Artigo

Saco de gato

Atualizada em 11/10/2022 às 12h39

Outro dia a minha rotina de comer, de vez em quando, em restaurante foi quebrada por um casal de jovens que se sentou perto da minha mesa ao cair da tarde. Aparentando ter idade média de pouco mais de vinte anos, bonitos fisicamente e bem vestidos, instalaram-se em uma mesa ao lado da cortina de vidro que cobre o edifício, a alguns metros do jovem, de traços angelicais, que cantava o melhor da MPB acompanhado de um afinadíssimo acordeom.

Antes que algum garçom aparecesse, o jovem casal tirou do bolso e da bolsa um celular para ver as últimas notícias da rede, pensei comigo mesmo. Mas quanto estava enganado... Depois de tomar duas taças de suco de maracujá, para aliviar a ansiedade, não percebi nenhum afago ou olhar de ternura entre aquele jovem casal. Divorciado da realidade, parecia que cada um estava em um mundo virtual particular. Nem a musicalidade daquilo que reverberava no ambiente, nem a beleza da jovem que o acompanhava tiravam o rapaz da atenção do celular. Que perda de tempo, pensei novamente comigo mesmo.

Embora possamos achar comum esse comportamento, asseguro que por onde andei, fora do Brasil, nunca vi esse assédio ao aparelho celular, apesar de ter certeza de que a maior parte das pessoas que cruzaram comigo o possuía. Vou mais longe: envolvido pelas novidades que encontrava em cada cidade visitada, esquecia-me completamente deste aparelho. Mas por quê?!

Os jovens, particularmente, nessas cidades têm diversas fontes de diversão que não encontramos em São Luís. Em quase todas existe uma praça de reunião onde a população se reúne com segurança para fazer o seu happy hour, onde se reencontram e reafirmam amizades, depois de um longo dia de trabalho. Existem dezenas de museus, galerias, cafés, bares, restaurantes e lojas de departamentos pelo centro dessas cidades. Em outras, para aqueles que gostam de rezar, existem também dezenas de igrejas católicas e de outras religiões. Os teatros possuem programação diária para todo gosto e para todas as estações. Faça neve ou sol, sempre há atividades que atendem a todo um público nativo ou de turistas que por ali passam. São eventos que sempre agregam valor, seja uma peça de teatro como o Fantasma da Ópera ou um concerto de música clássica, no qual ouvimos Beethoven ou Bach. Para quem tem sangue quente, pode encontrar no flamenco espanhol a sua alma. Eles vivem no tempo real.

Percebi que o garçom, de forma gentil e educada, despertou o casal de jovens do sonho do outro lado da vida virtual, oferecendo-lhes o rico cardápio do restaurante de rede internacional. Infelizmente, não vi nenhum sinal de satisfação na face daqueles jovens ao serem trazidos para a vida. Eles ainda estavam processando as informações que receberam e mal agradeceram pela gentileza do velho garçom.

Eles, os jovens, muito tempo depois, foram embora sem perceber que havia naquele local alguém que cantava com voz de anjo, músicas que alimentam a alma e que gosto havia na comida que meteram na boca para se alimentar. Não vi um afago, um beijo ou um aperto de mão. Não vi cochichos ou algo semelhante. Que pena!

Sanatiel Pereira

Membro da ALL, ACLAC e da SOBRAMES, escritor, engenheiro, pesquisador e professor da UFMA

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