Ciência

O Nobel de Medicina brasileiro: sir Peter Brian Medawar

Nascido em Petrópolis, viveu no Rio até os 13 anos, quando se mudou para a Inglaterra; como não serviu o serviço militar no Brasil, perdeu a cidadania

Antonio

Atualizada em 11/10/2022 às 12h34
Sir Peter Brian Medawar, um dos maiores nomes da pesquisa e divulgação científicas do Século XX. Neste mês, completam-se 30 anos desde seu falecimento
Sir Peter Brian Medawar, um dos maiores nomes da pesquisa e divulgação científicas do Século XX. Neste mês, completam-se 30 anos desde seu falecimento

SÃO LUÍS - Nesta edição de novembro de 2017 a página Vida Ciência chama atenção para o brasileiro Peter Brian Medawar, que ganhou o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia de 1960. Além do Nobel, suas pesquisas e descobertas o levaram a receber o título de Cavaleiro do Império Britânico em 1965 (Sir) e à direção do British National Institute for Medical Reseach, função que exerceu entre 1962 e 1971. Podemos destacar, entre suas obras, “The Art of Soluble” (1967), “The Hope of Progress” (1974) e “The Life Science” (1977, em colaboração com sua esposa).

O artigo assinado pelo pesquisador Bruno de Sousa Moraes, descrito abaixo, relata a vida de Medawar e a principal causa pela qual o Brasil não compõe o phanteon do Prêmio Nobel, concedido anualmente pela Academia Sueca de Ciências. Bruno Moraes é formado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e mestre em Ecologia pela mesma instituição. Atualmente, está cursando Pós-Graduação em jornalismo científico no Labjor – Unicamp.

No mês passado, completamos 57 anos em que um brasileiro ganhou o Nobel em Medicina, mas até hoje pouco se referencia o nome de Medawar, tanto no meio científico como na sociedade brasileira. Desta forma, para preencher este hiato, venho por meio desta página pleitear que seja reconsiderada a solicitação dos seus familiares, feita ao então ministro da Aeronáutica na época, Salgado Filho, de dispensa das obrigações militares de Peter Medawar, para que sua cidadania seja revista, sendo então, novamente, considerado um cidadão brasileiro, configurando como orgulho nosso a premiação no Nobel.

Para conhecimento do leitor, na América do Sul e Central, temos somente 15 personalidades com o Nobel dos 889 laureados em nível mundial, sendo assim distribuídas: Argentina (quatro – dois de Medicina e dois da Paz), México (três – um da Paz, um de Literatura, um de Química), Chile (dois de Literatura), Guatemala (um da Paz e um de Literatura), Colômbia (um de Literatura), Costa Rica (um da Paz), Peru (um de Literatura) e Venezuela (um de Medicina).

Joaquim Pedro Salgado Filho, então ministro da Aeronáutica. A família de Peter Medawar teria recorrido a ele para que o jovem pudesse ser dispensado do serviço militar para estudar
Joaquim Pedro Salgado Filho, então ministro da Aeronáutica. A família de Peter Medawar teria recorrido a ele para que o jovem pudesse ser dispensado do serviço militar para estudar

Nosso quase-Nobel: 30 anos do adeus a Peter Medawar

Bruno de Sousa Moraes

Nas discussões atuais sobre a importância que o governo brasileiro dá à nossa ciência, a ausência de brasileiros ganhadores do prêmio Nobel em áreas relacionadas à pesquisa nos atinge, demonstrando que esse é um problema histórico. O que muitas pessoas não sabem é que o Brasil quase conquistou um Nobel em 1960, e foi o mesmo problema de prioridades do poder público um dos fatores que ficaram no caminho deste possível marco para a ciência nacional.

Peter Brian Medawar nasceu em Petrópolis, Rio de Janeiro, em 1915. Filho de uma inglesa e um libanês que veio para o Brasil a mando de uma empresa de material odontológico. Peter viveu em Copacabana até os treze anos, quando se mudou para a Inglaterra sem os pais, para estudar no Marlborough College. Ainda no secundário, desenvolveu uma paixão por biologia, que o levou a iniciar o bacharelado em zoologia pela Universidade de Oxford ainda aos dezessete anos. A essa época — como ainda hoje — jovens de cidadania brasileira tinham a obrigatoriedade de realizar o serviço militar aos dezoito anos. Peter Medawar, que não era bom nos esportes, não viu sentido em interromper os estudos para passar um ano fazendo exercícios militares e aprendendo a combater. Sua família teria pedido uma dispensa ao Ministro da Aeronáutica, Salgado Filho, mas nem mesmo os indicativos de seu potencial imenso para a pesquisa serviram para dispensá-lo das obrigações militares. Já sem a cidadania brasileira, terminou o bacharelado em 1935, recebendo um grau de honra pelo desempenho extraordinário. Alguns anos depois, a guerra voltaria a aparecer na vida e carreira de Peter Medawar. Mas ao invés de tirar vidas nas trincheiras, ele se dedicou a salvá-las.

Na ocasião da Segunda Guerra Mundial, após ter trabalhado por alguns anos em Oxford estudando o desenvolvimento embrionário, Medawar foi trabalhar no Hospital de Queimados de Glasgow, cuidando da saúde de combatentes vítimas de queimaduras de explosões, junto ao cirurgião Thomas Gibson. A recém-adotada penicilina permitia que estes soldados sobrevivessem às infecções, que em outros tempos os levariam ao óbito, e a medicina começava a explorar a possibilidade de utilizar enxertos de pele para permitir uma melhor regeneração. Mas a maioria dos enxertos falhava, o que ficou conhecido como “rejeição de transplantes”. Ao contrário de outros pesquisadores, que achavam que o problema estava na técnica ou na habilidade dos cirurgiões, Medawar sugeriu que um fenômeno biológico estaria causando a rejeição dos enxertos, e resolveu analisá-los de perto para descobrir o que estava acontecendo.

Medawar e seu grupo perceberam que apenas os enxertos que vinham da pele de outra pessoa eram rejeitados pelos pacientes, e aqueles que recebiam recortes de trechos saudáveis da própria pele não passavam pela rejeição. Além disso, quando pacientes que já haviam recebido um recorte da pele de outra pessoa recebiam um novo enxerto do mesmo doador, a rejeição acontecia mais rápido. Isso era compatível com um processo imunológico, e foi exatamente o que o microscópio revelou: células do sistema imune dos pacientes, responsáveis por defender o organismo de “invasores” como bactérias e outros seres microscópicos, estavam atacando os enxertos. A partir desta descoberta, foram testados alguns tratamentos voltados para impedir que o sistema imune atingisse os tecidos transplantados, permitindo que enxertos e pacientes sobrevivessem por mais tempo.

Após a Guerra, Medawar retornou a Oxford, mas não abandonou as perguntas que surgiram enquanto trabalhava com a rejeição de enxertos. Focado na área de pesquisa que ajudou a criar, a imunologia de transplantes, conseguiu desvendar um dos mais interessantes capítulos na história de organismos vertebrados como nós. Peter queria entender como e quando o sistema imune fazia a distinção entre os tecidos e moléculas que fazem parte do organismo e aqueles que pertencem a organismos ou objetos estranhos. Trabalhando com embriões de animais, ele e sua equipe conseguiram evidenciar que essa distinção não é “programada” nos organismos quando eles são concebidos, e sim “aprendida” durante o desenvolvimento embrionário. O sistema imune dos vertebrados era capaz de “observar” quimicamente o mundo e o próprio organismo, e aprender a diferença.

Por suas pesquisas, vitais para o desenvolvimento posterior das mais diversas técnicas de transplante e para o entendimento dos mecanismos da imunidade, Peter Medawar ganhou o Nobel de Fisiologia e Medicina de 1960, partilhado com Frank Burnet, que também havia contribuído com pesquisas nessa área. Condecorado com o título de Sir em 1965, faleceu por decorrência de um derrame cerebral em outubro de 1987. Diz-se que ele sentia saudade do arroz com feijão que comia em sua infância brasileira.

Não podemos saber das coisas que não aconteceram. Mas é possível que, se o Brasil priorizasse mais nossa ciência e o tivesse convidado para conduzir aqui suas pesquisas, ele tivesse seu arroz com feijão, e o país, um Nobel.

Comparação entre um enxerto saudável (Esquerda) e um enxerto em processo de rejeição (Direita). A região avermelhada do tecido rejeitado corresponde a células do sistema imune (leucócitos) do paciente. (Adaptada de Kanitakis, 2007)
Comparação entre um enxerto saudável (Esquerda) e um enxerto em processo de rejeição (Direita). A região avermelhada do tecido rejeitado corresponde a células do sistema imune (leucócitos) do paciente. (Adaptada de Kanitakis, 2007)

Para entender mais

Vertebrados: Animais que possuem sistema esquelético (feito de ossos ou cartilagens) e uma estrutura chamada notocorda. Os vertebrados incluem os peixes, anfíbios, aves, e os mamíferos como nós.

Sistema Imune: Conjunto de órgãos e células dos seres vivos mais complexos, responsáveis por combater ameaças ao organismo. O sistema imune dos vertebrados possui uma série de mecanismos e células específicas que compõem a chamada resposta imune adaptativa, envolvida no “aprendizado” mencionado no texto.

Enxerto: Recorte de um pedaço de tecido saudável — normalmente pele — implantado em um trecho danificado do mesmo tipo de tecido, para que as células saudáveis possam se espalhar e recompor as estruturas afetadas.

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