Artigo

Eucaristia e cuidado da terra

Atualizada em 11/10/2022 às 12h37

Quem conhece o Rio de Janeiro já deve ter visto a incrível obra de arte que é o desenho da arborização do Aterro do Flamengo, cujo projeto paisagístico é de Burle Marx. A mesma cidade abriga um dos jardins mais famosos do país, o Jardim Botânico, com 209 anos completos, construído na época do então Príncipe Regente, dom João VI. Em ambos, o homem e sua criatividade construíram espaços que impactam prazerosamente qualquer pessoa que os veja. Não somente vejam, mas desfrutem desses espaços tão propícios para a vida.

As relações humanas e estas com tudo que existe foram iniciadas num Jardim. Jardim sugere harmonia e intencionalidade. E um Jardim não existe por si. É preciso uma inteligência que o conceba, uma concepção estética que, em si, tenha uma mensagem. O Jardim criado por Deus falava de relacionamento, trabalho e cuidado.

A desobediência humana agiu como um vírus que se replicou dentro do Jardim, quebrou sua perfeição, disseminou o medo, a agressão e a separação. Desde então, com a terra gerando espinhos, ervas daninhas e o pão sendo produzido à custa de duro trabalho, na expressão bíblica, “com o suor do rosto”, nasceu a desarmonia entre a humanidade e sua própria casa. O homem de cuidador, passou a ser destruidor de toda a criação. Tornaram-se inimigos. Hoje os vemos na desafiadora circunstância de enfrentar as consequências de milhares de anos de agressão à Terra. Tempestades mais fortes e recorrentes, secas, degelo das calotas polares, morte de animais, de aves e peixes, são o símbolo um ser humano predador e vítima ao mesmo tempo.

Todas essas reflexões me vieram à mente quando, na quinta-feira, feriado de Corpus Christi, pude ouvir o eloquente sermão de dom Belisário que alternou trechos bíblicos e temas ligados ao meio ambiente, relembrando a Campanha da Fraternidade deste ano, cujo tema é “Biomas Brasileiros e Defesa da Vida”.

O sacerdote chamou a atenção para esta grave situação que tão de perto fala de nós e das consequências antigas de nosso distanciamento da proposta divina inicial no Éden. A Igreja propõe a reconciliação que se manifesta na retomada da função inicial que ao homem foi delegada por Deus: cuidar e guardar o Jardim.

Como em Cristo todas as coisas são reconciliadas, em seu corpo que foi dado por nós restabelece-se a comunhão perdida. Ele mesmo é a mensagem do amor que a tudo abraça, inclusive a natureza, nossa casa, nossa provedora, nosso sustentáculo material maculado tantas vezes pela ganância humana.

O Apóstolo Paulo, em sua epístola aos Romanos, constata, no capítulo 8, a ansiedade pela restauração da natureza, quando diz que “ela foi submetida à futilidade, não pela sua própria escolha, mas por causa da vontade daquele que a sujeitou, na esperança de que a própria natureza criada será libertada da escravidão da decadência em que se encontra para a gloriosa liberdade dos filhos de Deus”.

Mas, enquanto isso não ocorre, cabe a nós o cuidado, o desvelo, a proteção. Que possamos juntos ser discípulos do bem, legítimos guardadores da criação divina.

Natalino Salgado Filho, MD.PhD

Médico, doutor em Nefrologia, ex-reitor da UFMA, membro da AML, ANM, AMM, IHGMA e SOBRAMES

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