Artigo

O lavrador e pensador

Atualizada em 11/10/2022 às 12h33

No povoado Pau D’Água, entre os Municípios São Bernardo e Santa Quitéria, no Maranhão, à margem do Rio Parnaíba, eu, quando criança, vi pessoas inesquecíveis e fatos dos quais nunca me esqueci.

Eu percebi, bem de perto, que o senhor Raimundo Nonato Costa da Silva (Alim Silva) sempre acordava muito cedo. Adorava ver o encontro com a natureza ao amanhecer. Aí ouvia o cântico dos pássaros. De uma calçada bem alta de sua residência ao pé do morro ele via tudo.

Assim, ele tinha visão completa da paisagem do seu cercado à margem do Rio Parnaíba. Olhava canoas, lanchas e vapores passando e encostando no porto.

Somente quando ele dormia, parava de trabalhar. Vivia para plantar e colher na roça. Estava sempre pensando no melhor para si, para a sua família, para os amigos e para os que o procuravam.

Ele dispunha apenas de 23 hectares e nesta área de terra plantava feijão, milho, arroz, maniva, algodão, cana e banana. Vivia unicamente de sua produção, que vendia aos comerciantes que trafegavam nas canoas, lanchas e vapores e que ancoravam no porto.

Assim, ele se enchia de muita força e esta passava para os que com ele trabalhavam na roça, diariamente no povoado Pau D’ Água.

Ele dizia sempre que só entendia de plantar e colher na roça e, depois, vender a sua produção aos comerciantes. No lar não sabia fazer nada. O dinheiro que arrecadava passava para a sua esposa, senhora Maria Raimunda, que o administrava, formando assim um casal unido e dedicado à luta pela sobrevivência.

Certa vez, num final de domingo, enquanto ele repousava na calçada de sua residência, já bem à tardinha, apresentou-se-lhe um amigo e lhe perguntou: “O que é melhor, cantar ou gritar?” E. logo, respondeu-lhe assim: “Se cantar for só para atrair os bons, cante. Se gritar for só para expulsar os maus, que são muitos nesse mundo, prefiro que grite e muito. Pelo que sei e já ouvi, a sua voz é um verdadeiro grito, espanta mais do que atrai ouvintes. Assim sendo, grite por aí a noite toda. Desse modo, afastará da nossa comunidade até as onças, os jacarés, e as cascavéis, que só aparecem para matar os animais que criamos e que nos são úteis demais.”

Diante dessa observação o cantor ou gritador foi embora.

Ao final da semana seguinte, precisamente, sábado, à noite, o cantor ou gritador voltou à casa do senhor Raimundo e este lhe perguntou: “O que aconteceu com você, naquela noite, na qual iria cantar ou gritar. Cantou ou gritou.” Ele, então, lhe respondeu: “Gritei e muito, conforme a sua recomendação. E me apareceu uma alma em plena escuridão na estrada na qual caminhava em direção à minha residência, já retornando de uma festa onde bebi muita cachaça. A alma me deu uma surra com uma cobra enorme, segurando-a, precisamente no rabo dela, a ponto de a cabeça dela bater fortemente na minha, inclusive jogo o líquido que tinha na boca dentro da minha. Por isso, perdi a voz e não pude trabalhar durante uma semana.”

Diante dessa informação, o senhor Raimundo, lavrador e pensador muito experiente, olhou demoradamente para o cantor e gritador, e disse-lhe: “Você, não é cantor, é, sim, preguiçoso e mentiroso.”

Após ouvir essa afirmação, um papagaio falou: “Verdade!”

José Carlos Sousa Silva

Advogado, jornalista e professor universitário, membro da Academia Maranhense de Letras

E-mail: jcss@elo.com.br

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