Meio ambiente

Em quase 30 anos, a Ilha de São Luís perdeu metade dos seus manguezais

Especialista em mangues, a bióloga Flávia Mochel chama atenção para a importância de preservação desse ecossistema; não é apenas o meio ambiente que sofre com sua degradação: eles influenciam na economia

Jock Dean / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h40
Caieiras na área de mangue destroem região
Caieiras na área de mangue destroem região

SÃO LUÍS - A pouca agitação nas águas de um manguezal é um dos fatores que levam esse habitat a ser conhecido como berçário da vida. São regiões cuja turbulência da água é pouco intensa, perfeitas para o depósito natural de partículas finas de matéria orgânica e nutrientes no fundo do canal. Em função disso, toda uma cadeia alimentar se desenvolve a partir do mangue. Mas não só ela. A preservação dos manguezais é importante também para fazer girar a economia, mantendo toda uma cadeia produtiva de pescados, para a preservação de culturas tradicionais e até evitar o agravamento de problemas urbanos. Mas em São Luís o berçário da vida está cada vez mais ameaçado. Em quase 30 anos, a Ilha de São Luís perdeu metade dos seus manguezais.

Segundo a professora da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e bióloga com pós-doutorado em Recuperação de Manguezais Flávia Mochel, até 1970 a Ilha de São Luís havia perdido 12 mil hectares de área de mangues. A partir da década de 1970, a área degradada aumentou e chegou a 30 mil hectares até os dias de hoje. Ou seja, em apenas 50 anos São Luís perdeu 2,5 vezes mais manguezais que ao longo do restante de sua história.

“Da década de 1970 a 1980, a degradação dos manguezais foi mais lenta porque os usos dados às áreas de mangue eram menos danosos que atualmente. A lenha do mangue era muito usada em fornos de padarias, mas também já havia desmatamentos à base de machados, sobretudo para a construção de moradias”, explica Flávia Mochel, que também é coordenadora do Centro de Recuperação de Manguezais (Cermangue) e do Laboratório de Manguezais (Lama) da UFMA.

Ainda de acordo com a especialista, até a década de 1980 o poder público (Prefeitura de São Luís e Governo do Estado) estava entre os maiores desmatadores de mangues, pois a madeira da vegetação típica desse ecossistema foi usada na construção de pilastras das pontes do São Francisco e Bandeira Tribuzi, em obras como a do Aterro do Bacanga e até na construção de tapumes para obras públicas.

A partir da década de 1990 o processo de degradação dos manguezais da Ilha de São Luís começou a ocorrer de forma mais acelerada. Desse período até a atualidade, metade da área de mangues foi devastada por causa da ação humana. A última década, segundo a professora, representou parte significativa dessas perdas. “Mas é importante destacar que foi na década de 1990 que começou um movimento mais organizado de defesa e preservação desse ecossistema, inclusive com legislações estadual e municipal proibindo o uso de lenha de mangue em fornos de padarias, isso entre 1988 e 1993, quando esses estabelecimentos tiveram de começar a usar forno à gás”, conta Flávia Mochel.

[e-s001]O Código Florestal, após a última reforma, incluiu os manguezais em Área de Preservação Permanente (APP). Além do Código Florestal, o Maranhão conta com a Constituição Estadual na preservação dos manguezais e com a Federal, que considera a Zona Costeira patrimônio nacional. “O problema é a aplicação efetiva da legislação para combater a degradação ambiental do ecossistema. O problema é a falta de fiscalização”, destaca Flávia Mochel.

Consequências
Acontece que não é apenas o meio ambiente que sofre com a degradação dos manguezais. Conforme explica a bióloga, a deterioração dos mangues afeta a vida da cidade em diversas formas. “O mangue funciona como uma esponja que retém o excesso de água das chuvas, dos rios e da maré. Se o seu solo que é chamado pelas pessoas de lama for encoberto e ele perder suas características naturais ele perde esta função e uma das consequências disto são os alagamentos, pois a água deixa de ser retida”, frisa Flávia Mochel.

Ainda de acordo com a professora, as pessoas não relacionam os impactos ambientais sobre os mangues com a cadeia produtiva e economia do estado. “O Maranhão é o estado brasileiro com maior população de caranguejos e esse animal se reproduz nos manguezais. Assim como ele, há várias espécies de peixes e crustáceos que se reproduzem nos mangues. Se os mangues são devastados, esses animais começam a diminuir sua população. Isso encarece a produção e o preço para o mercado aumenta”, informa.

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Mudanças urbanas aceleram degradação de manguezais

Ela chama atenção ainda para o risco de populações inteiras de espécies animais nativas de mangues desaparecerem. “Com isso, o pescador fica sem trabalho, pois não tem mais de onde tirar seu sustento. O resultado disso é o aumento do desequilíbrio social. Além do mais, comunidades tradicionais podem desaparecer, causando também impactos culturais decorrentes da falta de preservação dos manguezais”, diz. Além de fonte de renda, os manguezais são reconhecidamente uma fonte de segurança alimentar para as populações ribeirinhas.

Desmatamento, erosão acelerada, especulação imobiliária e obras públicas. Ações humanas que colocam em primeiro lugar o chamado desenvolvimento sem medir as consequências ambientais. Esse é um roteiro de degradação já bastante conhecido. Mas em relação ao mangue há um agravante de cunho cultural. “É o sentimento de desprezo e nojo, que prevaleceu por décadas, em relação a lama. A encharcada floresta de manguezais já foi associada a doenças, a sujeira e a pobreza”, lamenta Flávia Mochel.

Números
12 mil hectares foi a área de mangues que a Grande Ilha perdeu até 1970
30 mil hectares foi a área de mangues que a Grande Ilha perdeu até a atualidade

SAIBA MAIS

O manguezal é um ecossistema costeiro de transição entre a terra e o mar característico das regiões tropicais e subtropicais. Está sujeito ao regime das marés. Na Amazônia, os estados do Maranhão, Pará e Amapá possuem 50% da cobertura florestal de mangue do Brasil. É a maior área contínua do mundo, denominada pelos pesquisadores como Costa de Manguezais de Macromaré da Amazônia (CMMA). Só no noroeste do Maranhão são quase 6 mil quilômetros quadrados do litoral.

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