Vida de pescador - 1ª parte

Desventuras de quem tem na pesca diária o seu sustento

Quando o barco fica à deriva, a preocupação dos pescadores é com o gelo, que pode derreter e estragar todo o trabalho e o ganha-pão de um dia inteiro de pesca

Atualizada em 11/10/2022 às 12h41
Barco de Alciron Costa é resgatado pelo irmão, Rogério, depois de ficar à deriva em alto-mar, com pescado
Barco de Alciron Costa é resgatado pelo irmão, Rogério, depois de ficar à deriva em alto-mar, com pescado

RAPOSA - O perigo é constante na vida dos pescadores artesanais de Raposa, apesar de eles afirmarem que é tudo normal e já estarem acostumados com a dura vida de ir para o alto-mar e passar vários dias dentro de uma pequena embarcação, com no máximo oito metros de comprimento, no caso das maiores.

E para eles não tem tempo ruim. Segundo o pescador Rogério Costa Araújo, quando a chuva está muito forte eles ainda chegam a protelar o embarque por algum tempo, mas caso o tempo feche depois de já terem saído não tem jeito. Têm de seguir em frente e enfrentar a tempestade, ainda que os riscos possam vir desse ato, como o acidente ocorrido com Jackson Gonçalves.

Além disso, ainda têm que enfrentar os problemas com equipamentos. O irmão de Rogério Araújo, Alciron Costa, pescador desde os 12 anos, ficou dois dias à deriva em alto-mar, e essa nem foi a primeira vez.
Sua embarcação apresentou problemas no motor e vazou todo o óleo. Sem poder colocar o motor para funcionar, ele abriu a vela da embarcação e veio navegando até mais perto da costa, onde conseguiu um sinal de telefone celular e pediu socorro. “A gente bota o pano e vem vindo, correndo vários riscos. Risco de ser atropelado pelos navios, de bater em um banco de areia”, afirmou.

LEIA TAMBÉM:

Amor à profissão e perigo se unem no mar de Raposa


Rogério foi resgatar o irmão em outro barco, seguiu até o mar, lançou uma corda, que foi amarrada à proa da embarcação quebrada e a trouxe, puxada por vários quilômetros, em algumas horas.
Segundo conta, existe uma lei que primeiro foi impetrada entre os pescadores e depois acolhida pela Capitania dos Portos, de que se um barco encontrar outro à deriva, o que está em boas condições, tem a obrigação de fazer o resgate. O mesmo é válido para equipamentos e pessoas. “Se o barco não fizer o resgate, pode até pegar multa”, afirma o pescador.

Nesses dias a pesca de Alciron ficou prejudicada. A previsão era de voltar com 300 a 400 quilos de pescado, mas por causa do problema só conseguiram 80 quilos. Dois dias inteiros à deriva, que doeram mais no bolso e no brio do que causaram medo, já que é costume deles estar dentro da água e é comum esse tipo de situação ocorrer.

[e-s001]A inquietação mesmo é com o que já foi retirado do mar, já que o barco pode passar muito tempo à deriva e o gelo que levaram para conservar o peixe pode derreter e acabar estragando a pesca.
Ao chegarem à terra, nem pensar em se preocupar em ir para a casa ou procurar um médico. Trataram foi logo de desembarcar o pouco peixe que pescaram e vendê-lo, ali mesmo no cais, numa espécie de leilão, onde os vencedores arremataram toda a pesca por cerca de R$ 600,00. Muito pouco por tanto trabalho e inconveniente. Talvez não desse nem para pagar o prejuízo do motor.

Vida dura
Segundo pesquisadores da vida pesqueira no Maranhão, a idade média dos pescadores da Raposa é de 40 anos, com uma pequena proporção deles mais jovens, com menos de 30 anos, e uma maior proporção de gente mais velha. A maioria tem mais de 18 anos de prática e começou na vida por influência dos pais.

É gente como Luís Alfredo Souza Moraes, de 61 anos, que pesca desde os 10. Ele diz que precisou trabalhar cedo para ajudar os pais e os 12 irmãos em casa. Por causa disso, passava um ano inteiro pescando e o outro estudando. Por muitos e muitos anos trabalhou na pesca quando ainda não existia motor e as embarcações eram movidas unicamente pelo vento.

Nessa época, a pesca era boa e uma canoinha chegava a trazer até uma tonelada de pescado do alto [e-s001]mar. E era uma canoazinha mesmo, com cerca de três metros de comprimento, sem coberta, sem luz, navegando ao sabor do vento e embaixo das estrelas, ou da chuva forte, sem proteção alguma.

Nas horas de tempestade, eles simplesmente estendiam o pano da vela sobre o barco e se abrigavam embaixo, até que o temporal passasse. Muitas vezes, a coberta era insuficiente, e no fim acabavam todos molhados mesmo. “Muitas e muitas vezes à noite a gente atravessava o canal dos navios e só tinha a lamparina para avisar que estávamos ali”, relembra o homem.

SAIBA MAIS

O Maranhão tem o segundo maior litoral do Brasil. São 640 km de costa, com 92% da produção pesqueira artesanal proveniente da zona costeira, que abriga cerca de 200 comunidades pesqueiras. Segundo pesquisadores, a comunidade de Raposa seria a maior e mais desenvolvida no estado. No Maranhão inteiro, seriam mais de 47 mil pescadores vivendo exclusivamente da pesca artesanal, que é uma atividade limitada quando comparada à pesca industrial, mas tem papel fundamental na geração de
mão de obra e renda para milhares de famílias maranhenses.

Fonte: “Abordagem socioeconômica dos pescadores de Raposa”, trabalho orientado pela professora Marina Bezerra Figueiredo, do curso de Engenharia de Pesca, da Universidade Estadual do Maranhão

Assista o vídeo:

Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais Twitter, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.