Tensão

Na linha de frente síria, EUA e Turquia rumam para confronto

Forças Especiais americanas desafiam ordens turcas e reforçam presença em Manbij, o lugar mais a oeste em que estão estacionados os americanos, aliados ao grupo insurgente Forças Democráticas Sírias na luta contra o EI

Atualizada em 11/10/2022 às 12h33

ESTADOS UNIDOS - Dois importantes generais americanos foram à linha de frente próxima à cidade síria de Manbij com bandeiras americanas em seus veículos, caso as forças pró-turcas do outro lado da terra de ninguém, a 20 metros de distância, não percebessem quem eles eram.

"Estamos orgulhosos de nossas posições aqui e queremos garantir que todos saibam disso", disse o major-general Jamie Jarrard, o comandante de Operações Especiais na coalizão liderada pelos EUA no Iraque e na Síria.

Caso a mensagem para a Turquia ainda não estivesse clara, o comandante geral da coalizão que acompanhava Jarrard, o tenente-general Paul Funk, elaborou: "Vocês nos atingem, nós responderemos agressivamente. Nós nos defenderemos".

A viagem foi a primeira de militares tão graduados dos EUA à frente no norte da Síria desde que o presidente turco ameaçou atacar a cidade de Manbij, chamando-a de bastião de terroristas e exigindo a saída das forças dos EUA.

Mas os americanos se recusaram, criando o potencial para um conflito armado sem precedentes entre dois aliados da Otan, os EUA e a Turquia --a última virada na guerra de sete anos na Síria.

Essa parte do norte da Síria já foi dominada por militantes do Estado Islâmico. Os EUA e seus aliados, os combatentes curdos sírios, colaboraram mais de um ano atrás para expulsá-los.

Mas nessa iniciativa os EUA irritaram a Turquia, que há muito considera os curdos inimigos. Agora os turcos estão apontando suas armas para os curdos, preparando uma possível luta com os americanos.

Funk tinha uma pistola automática pendurada no peito. Suas três estrelas no uniforme seriam facilmente visíveis com binóculos pelas milícias sírias aliadas à Turquia do outro lado da linha de frente, quando ele se postou de pé sobre um telhado protegido por sacos de areia. Ele estava cercado por soldados das Forças Especiais e combatentes árabes e curdos do Conselho Militar de Manbij, a autoridade que governa a região.

Os dois generais chegaram ao posto de fronteira em carros não blindados, em um comboio que incluía vários transportes de pessoal blindados resistentes a minas, assim como Land Cruisers para soldados das Forças Especiais, com antenas, pneus sobressalentes e galões de combustível sobre as capotas.

Manbij é o lugar mais a oeste em que estão estacionados os americanos, aliados ao grupo insurgente Forças Democráticas Sírias na luta contra o EI.

De pé sobre o telhado na linha de frente, Funk abordou o comandante do Conselho Militar, Muhammed Abu Adel: "A derrota duradoura do EI é a missão mais importante para este grupo", disse ele a Adel, um curdo, embora a maioria de seus combatentes sejam árabes moradores do local. "Está em suas mãos agora, e vocês estão fazendo um bom trabalho. Um time, uma luta."

Adel agradeceu a ele e disse esperar que o poder aéreo dos EUA continue ajudando suas forças. O general não respondeu diretamente.

O apoio americano a Manbij alarmou especialmente a Turquia. Ela está travando uma campanha militar para tomar a cidade de Afrin, em poder dos curdos, a 130 km a oeste, enquanto segue uma campanha de relações públicas incomumente clara para ameaçar Manbij e fazer os americanos partirem, de modo que as milícias sírias alinhadas às forças turcas possam tomá-la dos aliados americanos liderados pelos curdos.

Na terça-feira,6, mais uma vez, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, criticou o apoio americano a Manbij. "Eles nos dizem: 'Não venham a Manbij'. Nós iremos a Manbij para entregar esses territórios a seus donos de direito", disse Erdogan em um discurso a seu partido.

O vice-primeiro-ministro turco chegou a sugerir que as tropas americanas em Manbij estão usando uniformes das Forças de Proteção do Povo Curdo (YPG, na sigla local) e que elas poderão se tornar alvos.

O YPG domina as áreas curdas no norte da Síria e é o principal componente das Forças Democráticas Sírias, aliadas americanas na luta contra o EI.

Mas em Manbij, segundo os americanos e os curdos, a força de defesa é o Conselho Militar de Manbij, aliado das Forças Democráticas Sírias, mas independente e composto principalmente por combatentes árabes.

Os turcos pintam o YPG como uma versão do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), proscrito, um grupo separatista considerado organização terrorista pelos EUA e pela Europa.

Os americanos prometeram ficar em Manbij e apoiar seus aliados. Mas as forças americanas lá são apenas algumas centenas de um total de 2.000 em todo o norte da Síria, principalmente tropas de Operações Especiais. Os turcos e as milícias suas aliadas, o Exército Livre Sírio que combate ao redor de Afrin, são estimadas em 20 mil ao todo. Turcos e americanos têm forças aéreas substanciais na área.

Ameaças

Mesmo que os turcos não ponham em prática suas ameaças, a luta em Afrin prejudicou indiretamente o esforço liderado pelos EUA contra o EI. Enquanto as Forças Democráticas Sírias mobilizam combatentes para lutar em Afrin, elas enfraquecem a campanha contra o EI a leste.

"É ilógico que enquanto estamos combatendo o EI, o inimigo do mundo, os turcos nos ataquem em Afrin", disse Shervan Derwish, porta-voz do Conselho Militar de Manbij. "Nossa luta contra o EI teve de ser reduzida para podermos defender Afrin."

O conselho militar, apoiado pelas tropas de Operações Especiais e por poder aéreo dos EUA, derrotou o EI em Manbij em agosto de 2016 e estabeleceu um governo local que controla a área desde então.

"Antes de eles chegarem aqui, isto era uma estrada para combatentes terroristas islâmicos do mundo inteiro entrarem no califado", disse Jarrard.

O conselho continua sendo uma parte importante do esforço para derrotar o EI, com muitos de seus combatentes junto de forças americanas na parte leste do país, onde restam os últimos bolsões controlados pelo EI.

Os políticos americanos temem que o conflito em Afrin, e a ameaça contra Manbij, degradem seus aliados curdos e árabes.

"Acho que nossa principal preocupação é que alguma coisa perturbe o enfoque de todo mundo no EI e na eliminação completa do califado --e estamos perto, muito perto--, algo que as pessoas não poderiam imaginar há um ano. Qualquer coisa que nos perturbe ou tire nossos olhos daquele prêmio não é boa", disse Jarrard.

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