Obra de 1916

“O Torrão Maranhense” em terceira edição

Esgotado há muito tempo, livro de Raimundo Lopes é reeditado pela Academia Maranhense de Letras; obra lançada em 1916 é considerada importante para a geografia maranhense e inovadora para a época

Carla Melo / O Estado do Maranhão

- Atualizada em 11/10/2022 às 12h39
O escritor Raimundo Lopes
O escritor Raimundo Lopes

SÃO LUÍS - O livro “O Torrão Maranhense”, de Raimundo Lopes, mesmo sendo apontado pelos especialistas como o primeiro a tratar da geografia humana, ainda é pouco conhecido pelos maranhenses. A obra é um marco da geografia maranhense e, de certa forma, nacional, já que a crítica o considerou como sendo de caráter inovador para a época. Publicada em 1916, foi reeditado na década de 1960 e novamente agora, quando a Academia Maranhense de Letras (AML) lançou a terceira edição.

Dividido em duas partes, o livro foi escrito pelo maranhense quando este tinha apenas 17 anos e publicado cinco anos depois. Nos anos 1960, ganhou nova impressão sob o patrocínio do então governador José Sarney. Na obra, o autor analisa o meio físico, a vida e a formação humana, bem como também abre espaço para fatores preponderantes e zonas maranhenses, com um longo estudo sobre os campos da Baixada.

O livro, no ano de sua publicação, causou grande surpresa entre os cientistas da época não apenas pela pouca idade de seu autor, mas também pela metodologia usada por Raimundo Lopes, que demonstrava pleno conhecimento da ciência geográfica que, à época, passava por transformações especialmente na Europa. Deixava de ser puramente estática e passava a ser investigativa das relações do homem com o ambiente.

Em texto de abertura da obra o escritor ressalta seu amor pelo estado natal, mas frisa que a intenção dos ensaios é dar destaque nacional ao Maranhão. “No conjunto das terras brasileiras, o Maranhão deixado à margem pela maioria dos cientistas, é uma das menos conhecidas, à luz do critério moderno”, escreve Raimundo Lopes.

Ele reforça a necessidade de sair deste estado de coisas e romper a rotina. “Ponha-se em foco, com mais amor e à luz critério mais amplo, a nossa terra, a nossa vida. Aplicar, na medida do possível, os princípios da geografia moderna e este recanto do país – não é outro o método destes ensaios”, pontua, ainda no texto de abertura de “O Torrão Maranhense”.

O presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão (IHGM), Euges Lima, ressalta que “O Torrão Maranhense” é uma indispensável fonte de pesquisa. “Neste livro, o autor aborda a geografia física, a geografia humana, além da formação histórica de São Luís e do Maranhão. É uma grande fonte de pesquisa para se conhecer como era o Maranhão e a São Luís de 100 anos atrás. É rico em gravuras, mapas, gráficos e dados”, ressalta Euges Lima.

O presidente do IHGM destaca a capacidade intelectual de seu autor e diz que isto demonstra o gênio precoce que era Raimundo Lopes. “Ele era versado em várias áreas do conhecimento, como antropologia, história, arqueologia e geografia, estas duas últimas, as que tiveram mais destaque, produzindo relevantes pesquisas, reconhecidas, nacionalmente e internacionalmente. Porém, ele mesmo admitia ser a geografia sua primeira e última paixão”.

Para o professor e membro da Academia Maranhense de Letras, José Neres, a obra deveria ser mais conhecido e mais estudado dentro e fora do Maranhão. “Escrito em um estilo até certo ponto euclidiano e com ares de um determinismo cientificista tainiano, esse trabalho de Raimundo Lopes demonstra um fôlego incomum para um jovem em tão tenra idade, mas que já demonstrava extremo domínio de métodos de pesquisa científica que somente décadas depois seriam amplamente divulgados”, frisa Neres.

O professor ressalta que ao escrever o livro, o autor não se preocupou apenas com a descrição física do ambiente, mas que foi além, colocando o ser humano como parte essencial no estudo da geografia, adotando métodos de diversas áreas como forma de complementar suas observações e seus estudos. “Dessa forma, ao descrever o sertão, as praias, as bacias hidrográficas e os campos, Raimundo Lopes não se esqueceu de analisar tanto os impactos da presença do homem nesses ambientes, quanto as influências do meio nos aspectos sociais. O ‘Torrão Maranhense’ é uma obra essencial, que, apesar de aparentemente datada, ainda pode servir para que os pesquisadores possam fazer uma ponte coerente entre aspectos do passado, do presente e possibilidades para o futuro”, diz o membro da AML.

Precursor na arqueologia no MA

Raimundo Lopes foi catedrático do Museu Nacional, precursor nos estudos e pesquisas de campo da arqueologia maranhense com trabalhos sobre os sambaquis e os achados das habitações lacustres pré-históricas da baixada maranhense, as chamadas “esteiarias,” ramo da arqueologia inaugurado por ele.

Raimundo Lopes faz, em sua obra, uma análise das origens dos grupos indígenas, dos negros e dos brancos que povoaram o Maranhão. Entre seus trabalhos destacam-se “Os Fortes Coloniais de São Luís”, “As Regiões Brasileiras”, “Entre a Amazônia e o Sertão”, “O Homem em Face da Natureza”, “Ensaio Etnológico sobre o Povo Brasileiro”, “Pesquisa Etnológica sobre a Pesca Brasileira no Maranhão”, entre outros. O maranhense publicou ainda o romance “Peito de Moça”. Seu último livro foi “Antropogeografia”.

Natural do município de Viana, no Maranhão, nasceu em 28 de setembro de 1894. Aos seis anos de idade, mudou-se com a família para São Luís. Na capital, foi matriculado na Escola Modelo Benedito Leite, onde estudou até 1903. Seu pai, que havia sido eleito governador do Maranhão dois anos depois de transferir-se de Viana, resolveu mudar-se para o Rio de Janeiro, renunciando ao cargo.

De volta ao Maranhão, já adolescente, fundou com os colegas do Liceu uma publicação onde mostrava o brilhante despertar de sua mente privilegiada. Também assinaria colunas em jornais conceituados como “O Diário do Maranhão” e a “Pacotilha”.

O livro “O Torrão Maranhense” foi publicado em 1916, quando o escritor retornou ao Rio de Janeiro. A obra causou de imediato grande surpresa entre o meio científico da época. Levado pela boa aceitação de seu primeiro livro publica, em capítulos, “Uma Região Tropical”, considerado um aprimoramento das ideias e análises apresentadas no seu livro de estreia.

Raimundo Lopes era bacharel em Letras e fez até o quarto ano de Direito, mas dedicou-se à pesquisa, de modo geral à etnografia, à etnologia, à arqueologia, à história e à sociologia. Foi membro da Academia Maranhense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão – do qual foi fundador da cadeira de número 1 patroneada pelo Frei Capuchinho do século XVII, Yves D’Evreux e é patrono da cadeira de número 27 desta sociedade. Ano passado, o IHGM para comemorar e divulgar o centenário de “O Torrão Maranhense,” organizou uma exposição com 10 painéis sobre o autor e seu primeiro livro. Integrou ainda a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro.

Com o irmão, Antônio Lopes, Raimundo Lopes criou o primeiro decreto de proteção dos casarões de São Luís, proibindo sua demolição. Trata-se do Decreto n°476 de 1º de julho de 1943. Criaram também a Comissão Municipal de Patrimônio Histórico, primeiro órgão de preservação ligado ao poder público.

Sob a orientação de Raimundo Lopes, o Instituto de Patrimônio Artístico Nacional (Iphan) fez o primeiro tombamento nacional no Maranhão. Trata-se do sítio arqueológico sambaqui do Pindaí. Raimundo Lopes faleceu no Rio de Janeiro, no dia 8 de setembro de 1941, dias antes de completar 47 anos.

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