Do passado ao presente

Lembranças e peculiaridades do tradicional Mercado Central

Entregue à população durante o governo varguista e após a expansão da Magalhães de Almeida, espaço de comércio ainda reserva boas histórias, mas sofre com descaso; antigos comerciantes ainda vivem do seu trabalho no local

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h33
Barbearia mantém viva a tradição de fazer uma boa barba com a velha navalha amolada, por vários anos, com pedra esmeril.
Barbearia mantém viva a tradição de fazer uma boa barba com a velha navalha amolada, por vários anos, com pedra esmeril.

SÃO LUÍS - O “Eu quero!” era o som mais ouvido no Mercado Central de São Luís - situado entre as avenidas Magalhães de Almeida e Guaxenduba - e propagado por clientes do local mais frequentado da cidade por quem desejava os melhores produtos pelo preço “mais em conta”, até meados da década de 1980. Entregue à população durante o governo de Getúlio Vargas no dia 12 de maio de 1941, pelo interventor Paulo Ramos, o local ainda preserva tradições e grandes personagens. No entanto, sofre com os maus-tratos do poder público, que, há anos, promete uma obra de reforma do prédio que nunca saiu do papel.

Basta circular uma tarde no Mercado Central para entender um pouco da história de um lugar que já funcionou como o centro nervoso de produção de energia da capital maranhense (antigo gasômetro) e como abatedouro (não-oficial) dos animais trazidos da Baixada Maranhense para a capital por pessoas que atracavam suas embarcações nas proximidades dos prostíbulos adjacentes. Hoje, recebe comerciantes que oferecem de tudo, até mesmo a “pílula-contra” - espécie de comprimido capaz de curar várias doenças, segundo quem vende.

Logo na entrada, é possível ver o Comércio do Totó, estabelecimento agora pacato (pela fuga de fregueses causada pela concorrência em geral), que oferece desde cordas de todos os tamanhos, passando por um instrumento feito apenas para “raspar a carne do coco”. O dono do local, mesmo com a propaganda dos produtos, não quis muita conversa com O Estado. “Não quero falar, não, pois já vieram vários de vocês aqui e não se resolveu nada”, disse sem expor o nome.

Ao lado do Totó, há a loja da dona Fátima, oferecendo o que há de mais variado no artesanato local, segundo ela produzido
por comunidades indígenas em Barra do Corda. Para quem deseja algo ainda mais rústico e, ao mesmo tempo, prático, há as peças de tucum (carnaúba) usadas na cozinha. Mesmo com produtos de qualidade, a comerciante reclama da baixa demanda. “Não estamos em época boa”, disse Fátima Martins.

“Morador antigo do Mercado”

O comerciante Sebastião Moraes está há 52 anos no mesmo espaço, no Mercado Central. Ele criou filhos e netos revendendo alimentos em geral e diversas espécies de pássaros, que chamam a atenção de quem passa a pé ou de carro por uma das laterais do prédio. Seu Sebastião, como é conhecido, já passou por apuros. O mais recente foi em 2016, quando o seu estabelecimento foi consumido pelas chamas. “Perdi tudo, mas consegui me reconstruir!”, disse.

O barbeiro da tesoura meticulosa

De segunda-feira a domingo - o Salão São Bento - que já está na terceira geração (aberto por José Pinheiro) é atualmente administrado por vários barbeiros cheios de histórias. Desde deputados, passando por coronéis e até mesmo o ex-presidente da República José Sarney, já teve os cabelos cortados pelos profissionais do São Bento. O estabelecimento mantém viva a tradição de fazer uma boa barba com a velha navalha amolada, por vários anos, com pedra esmeril.

Um dos mais falantes do estabelecimento é Raimundo José Ferreira. Ainda funcionário público, o barbeiro contou quando foi premiado com “pagamento extra” por um cliente, após um procedimento cirúrgico involuntário. “Esse cliente tinha um sinal no rosto, que há anos queria tirar. Quando ele veio aqui nesta cadeira da Rua da Inconfidência, de São Paulo, para tirar a barba, passei a espuma e o sinal ficou imperceptível. Na primeira passada da navalha, veio o sinal. Pensei que o cliente ficaria furioso. Pelo contrário. Ficou alegre e me deu uma gorjeta generosa”, disse.

O mais famoso barbeiro do local é Antônio Souza, conhecido como “Antônio Barbeiro” e denominado, por ele mesmo, como o profissional da “tesoura meticulosa do talho inconfundível”. Ele se orgulha por ter cortado o cabelo de crianças a adultos. De gente pobre a mais ricos. “Até mesmo cortei o cabelo do presidente Sarney. Tenho a foto até hoje”, envaideceu-se.

[e-s001]Vendedores dos vendedores
Para dinamizar o comércio dentro do Mercado Central, há a figura do vendedor do vendedor, uma espécie de revendedor interno que recebe parte da produção do dono de um estabelecimento, já fixado no local. A lógica é simples: paga-se a mais para se ter o produto exposto em diferentes pontos do mercado e o lucro é dividido entre dono do produto e revendedor.

Um desses revendedores é Marcos Ferreira. Natural de Alcântara, com 8 anos veio para a capital e logo se especializou em comércio. Atualmente, vende tonéis e gaiolas em uma esquina do Mercado Central. “Meu patrão me dá uma parte da produção, eu vou para outra parte do Mercado e vendo. O lucro é dividido”, explicou.

De duchas a ervas que curam tudo

Entre os produtos - alimentos e bebidas - comercializados no Mercado Central, há os que chamam a atenção pela especificidade e promessa de cura. No local, é possível ver de duchas vegetais - que lavam as louça e corpo, com eficiência - aos lambedores (de romã e de andiroba) que tratam qualquer gripe. Mas ninguém supera as ervas, que medicam inflamações e até mesmo diabetes.

A banca mais famosa é a de João Cordeiro, ou “Conterrâneo”, conhecido durante os quase 50 anos no mercado mais famoso da cidade. A filha dele, Maria das Dores, ressalta as ervas mais procuradas, entre elas casca de copaíba (apontada como antinflamatória) e andiroba (combate inchaço, inflamação e até mesmo diabetes). “Todas elas são procuradas e consumidas, segundo clientes”, disse. Questionada sobre como sabe do valor medicinal das ervas, ela atribui às tradições populares. “Uma pessoa tomou, testou e outras pessoas resolveram fazer a mesma coisa”, disse.

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