Viciados

São Luís tem 110 minicracolândias, alerta entidade

Rede Maranhense de Diálogos Sobre Drogas chama atenção para a necessidade de fortalecimento das ações de combate ao tráfico e de assistência aos usuários

Jock Dean / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h36

SÃO LUÍS - Uma pesquisa da Universidade Federal de São Paulo aponta que o Brasil é o maior consumidor de crack do mundo. Em São Luís, o consumo da droga também preocupa. Segundo a Rede Maranhense de Diálogos Sobre Drogas (Remadd), a capital maranhense tem 110 minicracolândias. A rede chama a atenção para a necessidade de fortalecimento das ações de combate ao tráfico e de assistência aos usuários, pois o consumo e o tráfico de drogas estaõ diretamente ligados ao crescimento da violência urbana.

A Rede Maranhense de Diálogos Sobre Drogas (Remadd) é uma associação civil sem fins lucrativos, sem finalidade política ou religiosa, com o objetivo de planejar e realizar programas e projetos institucionais pertinentes a objetivos comuns das Políticas Públicas Sobre Drogas e tem a missão de visibilizar as entidades que praticam as bases dessa política no âmbito do Estado do Maranhão. Ela trabalha com dados coletados na Secretaria de Estado de Segurança Pública (SSP), Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS-AD), das polícias Civil e Militar e outros órgãos oficiais.

De acordo com dados recolhidos pela Remadd, apenas em 10% dos bairros da Grande Ilha não há “bocas de fumo”. “Somente São Luís tem mais de 200 bairros. O universo de uso de drogas ilícitas são os bairros dos quatro municípios da Ilha e em 90% deles há bocas de fumo. Este é um problema que tem se agravado e que precisa ser combatido de forma mais eficaz”, afirma Erisson Lindoso, membro da Remadd.

Os pontos de consumo de crack em São Luís espalham-se por bairros como Cohab, Forquilha, Liberdade e Caratatiua. No João Paulo, a Avenida Projetada já é referida pela população como “cracolândia maranhense”, uma referência à Cracolândia da cidade de São Paulo. Lá, a qualquer hora do dia é possível ver pessoas consumindo a droga. O cenário da via chama a atenção também por deixar claro o quanto a droga causa mal aos seus usuários.

Na capital, até mesmo áreas turísticas destacam-se entre os pontos de uso do crack. É o caso do Centro Histórico. A Praça dos Pescadores, no Desterro, era um local conhecido por reunir usuários da droga. Em 2015, foi revitalizada. Com isso, os usuários passaram a se espalhar por diversos outros pontos da região. “O que explica a popularização do crack entre os usuários de drogas é o preço muito baixo e o efeito que ela causa, que é imediato. Entretanto, ele dura de 10 a 15 minutos, fazendo com que a pessoa queira consumir novamente. Por isso, ela causa dependência tão rápido”, explica Erisson Lindoso.

10 mil usuários
Segundo Erisson Lindoso, somente o CAPS-AD do Monte Castelo já atendeu mais de 10 mil usuários de drogas ilícitas. Levantamento feito pelo centro mostra que em 2016 os usuários de crack representaram 90% dos atendimentos. Outras drogas, como cocaína, maconha e benzodiazepínicos, representaram apenas 3% dos usuários tratados. Os outros 7% são representados pelos dependentes de bebidas alcoólicas, droga que pode ser consumida legalmente por qualquer pessoa maior de 18 anos no Brasil. “São Luís têm dois CAPS-AD, um no Monte Castelo, mantido pelo Governo do Estado, e outro da rede municipal”, informa Erisson Lindoso.

O Centro de Atendimento Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS-AD) é uma referência no atendimento desse público, atendendo somente no ano passado mais de 8 mil pessoas, sendo a grande maioria oriunda do bairros Barreto, Cidade Operária, Liberdade e João Paulo. A unidade oferece tratamento diário à população com transtornos decorrentes do abuso e dependência de substâncias psicoativas (álcool e outras drogas), ofertando tratamento dentro das diretrizes determinadas pelo Ministério da Saúde, que tem por base o tratamento do paciente em liberdade, buscando sua reinserção social.

Além do CAPS-AD, os dependentes químicos podem ser encaminhados para outros dois locais para tratamento: a Unidade de Tratamento Transitório, que fica na Cohab, e a Fazenda Esperança, em Coroatá, cidade localizada a 240 quilômetros de São Luís, onde existe uma comunidade terapêutica ligada à Igreja Católica.

Regionalização das drogas
Erisson Lindoso destaca ainda que o consumo de drogas ilícitas acontece de acordo com o tipo de substância. É o que ele chama de regionalização do consumo. “O bairro Calhau, por exemplo, não tem boca de fumo de crack, mas tem de cocaína. Dependendo do bairro, a droga mais consumida e o perfil do usuário mudam”, disse. Esse mudança se dá, segundo ele, pelo custo da droga. Uma pedra de crack custa, em média, R$ 5,00. Já a cocaína tende a ser mais cara. “Nisso, o que vemos é uma migração de usuários da classe A indo comprar drogas em bairros da classe C, por exemplo”, informa.

O bairro Barreto, apesar de ser da classe C, é uma das exceções. Lá, há diversos pontos de venda de cocaína. “No Barreto, a venda de cocaína é histórica. Desde a década de 1980 a droga é comercializada naquela região. Então, tanto o usuário das classes mais baixas quanto da elite compram cocaína no bairro”, explica Erisson Lindoso.

Ele chama a atenção também para as chamadas drogas de consumo esporádico, que são as drogas sintéticas, consumidas geralmente em festas como “raves”. “Estas drogas não são comercializadas como a maconha, a cocaína, o crack e o loló, que a pessoa usa diariamente. As drogas sintéticas são consumidas em ‘raves’ e uma única pessoa compra para dividir com outras tantas”, afirma. Justamente por isso existe uma dificuldade de obtenção de dados sobre o consumo dessas drogas.

Combate às drogas
O combate ao tráfico de drogas e a assistência aos usuários são hoje um dos maiores desafios do poder público, que precisa articular políticas nas mais diversas áreas para erradicar o problema. “Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública, pelo menos 92% dos crimes cometidos no Maranhão têm relação direta com o tráfico e consumo de drogas. O tráfico é um investidor do crime organizado”, afirma Erisson Lindoso.

De acordo com o membro da Remadd, as políticas de segurança pública, sozinhas, não são capazes de resolver o problema. “A polícia tem uma capacidade de atendimento aquém do necessário. Não há como cobrar efetividade se eles têm um número reduzido de pessoal. Além disso, apesar de a secretaria investir em efetivo e tecnologia, é preciso que o poder público invista também em assistência social e psicológica para os usuários e familiares, e isto só é possível fortalecendo as políticas de atendimento dos CAPS-AD”, informou.

Neste sentido, é necessário, segundo Erisson Lindoso, levar as políticas públicas para dentro dos bairros. “Existe um equipamento social que está em todos os bairros e que pode ser utilizado para fortalecer esse trabalho, que são as igrejas. Sejam católicas, evangélicas, além dos centros espíritas e os terreiros das religiões de matriz africana, que são espaços que conseguem chegar até a comunidade, e podem iniciar esse contato com o usuário, motivando-o a buscar tratamento”, disse.


SAIBA MAIS

O que é?
Boca de fumo

Ponto de drogas, popularmente chamado de boca de fumo, refere-se ao local, geralmente um barraco ou botequim, onde é feita a venda de drogas ilícitas, tais como maconha, cocaína, loló, e crack.
Cracolândia
É o espaço onde várias pessoas se reúnem para consumir crack. Em São Luís, as cracolândias costumam reunir de 5 a 20 pessoas, diariamente.

PARA ENTENDER A SITUAÇÂO

Crack
O crack vira pedra quando a mistura inicial de pasta de cocaína e bicarbonato de sódio é somada a outros elementos, como gasolina, querosene e até água de bateria.
O nome da droga vem justamente
do estalo produzido com a queima. Absorvida pelo pulmão, a fumaça inalada leva dez segundos para alcançar o cérebro, com tempo de efeito estimado entre cinco e
dez minutos. Os sentimentos
de prazer, euforia e poder que ele proporciona são seguidos por
uma depressão repentina e um
desejo intenso de repetir o uso, provocando a dependência.

A diferença entre cocaína e crack
A principal diferença da cocaína quando é inalada para o crack, que é fumado, é a via de administração. Ambos são drogas estimulantes do sistema nervoso. A cocaína, em geral, é cheirada e a via de absorção é a mucosa nasal, que é muito pequena. Então, ela demora mais para ser absorvida: em torno de 5 minutos, chega ao cérebro e começa a fazer efeito. Os efeitos de euforia, aumento da pressão arterial e da frequência cardíaca, que aumentam a sensação de bem-estar e energia, duram em torno de 1 até 3 horas, no máximo.
Com o crack, o efeito é potencializado, principalmente pela via de absorção ser diferente. Enquanto a cocaína é cheirada, o crack é fumado. A fumaça vai direto para o pulmão, que tem uma área de absorção muito grande. Então, em apenas 30 segundos, mais ou menos, a substância chega ao cérebro. O efeito acontece de forma muito mais rápida. A droga vai direto para o pulmão e de lá se espalha pelo corpo. Os efeitos são muito semelhantes aos da cocaína, mas duram menos, em torno de 10 minutos, o que significa que em pouco tempo a pessoa precisa da próxima pedra para sentir o mesmo efeito.

Chegada do crack ao Brasil
O crack surge nos Estados Unidos em 1981 e entra no Brasil nos anos 1990, alimentando o tráfico. Primeiro registro no Rio de Janeiro e em São Paulo é de 1991, e a introdução da droga no país se deu pelo “tráfico formiga”. A central de distribuição ficava em Corumbá, no Mato Grosso do Sul. No dia 30 de novembro de 1985, acontece a primeira menção do jornal O Globo ao crack. Em uma nota, o jornal relatou o aparecimento de uma nova droga em território americano, derivada da “extrema purificação da cocaína”, tendo como fonte o jornal The New York Times.
Também já alertava para seu potencial destrutivo, por causar muito mais dependência em comparação aos demais derivados da coca. De acordo com a agência americana de combate às drogas (DEA, na sigla em inglês), no entanto, já havia registros de sua presença no país desde 1981. A primeira edição d Globo a registrar a entrada da droga no Brasil data de 8 de setembro de 1991, listando como principais pontos de introdução o Rio de Janeiro e São Paulo. A invasão do crack começou aos poucos, pelo “tráfico formiga”, transportado de um ponto a outro em pequenas quantidades, e tinha como centro de distribuição Corumbá, no Mato Grosso do Sul.
O município fica a poucos quilômetros da fronteira com a Bolívia e já preocupava pelos cem pontos de distribuição em atividade. As primeiras apreensões na capital paulista se deram no mesmo ano, na região conhecida como “Boca do Lixo”, no Centro. No Rio de Janeiro, os primeiros registros policiais remetiam a nichos, como boates na Zona Sul. No entanto, a circulação em larga escala do entorpecente se deu em ritmos diferentes em cada capital. Enquanto o tráfico em São Paulo avançou, o do Rio de Janeiro começou propriamente em 2003, justamente por uma aliança entre uma facção paulistana e outra carioca. Desde então, a droga espalhou-se pelo país, das capitais até as médias e pequenas cidades.

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