Adeus às ilusões

Atualizada em 11/10/2022 às 12h34

A crise econômica nos últimos anos criou o cenário perfeito para os vendedores de ilusões. Sob o guarda-chuva genérico de associações e cooperativas, eles oferecem aos incautos a falsa garantia de proteção para carros, motocicletas e caminhões. O valor da mensalidade é tão convidativo que, de início, muitos ignoram os sinais de perigo. A ilusão acaba quando os associados não conseguem receber o pagamento de indenizações em caso de acidente, furto ou roubo do veículo. Perdem o patrimônio e as economias de uma vida. Tarde demais.
Em todo o país, as entidades de proteção veicular formam um mercado marginal que cresce sem supervisão das autoridades e deixam o cidadão ao desamparo. Os produtos são anunciados como substitutos mais baratos do seguro de automóveis, porém com coberturas similares. Nada mais enganoso. Proteção veicular é tudo menos seguro.
O seguro é uma relação de consumo prevista no Código Civil e amparada no Código de Defesa do Consumidor. Ao contratar uma apólice, o segurado transfere todo risco para a seguradora. A empresa fica responsável pela indenização em caso de sinistros. Na proteção veicular, não há relação de consumo. O associado assina um contrato de responsabilidade mútua e divide o risco com os demais membros. Em caso de prejuízo, é feito um rateio entre todos. O pagamento de indenização depende do caixa da entidade.
A proteção veicular é um território sem lei. Cada associação ou cooperativa tem seu próprio estatuto, sem fiscalização de espécie alguma. Elas também são dispensadas de constituir reservas técnicas, o que compromete a sua capacidade de honrar os pagamentos. Algumas entidades fecham da noite para o dia, deixando os associados no prejuízo.
Não existe paraíso quando se trata de proteger o patrimônio ou a vida do consumidor. A garantia de indenização vem de uma regulação eficiente e de uma série de exigências que as seguradoras são obrigadas a cumprir. As empresas precisam ter capital mínimo, liquidez, estrutura de Gestão de Riscos, controles internos, mecanismos de governança corporativa, sistema de auditoria e envio periódico de dados à Susep (órgão regulador do mercado). São pilares cruciais para o bom funcionamento do seguro.
Quem mexe com poupança popular tem os olhos do Estado sobre si. O avanço indiscriminado de serviços travestidos de seguros é sinônimo de perdas irreparáveis para toda a sociedade. Hoje essas mesmas associações e cooperativas ampliam seus tentáculos para outras áreas, como previdência privada, assistência funerária e até saúde. Sem a devida regulação, até mesmo o crime organizado terá espaço para se infiltrar em entidades que negociam ilegalmente esses produtos, caso nada seja feito.
O nível de profissionalismo e de confiança do seguro é uma conquista da sociedade. Com a proteção veicular e produtos assemelhados, o Brasil corre o risco de voltar ao tempo das mútuas, que operavam sem qualquer planejamento, fiscalização e controle. Muitos associados perderam todas as suas economias em produtos falsamente caracterizados de seguros e planos de previdência. Essa é uma bomba-relógio que precisa ser desmontada com urgência. Fechar os olhos para o problema significa transformar o risco em certeza de perda. Para todos.

João Francisco Borges da Costa
Presidente da Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg)

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