Comportamento

Ambulatório de sexualidade atende pessoas em transição de gênero

Serviço, do HU-UFMA, oferece terapia hormonal e acompanhamento multidisciplinar a quem está em processo de transexualização; serviço está avançando

Atualizada em 11/10/2022 às 12h33
Pacientes e a equipe  que faz  todo o atendimento
Pacientes e a equipe que faz todo o atendimento (trans)

O estudante de Geografia Jhefferson Felipe Frazão, 26, faz acompanhamento no Ambulatório de Sexualidade do Hospital Universitário da UFMA (HU-UFMA) desde março de 2017. Confortável com o nome que adotou, ele pondera que é melhor ir vivendo até que os outros encarem com naturalidade o seu processo de transexualização.

“A minha família ainda não ultrapassou a barreira do preconceito. Eles não conseguem se adaptar, me chamar pelo meu nome social. No começo, é bem ruim, mas depois eu paro para pensar e percebo também o lado deles. Eu levei 26 anos para me entender, para me reconhecer, para me olhar no espelho direito, imagina eles”, dispara, enfático.

Em julho de 2016, o HU-UFMA recebeu o primeiro usuário transgênero, encaminhado pela Defensoria Pública. Hoje, há 40 pessoas em atendimento e sete na fila de espera, embora ainda estejam aguardando a habilitação do serviço pelo SUS. O projeto pioneiro no Maranhão para a criação do ambulatório de transexualidade se baseia na portaria do Ministério da Saúde nº 2.803, de 19 de novembro de 2013, que redefine e amplia o processo transexualizador no Sistema Único de Saúde (SUS), tanto na modalidade ambulatorial quanto hospitalar.

O processo de transsexualização inclui a terapia hormonal e o acompanhamento multidisciplinar, que já são oferecidas no HU-UFMA. Apenas cinco hospitais em todo o Brasil são habilitados pelo Ministério da Saúde a fazer a cirurgia de redesignação sexual. Ligados a universida­des, os hospitais ficam nos estados do Rio de janeiro, São Paulo, Pernambuco, Goiás e Rio Grande do Sul.

A ginecologista e sexóloga, Edyane Brito, diz que o serviço tem se espelhado em outros similares para avançar. “É um desafio para a toda a equipe. Estamos construindo juntos todo o processo. Visitamos outras unidades, a exemplo de Recife, São Paulo e Porto Alegre, que já são referência na área, para ver de perto como esses atendimentos estão funcionando, o que podemos adequar à nossa realidade”, destacou.

Equipe
A equipe que desenvolve o atendimento ambulatorial com os transgêneros é composta por psiquiatra, endocrinologista, enfermeira, mastologista, ginecologista, urologista, cirurgiã plástica, assistente social, psicóloga e sexóloga. O fluxo começa pela conversa do paciente com a assistente social. É o momento em que a profissional percebe qual a expectativa da pessoa, se busca a hormonioterapia ou tem interesse na cirurgia, e explica a necessidade de um acompanhamento multiprofissional, entre outras questões. Atualmente, os pacientes são encaminhados ao hospital pela Defensoria Pública ou por indicação de amigos que já conhecem o serviço.

Além dos atendimentos individuais, existe um grupo terapêutico onde são abordadas questões mais gerais (sentimentos, confiança, autoestima), de acordo com as necessidades percebidas pela equipe. A reunião acontece uma vez por mês em uma sala da Unidade Materno Infantil, quando a sexóloga, a assistente social e a psicóloga, junto com os residentes e estagiários, conversam com o grupo.

“A nossa ideia é ouvir essas pessoas, perceber qual a expectativa que elas fazem em relação a transformação do corpo, tanto com hormônio quanto com a cirurgia, principalmente esta última, porque muitos acham que a vida vai mudar, que tudo vai se resolver, os problemas vão acabar quando acontecer isso. A nossa preocupação é trabalhar essa expectativa”, enfatiza a psicóloga Andrea Matos.

A assistente social Luciana Castelo Branco reforça que há intenção de criar também um grupo envolvendo às famílias. “Muitos trazem essa questão da família. Entendemos que, se jun­tarmos essas pessoas, teremos um ganho muito grande. O familiar que não aceita pode ouvir um outro e perceber que ele não é o único que está passando por isso. Essa troca pode ser fundamental para auxiliar a todos nesse processo, que não é fácil para nenhum dos envolvidos”.

Segurança
Jhefferson Felipe ressalta que fazer o acompanhamento no HU-UFMA lhe trouxe a segurança de que precisava para dar um novo rumo a sua vida. “Quan­do comecei a transacionar, em 2016, busquei primeiramente uma endocrinologista, que indicou o HU. O ambulatório representa uma luz no fim do túnel para nós, que somos trans. Eu optei por fazer essa transição com um acompanhamento, mas muitos acabam não buscando por medo, com receio de não serem atendidos de uma forma adequada, com respeito. Mas eu afirmo que para mim a experiên­cia está sendo muito positiva, mais que uma evolução como homem, eu estou evoluindo co­mo pessoa. Além dos atendimentos individuais, temos os encontros mensais. Conversamos bastante sobre tudo, e isso nos ajuda significativamente”.

O ambulatório tem procurado envolver toda a equipe, inclusive os acadêmicos. “Desenvolver esse serviço dentro de um hospital-escola representa um ganho enorme, uma vez que bus­ca mudar a visão desses profissionais que estão sendo formados agora. Os residentes e estagiários estão tendo a opor­tunidade de acompanhar os grupos e estão se mostrando interessados em trabalhar com essa questão de gênero, ou seja, já há uma percepção de que existe uma necessidade de um acompanhamento para essas pessoas, sem estigmatizá-las”, ressalta a assistente social

Na última segunda-feira, 29, foi realizada uma roda de conversa com participação das profissionais do ambulatório, com representantes da Associação Maranhense de Travestis e Transexuais (Amatra) e do Governo do Estado para falar sobre esse atendimento oferecido às pessoas trans no HU-UFMA. O momento fez parte da programação realizada em alusão ao Dia da Visibilidade Trans, comemorado oficialmente no dia 29 de janeiro.

A enfermeira Aline Sharlon destacou a importância do hospital ter sido inserido nessa programação. “Foi enriquecedor, pois foi uma oportunidade de o HU-UFMA esclarecer o que já vem sendo desenvolvido, que atendimentos são oferecidos, que dizem respeito ao nosso nível de complexidade e compartilhar os desafios que precisam ser pensados em rede para que o transexual tenha o seu direito garantido em todos os níveis da saúde”.

Saiba mais sobre o Ambulatório de Sexualidade

O Ambulatório de Sexualidade é voltado para as disfunções sexuais e surgiu da necessidade de acolher as pacientes do Ambulatório de Ginecologia com queixas desse tipo. A sexóloga desenvolve um trabalho que permeia entre o psicológico e o orgânico. Recebe também casais e, mais recentemente, homens com problemas de disfunção erétil, entre outros, encaminhados pelo Ambulatório de Urologia. Em uma sala, é realizado o atendimento individual ou por casal, com orientações abordando a questão sexual do corpo da mulher, do homem, da resposta sexual humana, uma vez que é comum o paciente não saber como o corpo funciona. A terapia acontece uma vez por semana, em até 16 sessões. Foi dentro desse ambulatório, por uma demanda espontânea, que se iniciou o atendimento voltado para o transgênero.

Trans

Transexuais são pessoas cuja identidade de gênero é oposta ao sexo biológico. A pessoa é psicologicamente de um sexo e anatomicamente de outro. No caso das mulheres transexuais, elas são do sexo feminino embora tenham nascido com órgãos genitais masculinos; no caso de homens transexuais, eles são do sexo masculino, ainda que apresentem anatomicamente órgãos genitais femininos. Transexualidade, portanto, é diferente de homossexualidade, pois a identidade de gênero de homens e mulheres homossexuais corresponde ao seu sexo biológico. Esse é um conceito em construção ao contexto do movimento LGBT. (Ministério da Saúde, Caderno de Atenção Básica nº 26, p.80 Brasília/DF:2009).

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