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Plano de saúde bom é aquele que te aceita

Atualizada em 11/10/2022 às 12h34

Foi-se o tempo em que os corretores de planos de saúde nos abordavam com um leque imenso de opções a serem contratados ao levantar do dedo. A regra comercial das operadoras de planos de saúde era clara: quanto mais clientes, melhor. Em igual proporção à oferta existiam os abusos. O setor não era regulado e os usuários não tinham a quem recorrer em casos de consultas e procedimentos negados. Em caso de problemas, o vagaroso sistema judiciário era a porta de entrada.

O tempo passou, a tecnologia se incorporou à abordagem das doenças, os métodos diagnósticos se ampliaram, as próteses e órteses se multiplicaram, o tratamento se tornou multidisciplinar, mais complexo e consequentemente mais caro. Surgiu a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e as coisas mudaram muito. As operadoras passaram a se submeter à regulação da ANS e seus custos precisaram se adequar às novas normas de reajuste e cobertura.

Mas no Brasil para tudo existe um jeitinho. Ocorre que o plano de saúde contratado por pessoa física, denominado plano individual, possui reajustes anuais e por faixa etária cujo valor é regulado pela ANS. No entanto, outro tipo de contratação denominada coletiva e que inclui os planos empresariais (oferecido pelas empresas aos funcionários) e por adesão (oferecido por entidades de classe, associações e sindicatos) permite a livre negociação entre a operadora do plano e a pessoa jurídica que contratou o serviço, não se submetendo às normas de reajuste da ANS e se utilizando de contratos com maior flexibilidade nos quesitos rescisão, carência e elegibilidade. O cenário que se desenhou ao longo dos anos foi de uma escassez de oferta de planos individuais, representando apenas 19% de todos os contratos existentes até março de 2017. Mais estarrecedora é a constatação de que apesar de uma redução de 2,8 milhões de beneficiários entre os anos de 2014 e 2017, as operadoras aumentaram suas arrecadações em 21% no mesmo período. E adivinhem quem pagou a conta?

O resultado foi o aumento galopante das mensalidades dos planos coletivos. A Fenasaúde, entidade que representa as operadoras, alega aumento exorbitante das despesas assistenciais per capta nos últimos dez anos, cerca de 2,5 vezes a inflação do período, embaladas principalmente pelo aumento do custo de internações, órteses e próteses. E no meio da disputa sobre a crise do setor paira o consumidor alheio aos numerais dos relatórios, porém atento ao boleto que vence no final do mês. Enquanto isso, quem opta por fugir do plano de saúde se depara com situação pior. Quem já tentou custear procedimentos complexos e internações particulares sabe bem do que estou falando, uma vez que as cifras giram em torno de dezenas a centenas de milhares de reais. E esse custo não existe à toa. Há muito se delegou aos planos de saúde e ao SUS a preocupação com essas despesas, sublimando a verdade de que quem paga a conta de cada exame e consulta é o usuário, sobretudo os mais jovens. Para a maioria dos segurados o conhecimento sobre preços de serviços e procedimentos de saúde se limitam à prótese de silicone que a vizinha pagou no verão passado ou à consulta particular do médico conceituado. Até o momento em que alguém desavisado precisa tirar do próprio bolso o custeio de um marca-passo cardíaco, de uma cirurgia de coluna ou de uma temporada na UTI. O fato é que a população não sabe e nunca soube quanto custa cuidar da própria saúde. Uma simples dor de cabeça, dependendo da doença que se revele, pode custar à família do paciente o preço de uma casa ou de um carro novo, após a jornada de exames, cirurgias e diárias de internação.

Na outra ponta da corda, aos não elegidos da virtude financeira e do abraço afável da saúde privada, correspondendo atualmente a 77% da população brasileira, resta o aperto de mão moribundo do SUS, sistema com modelo utópico e que finge ser eficaz. Mas esse é um tema para outra longa conversa. Enquanto isso, rezemos para que o plano de saúde não quebre e nos aceite.

Sérgio Moura

Médico neurologista

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