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As aparências enganam

Técnico portuário, que foi vítima de cyberbullying, ainda sofre as consequências do crime, mas segue em seu propósito de continuar a trabalhar e estudar

Evandro Júnior - Da equipe de O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h39
David Viana teve foto compartilhada e, hoje, sente vergonha
David Viana teve foto compartilhada e, hoje, sente vergonha (DAVID VIANA BULLYING H)

SÃO LUÍS - Aos 36 anos e tendo percorrido uma trajetória marcada por episódios desagradáveis de bullying, inclusive na internet, o técnico portuário Robson David Viana Barros não desiste de seus sonhos. Recentemente, após publicar foto de sua formatura em Logística em uma rede social, mais uma vez ele foi motivo de chacota. O caso rendeu mensagens de solidariedade e desencadeou também uma reflexão sobre os crimes de internet.

A foto de David Viana, replicada por um internauta, originou montagem que o comparava a um famoso boneco de um filme. A brincadeira, de mau gosto, espalhou-se rapidamente pela rede mundial de computadores e mudou a rotina de David, levando-o à reclusão. É que, entre um e outro comentário, houve quem entrasse na onda do autor da brincadeira. “Ultimamente, só saio de casa para trabalhar. Fiquei com vergonha de todos”, conta.

Vergonha, aliás, é palavra onipresente na vida de David. Por diversas vezes, ele foi alvo de zoeira nos tempos da escola e rendia-se cabisbaixo aos infortúnios da timidez. Foi assim no Almirante Tamandaré e no Barbosa de Godóis, duas das três instituições de ensino por onde passou. No entanto, nada disso tirava sua força de vontade para estudar e correr atrás do sonho de se graduar e tentar vencer na vida.

Funcionário do Porto do Itaqui há mais de três anos, em poucos minutos de conversa, a melhor frase que se deveria postar sobre ele é aquela velha figura de linguagem: “As aparências enganam”. À vontade em sua própria casa, o técnico portuário revela-se um brasileiro sonhador, centrado, educado, estudioso, bem-intencionado e preocupado com o futuro. Recentemente, estava decidido a inscrever-se no programa de financiamento estudantil Fies, mas perdeu o prazo por desestímulo. “Fiquei triste e um pouco desestimulado, mas não vou perder da próxima vez. Quero continuar a buscar, a perseguir os meus objetivos”, promete.

Ultimamente, só saio de casa para trabalhar. Fiquei com vergonha de todosDavid Viana
Respeito

Filho da dona de casa Maria de Lourdes Viana Barros e irmão de Ronne e Renan, ele mora sozinho. A mãe mudou-se para Brasília e submete-se a tratamento de saúde. O pai é falecido e sua companhia mais fiel é a namorada, universitária e estudante de Enfermagem. No bairro, o acanhado canceriano é conhecido, reconhecido e respeitado.

Sentado no simples sofá, o pensamento voa longe, sempre relacionado a algo que possa fazê-lo mudar de patamar. “Quero estudar Farmácia, pois admiro essa área. Preciso melhorar de vida e reformar a minha casa, que está precisando”, diz ele, olhando para o telhado e folheando os papéis com as provas do crime.

Por diversas vezes, David perguntou a si mesmo o que leva uma pessoa a referir-se a alguém sem conhecê-la, descaracterizá-la ou brincar com seus sentimentos nas redes sociais, sem pensar nas consequências. Talvez por desconhecimento do Decreto-Lei 2.848/40, por meio do qual o Código Penal Brasileiro tipifica os crimes de cyberbullying, ou seja, aquele que se refere a uma intimidação sistemática praticada na internet, e de cybertalking (perseguição praticada pela rede).

Esses crimes, aliás, aumentam a cada ano. Entre 2012 e 2014, dispararam em 500%. “É uma coisa séria e as pessoas não têm limites. Eu apenas queria dividir com as pessoas aquela minha alegria. Era uma vitória, uma conquista de uma pessoa boa, esforçada e lutadora. Por um momento, pensei que receberia elogios, mas me surpreendi com os pensamentos maldosos das pessoas. O autor inclusive me pediu desculpas inbox, mas já era tarde demais”, lamenta.

David diz que uma brincadeira ou outra, saudável, não seria algo negativo para ele, como já aconteceu por diversas vezes, entre amigos. “Outra coisa é você fazer chacota de alguém espalhando em tudo quanto é canto, para o mundo todo. Isso não deveria acontecer, porque prejudica as pessoas. Ninguém sabe o que essa pessoa está passando naquele momento, se está com problemas na família, se está em dificuldades, ou algo dessa natureza. Uma postagem pode inclusive atrapalhar a sua vida profissional ou marcar você para sempre”, diz.

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