Denúncia

Mais de 15 mil propriedades rurais do estado mantêm trabalho escravo

Estimativa mostra ainda que no Maranhão as regiões com grande incidência de trabalho análogo ao de escravo são as regiões Tocantina e dos Cocais, em atividades como fabricação de carvão vegetal, agricultura e vestuário

Atualizada em 11/10/2022 às 12h40
Allan Kardec Ferreira afirma que trabalho escravo ainda é comum
Allan Kardec Ferreira afirma que trabalho escravo ainda é comum (Allan Kardec Ferreira)

SÃO LUÍS - No Maranhão, hoje, estima-se que há mais de 15 mil estabelecimentos rurais de pequeno, médio e grande porte atuando com mão de obra em condições degradantes e que menos de 100 estabelecimentos são fiscalizados eficientemente por ano. A informação é do auditor fiscal do Trabalho Allan Kardec Ferreira.
Segundo ele, a drástica diminuição das ações fiscais levou ao descrédito do combate, tanto entre as vítimas (trabalhadores rurais), quanto entre os próprios empregadores. “Diante da falta de efetividade do poder público, as empresas voltaram a praticar ações irregulares, confiantes em que a mão do Estado não as alcançará. Para o empregador, ainda vale a pena arriscar, mesmo porque o máximo que pode atingi-lo é o pagamento das verbas trabalhistas devidas e multas com valores defasados, já que as ações civis públicas e as criminais se arrastam ao longo dos anos na Justiça, que até agora praticamente não condenou e não prendeu ninguém”, afirmou.
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), mais de 20 milhões de pessoas em todo o mundo estão trabalhando em condições análogas à escravidão. Aqui, no Brasil, de 1995 a 2016, os auditores fiscais do trabalho já resgataram um total de 50,3 mil trabalhadores, por meio da criação dos Grupos Móveis de Repressão do Ministério do Trabalho, que atuam em todo o território nacional.
De acordo com Allan Kardec Ferreira, esses grupos possuem metodologias de atuação definidas para a imediata correção das ilegalidades encontradas, como a retirada dos trabalhadores das condições degradantes de trabalho, pagamento das verbas trabalhistas devidas, emissão e regularização documental do trabalhador, garantia de todos os direitos trabalhistas previstos em lei, inclusive, com a concessão de seguro desemprego. “O empregador também é punido com multas administrativas, indenizações por danos morais coletivos e/ou individuais, ação civil pública e até inquérito policial criminal”, completa.

Política
Os Grupos Móveis foram melhor estruturados, com logísticas, equipamentos, viaturas e treinamentos adequados dos auditores fiscais do trabalho. Houve ainda a criação de Grupos regionais em alguns estados, inclusive no Maranhão. “Essa política alavancou ainda mais a presença do Estado Brasileiro na repressão ao trabalho escravo. O resultado foi um expressivo aumento de trabalhadores resgatados, multas aplicadas, indenizações pagas, nomes na lista de empregadores, ações civis publicas e ações criminais instauradas”, detalha Allan Kardek.
Para o auditor fiscal do Trabalho, houve época em que os empregadores rurais, por exemplo, passaram a contratar os trabalhadores pelo tempo necessário e fazendo o pagamento do salário mínimo, ainda que outros direitos não fossem respeitados, só pelo receio das ações repressivas e das denúncias ao Ministério do Trabalho. “Infelizmente, nos últimos cinco anos, houve uma redução significativa nas ações de repressão, tanto a nível nacional, como regional, o que refletiu no baixo número de trabalhadores retirados das condições humilhantes e degradantes de trabalho, se comparado com os anos anteriores”, constata.
Entre as causas da existência do trabalho escravo, de acordo com pesquisas realizadas por ONGs e entidades que atuam diretamente no combate ao problema, estão a extrema pobreza, o analfabetismo e o desemprego. Estudos mostram que os trabalhadores resgatados retornam e se submetem a qualquer condição de trabalho, na esperança de poder ajudar a família e não morrer de fome. ”O problema é econômico e social. É necessária e urgente a adoção de políticas públicas mais efetivas de apoio ao trabalhador e que ofereçam educação, profissionalização, habitação, terras para trabalhar, meios e condições para que tenham emprego e renda e possam “andar com suas próprias pernas”, acabando com a dependência e subserviência a terceiros para sobreviver”, salienta Allan Kardec.

Maranhão
No Maranhão, duas regiões com grande incidência de trabalho análogo ao de escravo são a Tocantina, no sul, e a dos Cocais, no leste do estado. Nestas, originou-se a quase totalidade das denúncias, sendo concentradas a maioria absoluta das ações de repressão ao longo dos anos.
As principais atividades econômicas que submetem o trabalhador a condições degradantes de trabalho são a pecuária (limpeza manual do pasto – “roço de juquira”), a fabricação de carvão vegetal e a agricultura. Também foi identificado trabalho degradante, com resgates de trabalhadores, nas atividades da indústria da construção e na de vestuário.

Operação
Nas ações de repressão ao trabalho análogo ao de escravo, a coordenação do grupo é sempre de um auditor fiscal do trabalho, que, em conjunto com os outros auditores, com o procurador do Trabalho e com polícias (PF e PRF), planejam e executam todos os detalhes da operação. É de responsabilidade também dos auditores a retirada dos trabalhadores dos locais degradantes de trabalho e encaminhamento aos seus locais de origem, a emissão de documentos necessários para regularização do trabalhador, o cálculo das verbas rescisórias e acompanhamento do pagamento, a lavratura dos autos de infração necessários e a elaboração do relatório da ação, que é o documento base para a instauração dos procedimentos civis e criminais contra o empregador.

“O grupo móvel de repressão ao trabalho escravo pode atuar sem a participação do procurador do Trabalho e, às vezes, até sem os policiais federais, mas nunca sem o Auditor Fiscal do Trabalho”,explica Kardec.

Um dos atuais desafios do Ministério do Trabalho é o reduzido quadro efetivo de auditores fiscais do trabalho em todo o país. As baixas são por aposentadoria, falecimento ou mesmo saída do auditor para outras carreiras. De acordo com a ONG Repórter Brasil, que realiza ações educativas, pesquisas e levantamentos de dados sobre o tema, seriam necessários mais 5000 novos auditores fiscais do trabalho, considerando que hoje a categoria possui um quadro de pouco mais de 2,7 mil auditores. E os números continuam em queda, sendo urgente a realização de novos concursos para cobrir esta lacuna.

Outro ponto fundamental que também tem sido um grande entrave é o impasse do Ministério do Trabalho em fazer a publicação da Lista Suja, o que na avaliação do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (SINAIT), favorece maus empresários, além de enfraquecer a fiscalização e prejudicar os trabalhadores.

Uma notícia positiva, de acordo com a presidente da Delegacia Regional do SINAIT/MA, a auditora fiscal do trabalho Mônica Damous Duailibe, é que no dia 14 de março, o ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Alberto Luiz Bresciani, suspendeu a decisão do presidente da corte trabalhista, Ives Gandra Filho, que impedia a divulgação da Lista Suja do trabalho escravo.

“A decisão ainda deve ser analisada pelo plenário do TST. Caso seja favorável, o Ministério do Trabalho é obrigado a publicar o documento. É importante destacar que a Lista Suja representa um grande avanço e, desde 2003, é reconhecida pela ONU como um instrumento modelo de combate à escravidão contemporânea em todo o mundo. Uma das consequências imediatas é a imagem do empresário, que fica arranhada perante a sociedade brasileira, além disso, empresas e bancos públicos podem negar crédito, empréstimos e contratos a fazendeiros e empresários que usam trabalho análogo ao escravo”, pontua a auditora fiscal do trabalho.

Números

15 mil

estabelecimentos rurais atuam com trabalho escravo no MA

100 estabelecimentos são fiscalizados, mas de forma ineficiente

“Diante da falta de efetividade do poder público, as empresas voltaram a praticar ações irregulares, confiantes que a mão do estado não os alcançará”, Allan Kardec Ferreira, auditor fiscal do trabalho

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