Mapa da Violência

Maioria dos casos de morte violenta está em aberto

Levantamento mostra que os inquéritos de 761 dos 1.195 casos continuam em andamento; não há informação sobre o status de 181 crimes; falta de transparência tem dificultado o trabalho de apuração

Atualizada em 11/10/2022 às 12h34

BRASÍLIA - Dois meses e meio depois, 64% do total de casos de morte violenta ocorridos entre 21 e 27 de agosto no Brasil continuam em aberto e só 12% registram alguma prisão. É o que mostra um novo levantamento feito pelo G1 tendo como base todas as mortes registradas durante uma semana no país. Se forem excluídos os casos em que a polícia não informa ou que não foi possível obter o status dos crimes, o índice de casos em andamento sobe para 75% (e o de prisões, para 15%).

Neste projeto, estão todos os casos de homicídio, latrocínio, feminicídio, morte por intervenção policial e suicídio ocorridos de 21 a 27 de agosto no Brasil. São 1.195 mortes registradas – uma média de uma a cada oito minutos.

O Código de Processo Penal determina que um inquérito policial seja concluído em 10 dias quando houver prisão em flagrante ou 30 dias em caso de inexistência de prisão cautelar. Os delegados, no entanto, podem pedir um prazo maior para elucidar o caso – o que normalmente acontece.

Extremos

Os dados mostram a dificuldade nas investigações e a consequente lentidão dos processos e expõem o drama das famílias que aguardam um desfecho para os casos.

Mas se há, por um lado, ao menos 27 casos em que o inquérito nem sequer foi instaurado, por outro, há um caso emblemático, em que um dos crimes teve um desfecho relâmpago. Em Vilhena (RO), a morte do filho de um ex-prefeito da cidade fez a prefeitura decretar três dias de luto e gerou comoção nas redes sociais.

Dois meses depois, o suspeito, que foi preso, já foi julgado e condenado a 28 anos de prisão. Um adolescente também envolvido no crime foi apreendido e está em uma unidade socioeducativa.

O levantamento revela que, mesmo quando os autores são identificados, poucos são os casos em que eles são encontrados e presos. Mais que isso: mostra que boa parte dos suspeitos já era conhecida das vítimas (em pelo menos um terço dos casos) – e que, portanto, não houve um trabalho de investigação para chegar a eles.

Em crimes de repercussão, como em alguns dos feminicídios registrados no período, os ex-companheiros foram presos. Isso ocorreu, por exemplo, em Tupã (SP), onde Débora Goulart, que já havia registrado um boletim de ocorrência contra o ex-marido, foi esfaqueada dentro de casa, e em Serra (ES), onde Gabriela Silva de Jesus foi estrangulada pelo ex-noivo.

Já alguns estados tiveram índices ínfimos de prisão. Em Alagoas, por exemplo, onde ocorreram 39 mortes violentas, não houve nenhuma prisão. No Rio Grande do Norte, onde foram registrados 64 casos, 59 também não registraram prisões até o momento.

Para os pesquisadores do NEV-USP e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a falta de esclarecimento e punição é um dos fatores que contribuem para que os crimes continuem a acontecer.

Dificuldades

Vários delegados relatam dificuldades para investigar as mortes violentas no país. No Rio, o diretor da Divisão de Homicídios, Rivaldo Barbosa, afirma que o volume de casos impossibilita um trabalho mais apurado. “Em um ano, na capital, há 1.300 homicídios para serem apurados por 200 policiais.”

Na região de Campinas, o Instituto de Criminalística (IC) também diz que há uma demora na produção de laudos necessários na investigação de mortes violentas pela Polícia Civil porque há uma “sobrecarga”. São 98 peritos para atender 92 municípios. De seis casos registrados, apenas um foi concluído. Três dos cinco inquéritos abertos aguardam o IC para dar sequência ao trabalho dos investigadores.

Um desses casos é o do motorista Tiago Marques Fagundes, de 36 anos, morto a tiros em uma estrada vicinal em Americana. A autoria do crime é desconhecida. E a família ainda aguarda por justiça.

Outros fatores, como a dificuldade de falar com testemunhas, a ausência de provas e a infraestrutura precária, são apontados como causas para a lentidão nas apurações dos crimes.

Em Viamão (RS), duas mortes registradas nos dias 22 e 23 de agosto ainda estão sem identificação. Um dos corpos, encontrado enterrado, terá de ser identificado pelas digitais ou arcadas dentárias.

Não se trata de um caso isolado. Do total de 1.195 vítimas, mais de 120 continuam sem nome – metade delas no Pará. Cerca de 170 continuam sem a idade informada. Outras 470 aparecem sem a cor/raça identificada.

Falta de transparência

O G1 teve mais uma vez dificuldade para obter os dados pelo país. Várias secretarias se negaram a passar as informações e delegados alegaram sigilo em casos onde não há qualquer impedimento para divulgação.

No Espírito Santo, por exemplo, a polícia e o governo não responderam a nenhum questionamento da equipe de reportagem. O G1 teve de contar com a ajuda da Promotoria para conseguir checar todos os casos.

No Ceará, os delegados informaram ter recebido um ofício da Secretaria da Segurança ordenando que informações sobre inquéritos não fossem repassadas por telefone, dificultando o trabalho dos repórteres, especialmente na verificação do andamento de mortes no interior do estado.

No Pará, a Secretaria da Segurança pediu um prazo para poder responder às questões. No fim, enviou uma mensagem: "Informamos que, em decorrência do caráter de sigilo das investigações policiais, não será possível o fornecimento de informações a respeito do andamento da apuração dos crimes de homicídio". Em algumas delegacias, os responsáveis não atenderam nem sequer o telefone. Com isso, o G1 só conseguiu obter dados de 15 dos 102 crimes no Pará – o pior índice entre todos os estados.

Em vários locais, as polícias também se recusaram a informar os números dos inquéritos – um dos pedidos feitos para acompanhar os casos inclusive em outras esferas.

No Tocantins, um caso insólito: a delegacia de Crixás do Tocantins mudou de lugar e os responsáveis ficaram sem conseguir acessar os arquivos do caso. A equipe do G1 tentou obter as informações por mais de uma semana até conseguir os dados.

A falta de padronização também tem dificultado a contabilização dos casos. Em alguns estados, casos de suicídio, por exemplo, não têm nem inquérito instaurado; em alguns, eles são arquivados; em outros, os casos são dados como concluídos e relatados à Justiça.

A apuração nesses últimos meses revelou ainda que seis dos casos investigados acabaram reclassificados para mortes não violentas. Eles continuarão, porém, a constar do mapa, com a nova classificação. Além disso, alguns dos casos estavam duplicados e outros não haviam sido incluídos. No fim, o número de vítimas se manteve em 1.195.

Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais Twitter, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.