Da agonia à alegria

Clara Fernanda: como está a menina levada de maternidade há 9 anos

Caso comoveu São Luís na época; hoje, Clara Fernanda mora em uma casa simples com seus pais, que passaram por toda a angústia do seu sumiço; menina sonha em ser escritora; até hoje, família não recebeu indenização

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h32

[e-s001]Eram 13h de uma sexta-feira, dia 6 de março de 2009. Com pouco mais de dois quilos, Clara Fernanda Jurema Garcês era levada da família na Santa Casa de Misericórdia (na Rua da Misericórdia, Centro), algumas horas após o seu nascimento. Seria o começo de uma angústia familiar que repercutiu na sociedade maranhense e em outros estados. A ausência de notícias durou cerca de 15 dias, quando a polícia apresentou Danielly Alves Diniz como autora intelectual do rapto do bebê. Uma nova vida foi dada para a família de Clara Fernanda, a jovem que hoje esbanja simpatia e sonha em ser uma escritora famosa.

Ao receber O Estado em sua casa, no último dia 4, os pais de Clara Fernanda, o feirante José Ribamar Pereira Dutra e a agente de saúde Luzieth Garcês Jurema, reviveram os dias que, segundo eles, seriam os mais marcantes de suas vidas. A família ainda reside na mesma casa, no bairro São Raimundo, no município de São José de Ribamar, assim como há nove anos. A rotina simples e difícil contrasta com a alegria contida no rosto dos pais ao lembrarem que a história teve um final feliz.

Ao lado de José Ribamar e Luzieth, Clara Fernanda – atualmente com 9 anos e no 4º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública do município ribamarense - estampa um sorriso que não remete em nada aos momentos de desespero vividos por seus pais enquanto estava desaparecida. “Eu, até há pouco tempo, não sabia o que tinha acontecido comigo”, disse a menina.

Mesmo após tanto tempo, a mãe de Clara ainda se emociona ao lembrar do instante em que soube que a filha tinha sido raptada. “Na verdade, a Clara sumiu no dia 6, mas eu fui saber somente no dia seguinte o que tinha acontecido”, disse. A mãe de Clara disse que não sabia o que pensar nesse instante. “A minha vontade era de sair correndo e ir atrás de minha filha, mas estava ainda muito debilitada. Foi um desespero só. Ficamos sem chão”, disse.

A partir da confirmação do desaparecimento do bebê, começou uma corrida em busca de notícias da criança, que ainda necessitava de cuidados médicos. Equipes da Delegacia da Criança e Proteção ao Adolescente (DPCA), além de imprensa e outros representantes da sociedade civil, deram início a uma campanha maciça em prol da criança. Os jornais, entre eles O Estado, repercutiram o caso e acompanharam as investigações.

[e-s001]O delegado que liderou as apurações, Milton Pereira, identificou duas técnicas de enfermagem, Hormígida Oliveira Muniz e Maria do Carmo Vieira dos Santos, que teriam sido pagas por uma mulher, Danielly Alves Diniz, para levar uma criança da unidade de saúde. Em depoimento após ser presa, Danielly teria informado que o valor combinado para pagamento seria de R$ 1,5 mil, no entanto, ela negou que tenha orientado as técnicas a raptar a criança.

Ela chegou a afirmar em entrevista exclusiva dada à época ao repórter da Rádio Mirante AM, Marcial Lima, que, neste caso, era “vítima, tanto quanto à mãe de Clara Fernanda” e disse que, na verdade, estava tentando adotar uma criança.
Mesmo com a negativa de Danielly, a partir destas informações e ouvindo funcionários, a polícia chegou até uma residência no Bairro de Fátima, onde a criança estava com os pais de Danielly, em um quarto montado especialmente para o bebê.

Seria o desfecho de uma história que poderia ter um final triste, já que Danielly, por pouco, não registrou a criança como sendo dela, em um cartório da Maternidade Benedito Leite. “Eu tenho certeza de que, se houvesse esse registro da Clara [Fernanda], minha filha teria sumido e nunca mais a teríamos visto”, disse José Ribamar, pai de Clara.

Após ser localizada, Clara Fernanda – com duas semanas de vida – foi finalmente colocada nos braços da mãe, que conseguiu, pela primeira vez, amamentar a filha no quarto 301 do Setor de Obstetrícia da Santa Casa. O registro do momento importante para a família foi feito pelas lentes do repórter fotográfico de O Estado José de Jesus. “Foi um momento que nunca vou esquecer na minha vida, quando finalmente pude colocar a minha filha em meus braços e saber que ela nunca mais seria levada de mim”, lembrou Luzieth. A edição impressa do matutino do dia 21 de março de 2009, que registrou o reencontro familiar, foi guardada pela família de Clara Fernanda. “Esse exemplar também faz parte da nossa história”, afirmou a mãe de Clara.

LEIA TAMBÉM:

Mesmo com decisão judicial, família não recebeu indenização


Recomeço
Enquanto as autoras foram presas, a família de Clara Fernanda voltou para a sua residência. O retorno ocorreu no dia 30 de março de 2009, 10 dias após o reencontro da mãe com a filha (devido à confirmação necessária feita pelo exame de DNA). Desde então, os pais e a jovem enfrentam dificuldades com esperança e bom-humor.

Atualmente, eles - além de Deivid, irmão mais velho de Clara Fernanda, - superam os traumas e vivem em harmonia. O pai de Clara é feirante e vende frangos em um box em Ribamar. Para manter a renda familiar, José Ribamar também é mototaxista à noite. “Para a gente conseguir sobreviver, tem de se virar. Sem dúvida, mais uma fonte de renda é importante”, disse.

A casa da família está localizada na Rua Professora Regina Pereira, que expõe vários problemas de saneamento básico. A via não está asfaltada e, em dias de chuva, a família precisa lidar com a água invadindo a residência. “São problemas que nós enfrentamos no dia a dia e, ainda assim, não desanimamos”, disse Luzieth. O local também é um dos mais violentos da zona urbana de Ribamar. “Não dá para brincar na rua”, reclamou Clara Fernanda.

Sem rancor e só gratidão
“Eu não guardo raiva de ninguém. Pelo contrário, agradeço a Deus pela minha filha estar conosco”. A declaração de José Ribamar Pereira expõe o sentimento da família após o caso. Eles agradecem, a todo momento, ao delegado Milton Pereira.
Para o pai da jovem, ele foi peça fundamental na elucidação do caso. “Se não fosse especialmente pelo empenho do doutor Milton [Pereira, delegado], poderia ser que a minha filha nunca aparecesse”, confidenciou o feirante.

O sentimento de gratidão da família não mudou, mesmo anos após o episódio. Há nove anos, em reportagem sobre o caso publicada por O Estado em sua edição impressa do dia 21 de março de 2009, a agente de saúde Luzieth Garcês citou a esperança como sentimento fundamental. “Durante esses 15 dias, nunca perdi a esperança de ter minha menina de volta. Apeguei-me muito a Deus e ele realizou este milagre”, disse.

Cheia de sonhos
No dia a dia, Clara Fernanda demonstra ser uma jovem muito simpática e alegre. Para ela, em nada mudou saber que havia sido raptada. “Para mim, não muda nada. Pelo contrário, tenho que aguentar somente as brincadeiras do meu tio”, disse. Ao ser questionada sobre qual profissão seguir, a jovem foi categórica. “Quero ser escritora!”, afirmou.

Clara escreve as suas próprias histórias. no entanto, há um capítulo em especial de sua biografia que, para ela, já foi apagado. “Se eu fosse escrever um livro de minha vida, não colocaria este capítulo. Quero que ele faça parte do passado”, afirmou.

Quase despejados
A família de Clara Fernanda, enquanto esperava por notícias da criança, por pouco não foi desepejada da Santa Casa. Dias antes de ser encontrada, a mãe por pouco não recebeu alta. “Isso quase aconteceu. Eu não sei por que razão queriam a gente fora dali, mas isso quase aconteceu”, disse José Ribamar.

O apoio da imprensa e da opinião pública que, à época, era totalmente favorável à família de Clara, foram fundamentais para que a família somente deixasse o hospital com a criança nos braços. “Eu disse para a direção na ocasião que eu só sairia dali com minha filha nos meus braços. Eu entrei lá com esse objetivo e não iria desistir dele”, afirmou Luzieth Garcês.

Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais Twitter, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.