Conciliação

Moradores da Aurora conseguiram: Funac sairá do bairro

Até o fim de dezembro, a unidade, instalada a contragosto da comunidade, terá de ser desativada; decisão foi tomada em audiência pública de conciliação, realizada no Fórum Desembargador Sarney Costa

Atualizada em 11/10/2022 às 12h41
Moradores da Aurora comemoram a vitória da saída da Funac do bairro até dezembro
Moradores da Aurora comemoram a vitória da saída da Funac do bairro até dezembro

SÃO LUÍS - Os moradores do bairro Aurora conseguiram uma grande vitória no começo da tarde de ontem, quando, em audiência pública de conciliação, realizada no Fórum Desembargador Sarney Costa, o Governo do Estado se comprometeu a desativar a Unidade de Ressocialização da Fundação da Criança e do Adolescente (Funac), que foi instalada na comunidade no último dia 4, contra a vontade da população. Pelo acordo firmado, o prazo final para a saída dos adolescentes em conflito com a lei do imóvel é 30 de dezembro deste ano, nem um dia a mais.

A audiência foi realizada num auditório do Fórum, pois contou com a presença massiva dos moradores da Aurora e o juiz Douglas de Melo Martins, da Vara de Interesses Difusos, achou melhor levar a reunião para uma sala bem maior, que foi totalmente ocupada. Da parte do Governo do Estado, participaram o secretário de Direitos Humanos e Participação Popular, Francisco Gonçalves, o procurador-Geral do Estado, Rodrigo Maia, e diversos secretários adjuntos de outras pastas, como a Secretaria de Estado de Infraestrutura (Sinfra).

A princípio, tanto governo quanto moradores pareciam estar em um impasse difícil de resolver, com relação à unidade da Funac. A associação de moradores do bairro, após várias deliberações, apresentou uma proposta de que a casa deveria ser desativada em no máximo seis meses, aliada a uma série de contrapartidas sociais e de infraestrutura, tais como a presença de polícia 24 horas no bairro, a reforma da quadra de esportes e melhorias de ruas e pontes.

O governo, por seu lado, afirmou que só poderia efetuar a remoção dos adolescentes no prazo mínimo de 18 meses, visto que as outras unidades da Funac, que podem vir a suprir a demanda do estado, ainda estão em fase de projeto, ou início de construção. Com isso, não haveria tempo hábil no prazo pedido pela comunidade.

Francisco Gonçalves relatou ainda que o governo já estaria em conversa sobre as outras reinvindicações da comunidade, que estariam sendo encaminhadas. A secretária adjunta de Obras Setoriais da Sinfra, Leonara Gondim Ataíde, afirmou também que a quadra de esportes já teria sido incluída no cronograma de reformas da secretaria, por meio do Programa de Manutenção e Reforma de Logradouros Públicos. Com isso, a quadra passará a ser coberta e terá equipamentos para ginástica.

Mário da Silva, presidente da Associação de Moradores da Aurora, argumentou que não haveria condições de a comunidade aguardar18 meses, já que alguns moradores eram contra esperar até mesmo os seis meses que foram propostos. Ele também destacou que as contrapartidas públicas, que foram pedidas pelos moradores como garantia, fazem parte das obrigações do estado, independente de acordo.

Acordo
Foi o juiz Douglas Martins, com o apoio do promotor Lindonjonson Gonçalves de Sousa, quem propôs os termos da conciliação. Ele sugeriu que a unidade da Funac fosse desativada até o fim deste ano, e explicou que uma “pendenga” judicial iria ocasionar perdas para ambos os lados, já que poderia se estender por vários meses e talvez anos, dependendo da quantidade de recursos que fossem impetrados, o que iria causar cansaço e perdas financeiras para a população, enquanto o governo teria a imagem ainda mais arranhada, além de também ter de despender tempo e dinheiro.

O magistrado concedeu 15 minutos para que as partes deliberassem entre si. Findo o prazo, os moradores da Aurora decidiram aceitar a proposta do juiz, com prazo final até 22 de dezembro, para que a desocupação fosse uma espécie de presente de natal à comunidade. Mauro Silva, da comissão de moradores, ressaltou que o prédio possui um contrato de aluguel de cinco anos, podendo ser prorrogado por mais cinco, ou seja, segundo ele, a unidade poderia ficar no bairro por até 10 anos, caso eles não tivessem feito algo. Então, era uma vitória a se comemorar.

Contraproposta
Francisco Gonçalves voltou com uma contraproposta de 12 meses. Segundo explicou, o governo trabalharia com afinco para desativar a casa na Aurora, mesmo que as outras unidades não estivessem prontas. Ele pediu os 12 meses, pois argumentou que existem entraves e problemas que podem surgir na administração pública que não são previstos. E isso poderia ampliar um pouco o prazo. Por isso, sugeriu também que uma nova audiência pública fosse realizada em um ano para avaliação dos trabalhos.

Douglas Melo destacou, no entanto, que, a menos que uma tragédia de grande nível, como um terremoto, justificasse o atraso, não existia por que se ampliar em mais um mês o prazo. Também descartou uma nova audiência, afirmando que isso causaria insegurança na população com relação ao cumprimento dos prazos por parte do governo do estado. Com isso, ele reiterou sua proposta de que o prédio fosse desativado até 30 de dezembro.

Por fim, Francisco Gonçalves e Rodrigo Maia concordaram com a proposta. Imediatamente, o documento do acordo judicial foi redigido e assinado por ambas as partes.

[e-s001]União dos moradores foi fundamental

Desde que entrou em combate com o Governo do Estado contra a instalação da uma unidade da Funac em seu quintal, os moradores da Aurora se destacaram pela união. Logo no começo, assim que souberam que a casa, que pertencia a um membro do PC do B, partido do governador Flávio Dino, foi locada para ser a unidade de ressocialização, eles tentaram a via mais tranquila: a conversa.

Mas não deu certo. Segundo contam os moradores, até mesmo o governador os teria destratado. Em certa conversa que tiveram com o mandatário, na qual pediram que ele revogasse a implantação da unidade, Flávio Dino teria afirmado que, enquanto fosse o governador, nem Deus tiraria o Centro de Socioeducação da Aurora.

Este foi o estopim para uma série de movimentos que contou com faixas pretas em frente às casas, barricadas na Rua Frei Hermenegildo, onde está a casa alugada e que foi fechada por vários dias para o tráfego de veículos, gritos de guerra (“Saúde e educação, Funac não!”), cultos e diversas reportagens em veículos de comunicação do Maranhão e do Brasil.

Dia e noite, os moradores não descansaram. Chegaram até a fechar, por um tempo, a Avenida Nossa Senhora da Conceição para chamar a atenção do governo, mas nada parecia que ia dar certo. Alguns moradores questionavam se iriam conseguir alguma coisa, já que sabiam estar lidando com um poder além do seu, aparentemente.

Juntos, eles também entraram com ações na Justiça para tentar sustar a ação do Governo do Estado. Uma dessas ações foi iniciada ontem, com a audiência de conciliação que resultou na vitória da comunidade.

“Aluguel camarada” ainda irá a julgamento

Mesmo com o acordo entre os mo­radores da Aurora e o Governo do Estado, o juiz Douglas de Melo Martins afirmou que o inquérito civil iniciado na 28ª Promotoria de Justiça Especializada na Defesa do Patrimônio Público e da Probi­dade Administrativa, sob responsabilidade do promotor Lindonjonson Gonçalves de Sousa, a respeito do aluguel do imóvel que pertence a Jean Carlos Oliveira, filiado ao PCdoB e funcionário contratado da Empresa Maranhense de Administração Portuária (Emap), segue em tramitação.

A informação de que o prédio foi alugado para beneficiar um correligionário do partido do governador, que teria participado inclusive de campanhas eleitorais de outros candidatos da sigla, foi divulgado em primeira mão por O Estado, que também divulgou outros casos de alugueis que estariam beneficiando companheiros de partido, ou ideologia do governador Flávio Dino.

Somente na Aurora, o aluguel já rendeu mais de R$ 170 mil ao proprietário, contado o tempo em que a casa ficou fechada, desde 2015, com o aluguel mensal de R$ 12 mil, que, após o desconto dos impostos, cai para R$ 9,5 mil, sendo pagos religiosamente. O pra­zo de vigência do contrato é de cinco anos, podendo ser prorrogado por período igual. Se for levado até o fim, o senhor Jean Carlos Oliveira vai embolsar cerca de R$ 570 mil do governo do estado, podendo chegar a mais de R$ 1 milhão, em caso de prorrogação.


Ontem, na audiência de conciliação no Fórum Sarney Costa, o procurador-geral do Estado, Rodrigo Maia, afirmou que analisou o contrato firmado pelo aluguel da casa e que não existe ilegalida­de alguma no ato.

SAIBA MAIS

A Aurora é um dos bairros centenários de São Luís. São cerca de 20 mil moradores, muitos idosos que ainda lembram de como era a vida antigamente, que sofrem com falta de escolas, hospitais e segurança. Por isso a população fez questão de incluir na audiência de conciliação ações pertinentes a esses temas. Em mais de 100 anos, o bairro nunca teve uma escola, um único hospital, posto policial, ou nem mesmo uma farmácia, como afirma o morador Raimundo Costa.
Fora isso, os moradores ainda têm que conviver, há mais de 40 anos, com a Unidade Prisional de Ressocialização (UPR) do Anil, que antigamente era chamada de Central de Recolhimento (Cerec). A unidade sempre foi famosa em São Luís pelas constantes fugas, que sempre causam pânico na população. Uma dessas ações resultou na morte de dona Elisabete Raposo Costa, aos 65 anos de idade, quando bandidos invadiram seu quintal e polícia seguiu atrás. As trocas de tiro assustaram a mulher, que era hipertensa e teve um infarto fulminante.

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