Saúde

CFM: 'SUS tem mais de 900 mil cirurgias eletivas represadas'

Informações foram repassadas e analisadas pelo Conselho Federal de Medicina por secretarias de saúde de 16 estados e 10 capitais onde, respectivamente, constam pedidos de 801 mil e 103 mil procedimentos cirúrgicos

Atualizada em 11/10/2022 às 12h34
Brasil tem 904 mil à espera de cirurgia eletiva no SUS, segundo levantamento do CFM
Brasil tem 904 mil à espera de cirurgia eletiva no SUS, segundo levantamento do CFM (Brasil tem 904 mil à espera de cirurgia eletiva no SUS, segundo levantamento do CFM)

BRASÍLIA - Conviver com a espera por atendimento médico é um drama para milhares de pacientes que dependem do Sistema Único de Saúde (SUS). Neste ano, a fila de espera para cirurgias eletivas chegou a aproximadamente 904 mil procedimentos.

Esse é o resultado da soma das informações repassadas por secretarias de Saúde de 16 estados e 10 capitais, onde, respectivamente, constam pedidos de 801 mil e 103 mil procedimentos cirúrgicos. Os números foram analisados pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). Cirurgias de catarata, hérnia, vesícula e varizes estão entre as mais demandadas pela população que depende da rede pública.

“Pela primeira vez o Conselho Federal de Medicina se aproxima do tamanho real da fila por cirurgias no SUS. Ainda que parciais, os números impressionam, já que os estados que prestaram informações representam metade de todo o volume cirurgias efetivamente realizadas na rede pública em 2016”, explica o presidente da autarquia, Carlos Vital. Só no ano passado, 1.652.260 cirurgias eletivas foram realizadas no SUS. Segundo ele, vários são os argumentos para tentar justificar o volume de pacientes à espera de uma cirurgia e todos eles têm a mesma origem: recursos finitos para administrar uma demanda que é infinita.

Informações

As mais de 801 mil cirurgias informadas pelos estados correspondem à soma das filas declaradas por Alagoas, Ceará, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Rio Grande do Sul, Rondônia, Pernambuco, São Paulo e Tocantins. Além destes, foram incorporados os dados da Bahia, que enviou informações de pacientes que ingressaram na fila em 2017 e, do Rio Grande do Norte, onde foi apresentada apenas a fila ortopédica.

No caso das capitais, os quase 103 mil procedimentos em espera dizem respeito às prefeituras que atenderam ao pedido de acesso: Aracajú, Belo Horizonte, Campo Grande, Fortaleza, João Pessoa, Porto Alegre, Recife e São Paulo. Além destas, Boa Vista e Palmas apresentaram, respectivamente, apenas a lista de cirurgias de uma unidade hospitalar e a lista de cirurgias oftalmológicas.

Segundo as informações analisadas pelo CFM, quase metade de todos os procedimentos pendentes no país estão concentrados em apenas cinco tipos diferentes: catarata (113.185), correção de hérnia (95.752), retirada da vesícula (90.275), varizes (77.854) e de amígdalas ou adenoide (37.776). Só no estado de Minas Gerais são mais de 31 mil tratamentos cirúrgicos de varizes. Já em São Paulo e Goiás, a maior demanda é por correções da opacidade do cristalino, mais conhecida como cirurgia de catarata. São cerca de 24 mil e 15 mil cirurgias pendentes, respectivamente.

Cidadania

Os pedidos de informações sobre as filas foram apresentados em junho deste ano a todos os 26 estados e Distrito Federal, além das capitais, por meio do Sistema Eletrônico do Serviço de Informações ao Cidadão (e-SIC) dos governos estaduais e municipais – habitual caminho para que qualquer cidadão possa solicitar informações de caráter público via Lei de Acesso a Informações (Lei nº 12.527/2011).

“Mais do que uma busca por informações de caráter eminentemente público, buscamos fazer um exercício de cidadania. Por isso, queremos dar divulgação aos dados, compartilhando-os com outros órgãos de fiscalização, como os Ministérios Públicos Estaduais, inclusive relatando os casos em que os pedidos de acesso não foram atendidos ou foram negado”, destacou o 1º secretário do CFM, Hermann von Tiesenhausen.

Fila única desafia gestores

Na maioria dos estados e capitais, os gestores responsáveis pela administração da fila têm dados parciais sobre a demanda reprimida ou nem sequer os possuem. Em muitos casos, essa responsabilidade pela regulação é transferida aos hospitais, que definem suas próprias prioridades. Esse desafio passou a ter atenção especial em maio deste ano, quando o Ministério da Saúde anunciou uma estratégia para ampliação do acesso aos Procedimentos Cirúrgicos Eletivos no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).

A ideia do ministério é adotar valores diferenciados para o pagamento de alguns procedimentos – uma espécie de incentivo financeiro para estados e municípios que aderissem à chamada “Fila Única” – e, assim, reduzir o tempo de espera por cirurgias por meio do atendimento de rotina ou por meio de mutirões. Até o momento, no entanto, a Fila Única do SUS não foi anunciada pelo Ministério da Saúde.

Um exemplo positivo de organização da fila foi identificado em Minas Gerais, onde, desde janeiro de 2016, foi criado o SUSfácilMG, funcionalidade que tem como objetivo traçar a demanda real do estado para acesso às cirurgias eletivas e diminuir a fragmentação das informações. Em Minas estão concentradas cerca de 54% das 801 mil cirurgias declaradas pelos estados brasileiros. O volume não indica, no entanto, que mais mineiros estejam na fila, mas sugere que a regulação naquele estado está melhor sistematizada, segundo explica a própria Secretaria de Saúde.

No estado mais populoso do país, São Paulo, a fila chega a quase 144 mil procedimentos. Curiosamente, um quarto da demanda do estado é de pacientes que residem na capital (25.544) e na cidade de Franca (10.053), uma das maiores do interior do estado. No estado, quase metade dos procedimentos mais demandados envolvem cirurgias de catarata, de vesícula e varizes. Confira no quadro as principais cirurgias em cada um dos estados.

Capitais

Entre as capitais que apresentaram os dados está São Paulo, onde constam quase 31 mil cirurgias pendentes. A grande maioria está concentrada na especialidade de ortopedia, sobretudo em cirurgias do joelho (11.679), pé e tornozelo (4.179), ombro e cotovelo (3.151) e pediatria (2.322). Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, o objetivo é “zerar a fila de espera por meio do Corujão da Cirurgia, que teve seu início em maio e consiste em centros cirúrgicos de cinco hospitais realizarem operações 24 horas por dia, sete dias por semana”.

A Secretaria de São Paulo destacou ainda que, assim como em outras localidades, as informações apresentadas se referem a procedimentos pendentes, ou seja, um mesmo paciente pode estar mais de uma vez no arquivo, caso tenha uma solicitação com mais de um procedimento informado. “É necessário esclarecer que existe diferença entre o total de linhas e total de pacientes que de fato aguardam a cirurgia”, pontuou.

Em Belo Horizonte, uma das poucas cidades que unificaram dados sobre cirurgias numa central, cerca 25,9 mil cirurgias aguardam efetivação – 75% delas nas envolvendo o sistema osteomuscular, aparelho geniturinário ou em vias aéreas superiores, da face, cabeça e pescoço.

Secretarias desconhecem

Apesar da obrigação legal de fornecer informações públicas a qualquer cidadão, cinco estados não atenderam ao pedido (Acre, Amapá, Piauí, Rio de Janeiro e Sergipe), quatro alegaram não possuir as informações (Amazonas, Distrito Federal, Espírito Santo e Mato Grosso) e dois negaram o pedido de acesso (Roraima e Santa Catarina).

No caso das capitais, oito não atenderam ao pedido (Belém, Cuiabá, Florianópolis, Goiânia, Manaus, São Luís, Rio de Janeiro e Teresina), seis alegaram não possuir as informações (Macapá, Maceió, Porto Velho, Rio Branco, Salvador e Vitória) e dois negaram o pedido de acesso (Curitiba e Natal).

A Coordenação Geral de Regulação de Roraima justificou a negativa informando que a Secretaria de Saúde do estado está em “fase final de implementação e implantação da lista de espera de cirurgias eletivas” e que a informação seria apresentada posteriormente. O mesmo informou a Gerência de Regulação de Santa Catarina, de que as cirurgias eletivas serão divulgadas na internet oportunamente, conforme cronograma definido em um decreto estadual.

Em resposta, a Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba admitiu a existência de uma lista, mas informou que as informações seriam disponibilizadas posteriormente pela Secretaria de Estado de Saúde do Paraná (SES-PR). Embora tenha encaminhado uma relação de cerca de 11.400 procedimentos na fila, a SES-PR apontou a existência de apenas 221 pacientes residentes na capital.

Já a prefeitura de Natal, em entendimento contrário ao dos 16 estados e 10 capitais que forneceram as listas, solicitou “maiores informações a respeito da requisição”, pois “tal informação torna-se necessária tendo em vista tratar-se de dados reservados dos usuários do SUS, aos técnicos da regulação, do Sistema de Informação Hospitalar-SIH, Processamento e Auditoria”. De acordo com a Lei de Acesso à Informação, “são vedadas quaisquer exigências relativas aos motivos determinantes da solicitação de informações de interesse público”.

Na fila de espera

Pelo menos 746 pedidos de cirurgias eletivas constam pendentes na lista de regulação dos estados e capitais há mais de 10 anos. O número foi extraído apenas das filas dos estados e capitais que atenderam ao pedido de acesso à informação analisados pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), mas já revelam uma sistêmica fragilidade na gestão do SUS, que aflige pacientes e famílias em todo o país.

Um paciente de 36 anos, morador de Fortaleza (CE), confirmou que entrou na fila de espera para retirar um tumor de mama ainda em 2007. Há um ano ele decidiu não esperar mais. “Me ligavam todos anos para agendar a cirurgia, que nunca aconteceu. No ano passado desisti de esperar e resolvi ‘pagar particular’”, conta o homem que não quis ser identificado, e também preferiu não delongar a conversa sobre sua história de dependência do SUS.

Embora sejam procedimentos que não precisam ser realizados em caráter de urgência, ou seja, podem ser agendadas, em muitos casos o tempo é crucial. “O mais grave é que, em determinadas cirurgias, a espera complica o quadro do paciente. Se elas esperarem muito tempo, podem ter sua saúde comprometida. Não são raras as cirurgias eletivas que evoluem para uma cirurgia de emergência, que poderiam ser evitadas e cujas consequências podem ser trágicas”, explica Hermann von Tiesenhausen.

Pacientes

Uma pesquisa liderada pelo médico Ricardo Cohen, membro da Câmara Técnica sobre Cirurgia Bariátrica e Síndrome Metabólica e coordenador do Centro de Obesidade e Diabete do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, avaliou as consequências da demora no acesso ao procedimento: a cada mil pacientes que aguardam a cirurgia, cinco morrem por ano de espera. Os estudos verificaram que o paciente que espera sete anos na fila tem 18% mais chance de morrer do que o doente operado de imediato.

Para realizar uma cirurgia eletiva o paciente deve passar por uma avaliação médica na rede do SUS e o médico indica a necessidade desse paciente para realizar uma cirurgia. Atualmente, as áreas mais comuns que se encaixam no perfil das eletivas são as cirurgias para resolução de problemas em ortopedia, oftalmologia, otorrinolaringologia, urologia e cirurgia vascular.

Espera

No Brasil, em geral o usuário do SUS não sabe quanto tempo vai esperar por uma cirurgia. A expectativa é de que, com a efetivação da estratégia de ampliação do acesso aos Procedimentos Cirúrgicos Eletivos no âmbito do SUS, instituída recentemente pela Portaria nº 1.294/2017, do Ministério da Saúde, seja possível estabelecer padrões de qualidade e parâmetros de tempo para a assistência à saúde.

Enquanto isso não ocorre, iniciativas paralelas tentam minimizar o sofrimento de quem espera por uma cirurgia na rede pública. Próximo de completar quatro anos, a Lei nº 12.732/2012 determina um prazo de até 60 dias a partir do diagnóstico para que pacientes com câncer iniciem o tratamento, com a realização de cirurgia ou início de radioterapia ou de quimioterapia. Segundo relatos de associações de pacientes com câncer, no entanto, a lei não tem sido respeitada e o prazo continua sendo uma das grandes dificuldades para o combate à doença.

Apesar dessas críticas, tramita no Congresso Nacional o projeto de lei 3.752/2012, que tenta suprir a ausência de legislação sanitária sobre o tempo máximo de espera no SUS para outros tipos de atendimentos. A proposta, que determina ao SUS estabelecer prazos para o tratamento de doenças, com metas para que esse tempo seja cada vez menor, ainda pede a redução de 60 para 30 dias do prazo para o primeiro tratamento para quem tem câncer. O projeto segue em caráter conclusivo para análise nas Comissões de Finanças e Tributação (CFT) e de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).

Internacional

O que no Brasil é uma intenção, em outros países já é realidade. Em Portugal, todas as pessoas que necessitam de cirurgia em uma unidade pública têm o direito de ser incluídas em uma lista única. Criado em 2004, o Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia (SIGIC) teve como um objetivo principal “minimizar o período que decorre entre o momento em que um doente é encaminhado para uma cirurgia e a realização da mesma, garantindo, de uma forma progressiva, que o tratamento cirúrgico decorra dentro do tempo clinicamente admissível”

De acordo com dados da Administração Central do Sistema de Saúde de Portugal, o tempo médio de espera por cirurgias não urgentes foi de 3,1 meses em 2016. Naquele país, o governo instituiu que o tempo máximo de resposta cirúrgica para o nível de prioridade normal seja de 270 dias, isto é, pouco mais de oito meses. Todas as informações sobre a quantidade de pacientes e os tempos de espera do Serviço Nacional de Saúde português podem ser consultados livremente por qualquer cidadão pela internet.

No Reino Unido, cujo sistema inspirou a criação do sistema brasileiro, ninguém pode esperar mais de 18 semanas para iniciar um tratamento ou fazer uma cirurgia. E o paciente também pode acompanhar pela internet o andamento da fila.

De acordo com informações do Serviço Nacional de Saúde inglês – o NHS, nove em cada 10 pessoas conseguem suas operações dentro deste prazo. O direito a esse período limite de espera não se aplica apenas nos casos em que o paciente escolhe esperar mais ou é clinicamente apropriado aguardar a evolução de cuidados secundários e diagnósticos prévios à cirurgia.

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