem com o café da manhã sua primeira e embriagadora dose de ideologia – preta ou branca, vermelha ou cor de chumbo. (...) Um personagem digno de tal nome não traria os cabelos molhados pela água do batismo, nem o peito tatuado com certidão de nascimento. Distingue um autêntico personagem a variada extensão de sua vida interior. O que aliás foi observado por Franklin de Oliveira em seu belo ensaio A saga romanesca de Josué Montello (...) Os autênticos questionam e se questionam todos os dias. Catecismos e códigos de classe não regem suas mentes. São seres humanos, e como tal, pensam, agem, erram e acertam. Críticos de Montello sabiam disso. Mas como lhes faltavam argumentos para contestá-lo no plano da criação, atacavam-no por ter sido diretor desta ou daquela importante repartição pública ou – que horror! – por ter entrado para a Academia Brasileira de Letras...”

É isso aí. Esta repercussão nacional me deixa feliz: Franklin, Josué e o Maranhão a merecem.

Escritora

A repercussão nacional deste livro, através de idôneas inteligências, deixa-me feliz e compensada”Arlete Nogueira da Cruz

Montello e seus personagens muito humanos

Mário Pontes


Depois de anos de ler seus livros, coube-me conhecer pessoalmente Josué Montello... em tempo de guerra. Falo da guerra ideológica. Que embora antiga, então dividia a intelectualidade em dois grupos opostos. A paulatina transformação de ideias em ideologias instalara um clima de rude conflito entre intelectuais de direita e esquerda, ou tidos como tais. Os que abdicavam de pensar, transferiam suas capacidades de julgar aos autores dos novos catecismos. Tão pétreos quanto os engendrados há séculos; como eles, recheados de dogmas, exigências de que os incrédulos fossem tratados como inimigos, odiados e combatidos sem piedade.
Embora conservasse o essencial de suas crenças religiosas, Montello (maranhense descendente de italianos) recusava-se a brigar por elas. E, como escritor, a permitir que contaminassem e distorcessem sua criação. Em seus romances, que viajam séculos pela história maranhense, heróis e anti-heróis não se distinguem pela cor da camisa. Suas criaturas, como acontece a 99,99% dos humanos, estão sujeitas aos caprichos da existência, são fortes hoje e fracas amanhã ou vice-versa. Isso fazia dele alvo dos que ingerem com o café da manhã sua primeira e embriagadora dose de ideologia – preta ou branca, vermelha ou cor de chumbo.
Não lhe perdoavam a recusa de atar seus personagens aos interesses de classe, como ditavam os figurinos ideológicos. A segui-los e julgá-los conforme as respostas de algum catecismo. Isso, insistimos, não implicava que os heróis de sua saga fossem imunes a ideias políticas ou religiosas. Elas, porém, jamais os definiriam. Um personagem digno de tal nome não traria os cabelos molhados pela água do batismo, nem o peito tatuado com a certidão de nascimento.
Distingue um autêntico personagem a variada extensão da sua vida interior. O que aliás foi observado por Franklin de Oliveira em seu belo ensaio A saga romanesca de José Montello, há pouco editado em sua versão completa, com esclarecedor prefácio de Arlete Nogueira da Cruz, escritora maranhense que me honra com sua amizade. Os autênticos questionam e se questionam todos os dias. Catecismos e códigos de classe não regem suas mentes. São seres humanos, e como tal, pensam, agem, erram e acertam.
Críticos de Montello sabiam disso. Mas como lhes faltavam argumentos para contestá-lo no plano da criação, atacavam-no por ter sido diretor desta ou daquela importante repartição pública ou – que horror! – por ter entrado para a Academia Brasileira de Letras. Quanto a mim, jamais o ataquei ou elogiei em vão. Por isso fomos amigos. Desinteressados, na medida em que o desinteresse é possível, e portanto verdadeiro.

Mário Pontes é ex-editor do Caderno Livro do Jornal do Brasil, ficcionista e tradutor de obras de ficção e ensaio.

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