Trajetória

Por dentro da arte de Dionisio Neto

Maranhense que é ator, diretor e dramaturgo prepara dois livros que serão lançados este ano; as publicações reúnem peças de sua autoria e o primeiro será lançado em março, em São Paulo

Carla Melo / Da equipe de O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h41
Dionisio Neto lançará dois livros sobre teatro
Dionisio Neto lançará dois livros sobre teatro

O ator, diretor e dramaturgo maranhense Dionisio Neto – que atuou no filme "Carandiru" e nas novelas "A Favorita", "Morde e assopra", entre outros trabalhos - lançará neste ano dois livros pela Editora Benfazeja. O primeiro será “Desembestai!”, que chega ao mercado em março, mas já encontra-se em pré-venda no site da editora. O segundo, previsto para o segundo semestre, é “Opus Profundum”. Ambos são coletâneas de peças de autoria do ator, que mora em São Paulo.

“Desembestai! - peças reunidas volume 1” é uma coletânea inédita da obra do dramaturgo maranhense que reúne peças-míticas da dramaturgia brasileira pós Nelson Rodrigues – Plínio Marcos. O volume traz prefácio de Luís Cláudio Machado e textos teóricos de Ivan Feijó, do também maranhense Zen Salles e Luiz Maurício Azevedo.

“Desembestai!” reúne a peça homônima, que que estreou em 1996 e na qual há uma fusão de diversos gêneros teatrais com HQs e ainda as montagens “Antiga – a milagrosa tragédia da imagem que perdeu seu herói”, de 1999, em que um pichador, uma modelo, uma diva enclausurada e um magnata da tecnologia passam o réveillon juntos em uma mansão; bem como a lendária “Os dois lados da Rua Augusta”, de 2007, que é uma ode à rua mais famosa do Brasil; “A Peregrina, a Guerrilheira e a Deusa na Terra da Rainha Cega”, uma fábula onírico lisérgica e “Sísifo (transe remix #0)”, de 2015, um texto lançado no jornal Folha de São Paulo em que, baseada em um mito grego clássico, o autor avança os limites do “pós-dramático” e faz conteúdo e ­forma dialogarem vertiginosa, dramática e poeticamente com o clássico e com o contemporâneo.

A coletânea também traz textos teóricos de convidados como Zen Salles, Luiz Mauricio Azevedo, um prefácio de Luís Claudio Machado e textos do autor que contam sobre o processo criativo das peças. No final, o leitor tem acesso a crítica publicada nos principais veículos de mídia do Brasil e um posfácio de Dionisio Neto.

Destinada a atores, diretores, estudantes de teatro e público em geral, com interesse no diálogo da dramaturgia brasileira contemporânea com a cultura pop e dramaturgia mundial, a obra engloba 10 anos da produção do autor.

O livro precede “Opus Profundum - peças reunidas volume 2” que reúne as peças “O dia mais feliz da sua vida”, “Mark Chapman”, “Camaleões dourados do Paraíso” e “Nelson Rodrigues meu amor, meu amor, meu amor!”. A publicação também traz textos teóricos de Ivan Feijó, Eugênio Lima, Márcia Abujamra, Martha Nowill e Maurício Paroni de Castro. Os livros contam com crítica e posfácio do autor.

Dionisio Neto estreou como dramaturgo em 1996 e chamou a atenção da crítica especializada, de artistas como Antunes Filho, José Celso Martinez Corrêa e Plínio Marcos, entre outros. Na entrevista exclusiva abaixo ele fala sobre as publicações, carreira e planos.

As obras reúnem parte de sua produção teatral dos últimos anos. Por que juntá-las as em um livro? E como é o diálogo entre estes dois suportes (teatro/publicação)? O que muda de um para o outro quando se pensa apenas no texto?

A primeira peça que li na vida foi “O pagador de promessas”, de Dias Gomes, quando criança, no Colégio Stella Maris. Fiquei fascinado com aquela forma de escrita. Eu comecei a fazer teatro antes mesmo de ver teatro. Depois li as obras completas de Nelson Rodrigues nos meus tempos do CPT (Centro de Pesquisas Teatrais) de Antunes Filho, e depois, logicamente, as peças do Shakespeare. Eu me interesso pelo texto dramatúrgico. Dizem que ele está para a literatura como os quadrinhos para a pintura. Eu não concordo. Eles podem ser um meio apenas, visando a montagem das peças, mas existem por si, como expressão artística de um autor. Muitos dramaturgos ganharam o Nobel, como Dario Fo e Harold Pinter. A dramaturgia escrita tem muita força. Uma dica é que ela seja lida em voz alta, visto que é escrita para a voz do ator. Isso muda tudo. Quando fui a Londres e Nova Iorque, fiquei fascinado com o mercado editorial de dramaturgia, que aqui no Brasil, como quase tudo, apenas engatinha. Reunir minhas peças em um livro é minha contribuição para a formação deste público. Talvez ela atinja alguma criança, que como eu, se encante e comece a fazer teatro. Eu também desejo que minhas peças sejam montadas por companhias que não sejam a minha. Quero com estes livros, democratizar a minha produção. Escrevi 14 peças até hoje e estou escrevendo a 15ª que talvez saia no próximo volume, uma volta à ficção científica que iniciei com “Perpétua”, minha primeira, sobre um Tsunami sobre o Leblon. Muita gente que ia ver minhas peças me pedia para ler os textos. O texto dramatúrgico tem suas leis, eu aperfeiçoei minha técnica com os mestres do Royal Court Theatre, o maior teatro de autores da Inglaterra. Quando lemos apenas o texto somos instigados a usar nossa imaginação, e se formos muito, pulsará em nós o desejo de levá-lo ao palco. É o que desejo aos leitores.

Sua produção teatral dialoga com o seu tempo. Dentro desta perspectiva, quem te influencia?

Shakespeare disse em “Hamlet” que o teatro é o espelho do seu tempo. Isso sempre me intrigou. Minha dramaturgia é um diálogo com o que vivo, com o que escuto, respiro, vejo. Sou muito influenciado pela cultura pop e pela contemporaneidade. “Opus profundum” eu escrevi depois que vi o clipe 1979 dos Smashing Pumpkins e li Tongues de Sam Shepard. “Camaleões dourados do Paraíso” escrevi a partir de uma imagem de manifestantes em um desfile de moda. “Perpétua”, depois que vi Marlon Brando em “Um bonde Chamado desejo”. “Antiga”, é inspirada em minha convivência com a musa Verane Murad. É meu desejo de dialogar com o que me move e transformar isto em arte. Muitas das minhas peças adiantam fatos. “Antiga” foi escrita em 1999 e é atualíssima com toda esta questão da guerra do grafite que estamos vivendo em São Paulo. O protagonista é um pichador ou um artista? Quem decide isso? Anos depois uma moça pichou as obras de um museu, que é o desejo do protagonista, Capricórnio. E tem a questão dele não conhecer o pai e o pai dele ser um político. Aconteceu isso comigo. Conheci meu pai biológico aos 40 anos e ele era um político - Raimundo Assub. São esses mistérios da vida e da arte que estão no ar. O artista é uma antena.

O livro será lançado em março, em São Paulo. Depois disto, existe uma agenda de lançamentos em outras cidades? São Luís está incluída?

Sim. Estamos conversando com algumas capitais como Curitiba, Rio de Janeiro, São Luís. E algumas cidades como Paraty (na Flip) e outras. Adoro fazer feiras literárias, dar oficinas de dramaturgia. É um complemento ao meu ofício.

Ator também estrelou trabalhos de outros autores, como a peça
Ator também estrelou trabalhos de outros autores, como a peça "Desamor", de Walcyr Carrasco

Você tem uma forte vivência no teatro, tanto como autor como ator. Como você vê o momento atual neste segmento no que se refere tanto à produção quanto a montagens?

Desde que me entendo por gente ouço falar que o teatro está em crise. Atualmente mais do que isso, o Brasil e o mundo estão atravessando uma crise violenta e a cultura é a primeira a sofrer com isso pois para muitos governantes é tida como supérflua. Lógico que não é. A cultura é a alma do povo. E sem alma seremos um acumulado de zumbis acéfalos e viraremos massa de manobra. Paradoxalmente, para a arte, este momento é fértil, pois o artista tem a capacidade de plantar flores no lixo. Do lodo nasce a flor de lótus. Mesmo com todo o reconhecimento que tenho como artista nacional e internacionalmente, estou passando por um momento muito delicado quanto à escassez de recursos para a montagem de meus espetáculos. Sinto-me como Sísifo que tem que recomeçar todos os dias. Escrevi uma peça sobre este fantástico mito grego que está no livro. Mesmo com a musa do Cinema Novo Helena Ignez (que foi a minha Crista em “Antiga”) e com Reinaldo Lourenço, um dos maiores estilistas do país, na equipe, encontro dificuldades de apoio. Mas isso não me desanima. Pelo contrário. Paradoxalmente estou sendo montado na Alemanha, que é um país de vanguarda na cultura mundial, que não aceita qualquer coisa. O Acker Stadt Palast está montando “Perpétua”, minha primeira peça, em Berlim, com uma diretora alemã. Também estou sendo produzido em Nova Iorque. Ao que tudo indica, o meu atual caminho é internacional, tanto como autor como ator, visto que estou sendo chamado para produções em Los Angeles e acabei de atuar em uma série do Canal + da França – “Crime Time: hora de perigo” (que ganhou esta semana o prêmio de melhor série no Festival International des Programmes Audiovisuels em Paris), dirigida pelo genial Julien Trousselier, uma série para celular. Uma revolução no meio. O Brasil por vezes é uma grande Medéia que mata seus filhos. Estou escapando disto como posso.

“A espontaneidade, a alegria, o carisma do povo maranhense são pérolas. Eu faço colares diários com elas. E distribuo por aí” Dionisio Neto, ator

Infelizmente, muito do que se produz no eixo Rio/São Paulo em teatro não alcança o Nordeste brasileiro. O inverso também é verdadeiro. Em sua opinião, há como vencer estes obstáculos? Como fazer com que estes espetáculos circulem mais?

Eu tive a honra de abrir a I Semana do Teatro no Maranhão com “Perpétua”. Lotei o Teatro Artur Azevedo. Foi um tremendo sucesso. Depois, mesmo me inscrevendo diversas vezes nos editais, nunca mais consegui voltar. O Brasil sofre de Alzheimer crônico. Claro que tenho vontade de levar meus espetáculos ao Maranhão. Mas sem convites e sem apoio financeiro é inviável. O teatro, como todas as artes, custa dinheiro. Muitas pessoas pensam que artistas não pagam suas contas, não comem, não dormem, não bebem, não se vestem como qualquer pessoa. Logicamente isso não é verdade. Fico muito feliz com a nova cena de cinema que está acontecendo no Maranhão. Isso é um milagre. Impensável há algum tempo. Posso destacar o Lucas Sá e o Marcos Ponts, que estão fazendo um trabalho maravilhoso. Tenho muita vontade de trabalhar com esta nova geração. Me vejo muito neles. É preciso também que haja apoio do governo e dos empresários. A arte enobrece o homem, eleva a alma das pessoas ao Olimpo. Sempre ouvi dizer que o Brasil é uma carroça quebrada que só anda para trás. Em parte isso é verdade, mas em parte aqui temos artistas visionários, reconhecidos mundialmente. Agora vendo o cenário político que nos cerca é desanimador. Mas como não tenho plano B, a minha sina é esta mesma. Ninguém se chama Dionisio impunemente.

Como você vê os incentivos públicos voltados para as artes? Os editais são os melhores modelos?

O que mais me frustra é a máfia dos editais que se alastrou pelo país. São os amigos dos amigos, os parentes, os amantes dos jurados que ganham os editais. Muita gente medíocre toma o lugar de grandes artistas por não fazerem parte da panela. Sempre disse que eu não cozinho em panelas. Cozinho em caldeirões gigantescos. Muitas vezes o artista consagrado é apedrejado por seu talento. É um contrassenso isso. Vejo muita gente passando fome e muito artista de oitava categoria ganhando editais porque faz parte da máfia. Sim, existem carteis culturais no país. Isso nivela tudo por baixo. Contribui para o atraso do nosso povo. Uma lástima. Há também uma mentalidade tacanha dos empresários que patrocinam espetáculos por pior que eles sejam somente porque o ator está na novela. Eu tive uma experiência recente neste sentido. Fui ver uma peça absolutamente lotada de um ator da TV que era medíocre, a plateia incomodadíssima com o que via, visto que era uma afronta à inteligência e à sensibilidade, mas tinha milhões em patrocínio. No dia seguinte fui ver “O Maldito”, do genial Fransérgio Araújo, ex-integrante do Teatro Oficina, com apenas três pessoas na plateia. Uma delas era eu. Foi uma das peças mais lindas que eu já vi na vida. A lavagem de dinheiro no Brasil é crônica e chegou lamentavelmente à cultura.

O que mais me frustra é a máfia dos editais que se alastrou pelo país. São os amigos dos amigos, os parentes, os amantes dos jurados que ganham os editais. Dionisio Neto, ator

Seus trabalhos são bem avaliados pela crítica. Mas quanto ao público? Como você mede esta temperatura?

Eu tenho uma relação de amor intenso com meu público. Já fui parado na rua pelo curta “Dramáticos Demais”, adaptado da minha peça “Desconhecidos” (publicada no meu primeiro livro - Cinco Peças, Ed. Giostri). Este curta está no youtube. Fizemos para internet em uma ação entre amigos. Eu e Guta Ruiz interpretamos um casal de atores. São novos caminhos que se abrem. E independência está mais acessível do que nunca ao artista. Este é um belo caminho a ser trilhado. Eu tenho um amor profundo ao meu público. Sem ele minha arte não tem sentido e não existiria.

Para quem os livros falam? Do que falam? E como falam?

As peças do livro falam para todo mundo. Eu sempre namorei a cultura Pop. O que mais me fascina é que meus textos atingem intelectuais do porte de Nicolau Sevcenko, que foi um dos nossos maiores historiadores, professor no Center for Latin American Cultural Studies do King's College da Universidade de Londres, na Universidade de Georgetown (Washington DC), na Universidade de Illinois (Urbana-Champaign) e na Harvard University. Ele viu duas de minhas peças – “Perpétua”, que prefaciou (o brilhante texto dele está no livro) e “Antiga”. Minhas peças também falam para o povo. É a cultura pop.

Você, como um artista versátil, atua no teatro, cinema e também na TV. Dos três, onde se ente mais à vontade? Por quê?

O teatro é a arte do ator, o cinema do diretor e a TV do patrocinador, já se diz por aí. A base para todas elas é o teatro, que é o pai e a mãe de todos nós. Eu me sinto bem fazendo bons papéis, que tenham conflito. Se eu estou contracenando com Wilhem Dafoe no filme “Meu amigo hindu”, de Hector Babenco, ou fazendo “Carta ao Pai”, de Franz Kafka nos domicílios para as pessoas a minha dedicação é exatamente a mesma.

Além de divulgar o livro, quais seus planos para 2017?

Eu estou inscrito em dezenas de editais, esperando respostas para montar minhas peças. Algumas delas foram adaptadas para o cinema e estamos esperando resposta também. Luto diariamente para levar minhas peças aos festivais nacionais e internacionais. Eu fui convidado para levar “Desamor”, peça que o Walcyr Carrasco escreveu para mim e que ficou cinco anos em cartaz, para a Bélgica, mas não consegui patrocínio até agora. Estou na batalha. Também estou fazendo um projeto para escolas – “Claro Enigma”, de Carlos Drummond de Andrade. Este livro cai na Fuvest e é uma oportunidade de alunos que nunca foram ao teatro entrarem em contato com estes extraordinários poemas pela primeira vez, proferidos em voz alta pela alma de um ator apaixonado pelo seu ofício. Estou terminando meu primeiro romance – “A ex-mulher”. E estudando convites para todas as mídias. Com o tempo tornei-me mais seletivo e só aceito fazer aquilo que realmente me toca, me move e claro, paga bem. E estou de malas prontas para Los Angeles, desbravar a Meca da indústria do audiovisual. Tenho três agentes nos Estados Unidos. Sou chamado para mais de dez testes por semana, enquanto aqui no Brasil é um por mês e olhe lá. Tenho muito desejo de morar na cidade dos anjos. Estou focado nisto. Para além da ilusão do estrelato, lá há muito trabalho de todos os tipos, desde curtas universitários até séries como “House of Cards”, para que fui convidado a fazer um teste para uma fala com Kevin Spacey. O que me interessa é exercer o meu ofício com dignidade. E diferente da mentalidade fracassada que impera por aqui, lá eles me incentivam e me encorajam a ir em busca do meu sonho. Os anjos estão comigo e eu com eles.

Qual sua relação com São Luís?

Eu sou apaixonado por São Luís, sobretudo pela cultura, pelo povo e pelo Centro Histórico. Ele deveria ser cuidado como um diamante. É patrimônio histórico da humanidade. Tem que ser restaurado, revitalizado. Quando fui me apresentar em Portugal, chorei de emoção pelas ruas de Lisboa e do Porto quando reconheci a arquitetura de São Luís e entendi que viemos de lá. Sou profundamente honrado em pertencer a um time que tem Aloísio e Artur Azevedo, Ferreira Gullar, Joãozinho Trinta, Zeca Baleiro, Alcione, Papete, João do Vale, entre tantos outros. É uma festa fazer parte desta turminha da pesada. O maranhense tem que valorizar e se orgulhar mais da sua terra e do seu povo. Somos ouro. Eu tenho um profundo amor por São Luís e pelo Maranhão, como um todo. Lençóis Maranhenses é o lugar mais lindo que já visitei no planeta. A espontaneidade, a alegria, o carisma do povo maranhense são pérolas. Eu faço colares diários com elas. E distribuo por aí.

Saiba mais

Você pode seguir o ator nas redes sociais

Instagram: dionisioneto7

Twitter: @dionisioneto

Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais Twitter, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.